Compartilhe
Produção interna está perdendo espaço (Foto: Rodrigo Paiva/Folhapress ©)
Representantes dos trabalhadores de setores estratégicos da indústria propõem a criação de um fórum de diálogo permanente para discutir as possíveis soluções para a perda do espaço da produção nacional para as importações e a consequente diminuição de empregos no país. O cenário da discussão inclui o iminente anúncio da Política de Desenvolvimento da Competitividade (PDC), nesta terça-feira (2). O governo federal promete apresentar novas diretrizes para a indústria brasileira, mas o conteúdo do plano, porém, ainda é desconhecido pelos sindicalistas que reivindicaram espaço na confecção destes pontos.
Sindicalistas metalúrgicos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e à Força Sindical foram convidados para um encontro com a presidenta Dilma Rousseff nesta segunda-feira (1º), véspera do anúncio das medidas. Enquanto cutistas pretendem comparecer na terça, os representantes das demais centrais sindicais prometemboicotar o lançamento.
Em evento da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), no início do mês, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, ressaltou que a PDC apresentará três pontos principais: a defesa comercial, a simplificação de procedimentos e estímulo à exportação. “É um momento importante para ouvirmos as empresas e entidades, porque é somente com o trabalho integrado entre o governo e o setor privado que vamos alcançar nossos objetivos”, afirmou no evento.
Linhas gerais não são suficientes para os representantes dos trabalhadores. O presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM, filiada à CUT), Paulo Cayres, em conjunto com dirigentes da Central dos Trabalhadores e Trabalhadores (CTB) e da Força Sindical – que também têm significativa base de metalúrgicos – exigiu ao governo que a PDC seja apresentado. “Não temos como avaliar porque nem conhecemos (o conteúdo do documento)”, disse.
Em entrevista à Carta Maior, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT), Sérgio Nobre, defendeu a criação de uma câmara tripartite – com a participação do governo, dos trabalhadores e empresários, inspirada no modelo das chamadas câmaras setoriais dos anos 1990. “Acredito que, juntos, trabalhadores, governo e empresas podem encontrar formas de estimular e fortