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Aline Scarso,
da Redação
Moradores de Santa Tereza fizeram protestos contra o sucateamento dos bondes do bairro na quinta-feira (01) no Rio de Janeiro (RJ). A manifestação convocada pela Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) reivindicou mais investimento público para os bondinhos e lembrou as cinco vítimas que morreram no acidente do último sábado (27), em especial do motorneiro Nélson Correa da Silva.
Os manifestantes partiram da estação no Largo da Carioca em direção à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no centro da cidade. Eles realizaram também uma assembleia, na qual se manifestaram contra a privatização do serviço.
Essa foi a segunda manifestação desde que um bonde tombou na Rua Joaquim Martinho, em Santa Tereza, matando cinco pessoas e ferindo 50. A primeira aconteceu no próprio bairro no domingo (28), um dia após o acidente. Um novo protesto está marcado para o próximo dia 15, na Alerj, durante uma audiência pública da comissão de transportes.
O escultor João Martins, morador do bairro há mais de 10 anos, disse que o sucateamento dos bondes é um problema central do bairro. “Isso sempre aconteceu e sempre houve luta por melhorias e investimento público”, afirma.
No bairro há muitas ladeiras, e os moradores utilizam o bonde como meio de transporte coletivo. Além de não existirem em quantidade suficiente para atender a demanda da população, o que contribui para a superlotação, os bondes estão em péssimo estado de conservação e têm problemas constantes com o sistema de freios.
De acordo com o relatório divulgado na terça-feira (30) da Companhia Estadual de Transporte e Logística (Central), que administra os bondes, existem 14 bondinhos, entre antigos e reformados. Apenas três, segundo a Central, estão em condições de circular. Os outros 11 precisam de reparo ou reforma completa.
O bondinho número 10, que sofreu o acidente, já havia passado 13 vezes pela oficina de manutenção somente no mês de agosto. Em cinco delas, o objetivo era corrigir os freios. Desde o acidente, a circulação dos bondes no bairro está suspensa.
“É um transporte que faz parte da memória cultural do bairro. Entre bondes, moradores e funcionários há relações muito estreitas e afetivas. Existe uma força sócio-cultural muito forte que mantêm essas relações. Então quando acontece um acidente que já estava sendo previsto, o pessoal fica muito chocado”, destaca João.
Governo
A principal ação do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), até o momento, foi nomear o presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do estado (Detro), Rogério Onofre, como interventor dos bondes. Em entrevista à imprensa na quarta-feira (31), Cabral admitiu que a frota dos bondinhos está sucateada.
Onofre ficará responsável por fazer um levantamento da situação dos bondes de Santa Teresa. Além disso, a Central deixará de ser vinculada à Secretaria de Transportes para ser de responsabilidade do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro).
A preocupação dos moradores, segundo João, é que o sucateamento dos bondinhos seja usado como justificativa pelo governo para privatizar os serviços, tornando o transporte mais caro ou mesmo impossibilitando seu uso pela população.
“Há muitos interesses privativos para otimizar o bairro como mais uma mercadoria da cidade para os turistas utilizarem, como é o caso do bondinho Corcovado e o do Pão de Açúcar, só para turistas”, afirma.
Um vídeo gravado por um amigo de João, o músico e fotógrafo Fábio Barreto, mostra um bonde em bom estado, com a chancela da Secretaria dos Transportes, sendo usado por um grupo de turistas de um hotel do bairro. Fábio tentou subir no bonde com a família, mas foi impedido. A justificativa
era de que o bonde era privativo
.
“O vídeo já estava denunciando a situação antes do acidente. Ou seja, o governo já está criando bondes especiais, alugando para hotel, e bondinhos bons. Já os bondinhos ruins são colocados para assassinar a população”, acusa João.
Justiça
Há dois anos a Justiça condenou o estado a fazer a recuperação completa do sistema de bondes do bairro, como mostram documentos disponibilizados pela Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast). A ação, movida pelo Ministério Público Estadual, foi motivada pela morte da professora Andrea Jesus Resende, depois da colisão do bonde onde estava com um ônibus.
O governo recorreu, mas um acórdão no dia 10 de novembro de 2010 manteve a sentença. Apesar disso, a modernização dos bondinhos não foi feita.
Em um dossiê feito pela Amast e intitulado “Dossiê da Verdade”, o moradores criticam o Ministério Público por não tomar providências sobre a situação dos bondinhos.
Ainda segundo o dossiê, no dia 24 de agosto, três dias antes do acidente com o bonde número 10, o Conselho Nacional do Ministério Público havia começado a investigar, a pedido de uma moradora, a omissão do MP diante da falta de cumprimento da sentença.
Já o Ministério Público afirmou que irá apurar o novo acidente, o que pode resultar numa ação civil pública. O acidente está sendo investigado pela 7ª Delegacia de Polícia (Santa Teresa). Com isso, o Secretário de Transportes do Rio de Janeiro, Julio Lopes, poderá responder pelo caso civil ou criminalmente.
Em uma coletiva de imprensa na segunda-feira (29), Julio Lopes chegou a sugerir que o motorneiro, Nélson Correa da Silva, poderia ser o responsável pelo acidente, já que deveria ter levado o bonde para manutenção naquele mesmo dia.
“A perspectiva agora é de pressão popular, junto com alguns deputados”, afirma o morador João Martins que aguarda, com expectativa, a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o acidente. O presidente da Comissão de Transportes da Alerj, Marcelo Simão (PSB), já adiantou que os deputados devem trabalhar para a instalação da CPI na Casa.