Compartilhe
Gabriel Brito
Do Correio da Cidadania
Do Correio da Cidadania
No dia 6 de julho, o Diário Oficial publicou o decreto do
governador paulista do PSDB Geraldo Alckmin, que libera os hospitais estaduais
geridos pelas Organizações Sociais de Saúde (OSS) a oferecerem 25% de seus
leitos a pacientes de planos de saúde particulares. A alegação é a falta de
condições para investir no setor, o que poderia ser remediado com a arrecadação
dos pagamentos dos planos privados sobre tais atendimentos. Com vistas a
discutir mais essa política de desmonte da saúde pública, o Correio da
Cidadania entrevistou a promotora de justiça Anna Trotta Yarid, para quem a
medida é, “além de ilegal, inconstitucional”.
governador paulista do PSDB Geraldo Alckmin, que libera os hospitais estaduais
geridos pelas Organizações Sociais de Saúde (OSS) a oferecerem 25% de seus
leitos a pacientes de planos de saúde particulares. A alegação é a falta de
condições para investir no setor, o que poderia ser remediado com a arrecadação
dos pagamentos dos planos privados sobre tais atendimentos. Com vistas a
discutir mais essa política de desmonte da saúde pública, o Correio da
Cidadania entrevistou a promotora de justiça Anna Trotta Yarid, para quem a
medida é, “além de ilegal, inconstitucional”.
Porém, acima de tudo, Anna Trotta considera a idéia
impraticável, simplesmente por conta dos modos de funcionamento dos sistemas
público e privado, com procedimentos de encaminhamento de pacientes totalmente
opostos. Será, assim, inevitável a prática da ‘fila dupla’ no atendimento. Além
disso, a promotora lembra que o decreto é também ilegal, pois, quando da
implantação das OSS, ficou estabelecido que elas teriam atendimento 100%
voltado ao SUS.
impraticável, simplesmente por conta dos modos de funcionamento dos sistemas
público e privado, com procedimentos de encaminhamento de pacientes totalmente
opostos. Será, assim, inevitável a prática da ‘fila dupla’ no atendimento. Além
disso, a promotora lembra que o decreto é também ilegal, pois, quando da
implantação das OSS, ficou estabelecido que elas teriam atendimento 100%
voltado ao SUS.
A promotora, integrante da nova diretoria do Movimento do
Ministério Público Democrático, lembra ainda que, em questões essenciais à
sociedade, como a saúde, não há espaço para desvios de finalidades em nome de
interesses privados ou falsamente públicos. “No assunto saúde universal,
igualitária e gratuita, não cabe ideologia”, adverte.
Ministério Público Democrático, lembra ainda que, em questões essenciais à
sociedade, como a saúde, não há espaço para desvios de finalidades em nome de
interesses privados ou falsamente públicos. “No assunto saúde universal,
igualitária e gratuita, não cabe ideologia”, adverte.
Anna Trotta corrobora a visão do relatório alternativo da CPI
dos gastos da saúde de 2008, que afirma que tais entidades são “portas abertas
à corrupção”, fato que será agravado se passarem a receber verbas dos planos
privados de saúde. “Regulamentar a Emenda 29 (que fixa os percentuais mínimos a
serem investidos anualmente em saúde pela União, estados e municípios), cobrar
mais transparência e ampliação das formas de fiscalização e controle do
dinheiro público, a fim de evitar desvio ou malversação, são as verdadeiras
medidas eficientes para obtenção de mais dinheiro para a saúde pública”.
dos gastos da saúde de 2008, que afirma que tais entidades são “portas abertas
à corrupção”, fato que será agravado se passarem a receber verbas dos planos
privados de saúde. “Regulamentar a Emenda 29 (que fixa os percentuais mínimos a
serem investidos anualmente em saúde pela União, estados e municípios), cobrar
mais transparência e ampliação das formas de fiscalização e controle do
dinheiro público, a fim de evitar desvio ou malversação, são as verdadeiras
medidas eficientes para obtenção de mais dinheiro para a saúde pública”.
A entrevista completa pode ser conferida abaixo.
Como você avalia o decreto 57.108, com fins de
regulamentar a lei complementar 1.131, promulgado pelo governador Geraldo
Alckmin na última semana e que permite aos hospitais estaduais cederem 25% de
seus leitos a pacientes de planos privados?
regulamentar a lei complementar 1.131, promulgado pelo governador Geraldo
Alckmin na última semana e que permite aos hospitais estaduais cederem 25% de
seus leitos a pacientes de planos privados?
O Decreto é ilegal, porque permite que as OSS (Organizações
Sociais de Saúde) façam atendimento de convênio particular, quando a própria
lei das OSS diz expressamente que as OSS do estado deverão fazer atendimento
100% SUS. Por isso, não é possível a elas celebrar qualquer tipo de convênio ou
contrato para esse tipo de atendimento, até porque geraria diferenciação, o
que, além de ilegal, é inconstitucional.
Sociais de Saúde) façam atendimento de convênio particular, quando a própria
lei das OSS diz expressamente que as OSS do estado deverão fazer atendimento
100% SUS. Por isso, não é possível a elas celebrar qualquer tipo de convênio ou
contrato para esse tipo de atendimento, até porque geraria diferenciação, o
que, além de ilegal, é inconstitucional.
E veja, tal diferenciação é inerente aos sistemas, que não podem
coexistir. Quando somos atendidos pelo serviço público, temos que obedecer à
regionalização e hierarquização que são próprias do SUS, ou seja, vamos ao
hospital mais próximo da nossa residência, entramos pela Atenção Básica, que é
a porta de entrada do sistema público, no caso as UBS (Unidades Básicas de
Saúde), e estas nos encaminham para as outras especialidades, quando é o caso.
No sistema privado não. Escolhemos o hospital ou médico que queremos, dentre
aqueles previstos pelo plano que possuímos, e marcamos a consulta direta com o
especialista, não precisamos ser encaminhados por quem quer que seja. Por isso
o caminho é muito mais curto e rápido.
coexistir. Quando somos atendidos pelo serviço público, temos que obedecer à
regionalização e hierarquização que são próprias do SUS, ou seja, vamos ao
hospital mais próximo da nossa residência, entramos pela Atenção Básica, que é
a porta de entrada do sistema público, no caso as UBS (Unidades Básicas de
Saúde), e estas nos encaminham para as outras especialidades, quando é o caso.
No sistema privado não. Escolhemos o hospital ou médico que queremos, dentre
aqueles previstos pelo plano que possuímos, e marcamos a consulta direta com o
especialista, não precisamos ser encaminhados por quem quer que seja. Por isso
o caminho é muito mais curto e rápido.
Além disso, quando pagamos por um plano de saúde, dizemos que
queremos exatamente um tratamento diferenciado daquele oferecido pelo SUS. Por
isso, na realidade, o problema não é a diferenciação, mas a incompatibilidade
dos sistemas.
queremos exatamente um tratamento diferenciado daquele oferecido pelo SUS. Por
isso, na realidade, o problema não é a diferenciação, mas a incompatibilidade
dos sistemas.
Diversos juristas e advogados têm se pronunciado
exatamente pela ilegalidade do decreto, que atentaria contra a universalidade
do acesso à saúde prevista na Constituição Federal, além de criar
especificidades no funcionamento do SUS em somente um estado da federação. Essa
linha de raciocínio, portanto, é inequívoca, ao contrário do que argumenta o
governo?
exatamente pela ilegalidade do decreto, que atentaria contra a universalidade
do acesso à saúde prevista na Constituição Federal, além de criar
especificidades no funcionamento do SUS em somente um estado da federação. Essa
linha de raciocínio, portanto, é inequívoca, ao contrário do que argumenta o
governo?
Com certeza. E diria mais. Não está claro sobre quem e de que
forma o dinheiro arrecadado com esse atendimento será cobrado e administrado.
Precisamos lembrar que as OSS são instituições privadas e, ao administrarem
dinheiro privado, não estarão sujeitas ao controle público. Então, quem
fiscalizará essa conta? E como?
forma o dinheiro arrecadado com esse atendimento será cobrado e administrado.
Precisamos lembrar que as OSS são instituições privadas e, ao administrarem
dinheiro privado, não estarão sujeitas ao controle público. Então, quem
fiscalizará essa conta? E como?
Tal medida revelaria um caráter ideológico das políticas
do PSDB, semelhante ao que ocorre em outras áreas essenciais?
do PSDB, semelhante ao que ocorre em outras áreas essenciais?
Muitas pessoas insistem em dizer isso. Ideologia é questão da
política pública e da forma de administração. Essas questões, ao contrário, são
legais e constitucionais, uma vez que o SUS, para sorte de todos nós
brasileiros, está constitucionalmente previsto, e não cabe a qualquer
administrador público alterar seus princípios ao seu bel prazer. No assunto
“saúde universal, igualitária e gratuita”, não cabe ideologia.
política pública e da forma de administração. Essas questões, ao contrário, são
legais e constitucionais, uma vez que o SUS, para sorte de todos nós
brasileiros, está constitucionalmente previsto, e não cabe a qualquer
administrador público alterar seus princípios ao seu bel prazer. No assunto
“saúde universal, igualitária e gratuita”, não cabe ideologia.
Afinal de contas, qual o argumento do governo para
sustentar política de cessão de leitos aos planos privados?
sustentar política de cessão de leitos aos planos privados?
O argumento é a falta de dinheiro. Afirmam que esse dinheiro
seria uma forma de complementar as despesas públicas e melhorar os serviços
prestados. Entretanto, de um lado esquecem que, para que os hospitais públicos
concorram com o atendimento de convênio particular, precisarão, antes, de
grande investimento. Afinal, o cidadão que faz um plano de saúde busca um
tratamento diferenciado, senão utilizaria o SUS, pelo qual já paga através de
impostos. E de outro lado, sequer informam como será a forma de administração e
fiscalização desse dinheiro.
seria uma forma de complementar as despesas públicas e melhorar os serviços
prestados. Entretanto, de um lado esquecem que, para que os hospitais públicos
concorram com o atendimento de convênio particular, precisarão, antes, de
grande investimento. Afinal, o cidadão que faz um plano de saúde busca um
tratamento diferenciado, senão utilizaria o SUS, pelo qual já paga através de
impostos. E de outro lado, sequer informam como será a forma de administração e
fiscalização desse dinheiro.
É evidente que destinamos pouco dinheiro para a saúde. Mas isso
não pode servir de justificativa para permitir a privatização da coisa pública,
mesmo porque não representa solução. Regulamentar a Emenda Constitucional 29
(que fixa os percentuais mínimos a serem investidos anualmente em saúde pela
União, estados e municípios), cobrar mais eficiência na gestão e transparência
e ampliação das formas de fiscalização e controle do dinheiro público, a fim de
evitarmos qualquer tipo de desvio ou malversação, são as verdadeiras medidas
eficientes para obtenção de mais dinheiro para a saúde pública.
não pode servir de justificativa para permitir a privatização da coisa pública,
mesmo porque não representa solução. Regulamentar a Emenda Constitucional 29
(que fixa os percentuais mínimos a serem investidos anualmente em saúde pela
União, estados e municípios), cobrar mais eficiência na gestão e transparência
e ampliação das formas de fiscalização e controle do dinheiro público, a fim de
evitarmos qualquer tipo de desvio ou malversação, são as verdadeiras medidas
eficientes para obtenção de mais dinheiro para a saúde pública.
Você, dessa forma, acredita que, novamente contrariando
as afirmações do governo, a fila dupla será um fenômeno freqüente?
as afirmações do governo, a fila dupla será um fenômeno freqüente?
A diferenciação é inerente aos sistemas público e privado,
porque possuem sistemática e lógica diferentes, tal como disse no começo.
porque possuem sistemática e lógica diferentes, tal como disse no começo.
Enquanto isso, como fica a questão da dívida dos planos
de saúde privados com o SUS?
de saúde privados com o SUS?
É uma questão que deve envolver a ANS (Agência Nacional de
Saúde), porque é necessário que haja um compartilhamento de informações para
que essa cobrança seja viabilizada. Além disso, é necessário um posicionamento
do judiciário a respeito da possibilidade da cobrança, ainda muito discutida.
Saúde), porque é necessário que haja um compartilhamento de informações para
que essa cobrança seja viabilizada. Além disso, é necessário um posicionamento
do judiciário a respeito da possibilidade da cobrança, ainda muito discutida.
O fato de as Organizações Sociais gerenciarem diversos
hospitais que serão afetados pelo decreto sugere que tipo de práticas em sua
opinião?
hospitais que serão afetados pelo decreto sugere que tipo de práticas em sua
opinião?
Entendo isso como muito temerário, principalmente se lembrarmos
que muitas OSS possuem hospitais privados próprios, como é o caso do Santa
Marcelina, Santa Catarina, Einstein, Sírio Libanês, dentre outros.
que muitas OSS possuem hospitais privados próprios, como é o caso do Santa
Marcelina, Santa Catarina, Einstein, Sírio Libanês, dentre outros.
Quanto às OSS em São Paulo, como as avalia, após poucos anos de
sua implantação na gestão da saúde, contrapondo as mesmas correntes que agora
brigam em torno da entrega de leitos aos planos privados?
sua implantação na gestão da saúde, contrapondo as mesmas correntes que agora
brigam em torno da entrega de leitos aos planos privados?
Sob a justificativa de obter maior eficiência na prestação dos
serviços de saúde, o estado de São Paulo vem se retirando da prestação dos
serviços, passando a ocupar a posição de mero gerenciador das políticas
públicas de saúde e fiscalizador dos serviços prestados.
serviços de saúde, o estado de São Paulo vem se retirando da prestação dos
serviços, passando a ocupar a posição de mero gerenciador das políticas
públicas de saúde e fiscalizador dos serviços prestados.
Entretanto, durante o período em que estive à frente da
Promotoria de Saúde Pública, pude verificar que o gestor público não tem
clareza quanto às políticas públicas de médio e longo prazo que pretende
implantar, e não tem cumprido bem seu papel de fiscalizador das OSS.
Promotoria de Saúde Pública, pude verificar que o gestor público não tem
clareza quanto às políticas públicas de médio e longo prazo que pretende
implantar, e não tem cumprido bem seu papel de fiscalizador das OSS.
Confirmou-se a projeção do relatório alternativo da CPI
dos gastos da saúde de 2009, de que tais organizações seriam “porta aberta à
corrupção”?
dos gastos da saúde de 2009, de que tais organizações seriam “porta aberta à
corrupção”?
Não existe boa administração sem boa fiscalização. Se não houver
uma fiscalização adequada e eficiente, com certeza as portas para a corrupção
estarão abertas.
uma fiscalização adequada e eficiente, com certeza as portas para a corrupção
estarão abertas.
Há iniciativas vindas de dentro do próprio aparelho
estatal – como Ministério Público e Defensoria Pública – no sentido de reverter
tais políticas privatistas?
estatal – como Ministério Público e Defensoria Pública – no sentido de reverter
tais políticas privatistas?
Anna Trotta Yarid: Sobre as OSS, existe uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade que ainda não foi decidida pelo judiciário. Também foi
discutido, por meio de ação, o modelo de convênio das AMAS, mas também não há
decisão definitiva do judiciário.
Inconstitucionalidade que ainda não foi decidida pelo judiciário. Também foi
discutido, por meio de ação, o modelo de convênio das AMAS, mas também não há
decisão definitiva do judiciário.
Portanto, a questão da forma de prestação dos serviços e do novo
modelo adotado está ainda em discussão, muito embora já exista uma situação de
fato, consolidada, no estado de São Paulo.
modelo adotado está ainda em discussão, muito embora já exista uma situação de
fato, consolidada, no estado de São Paulo.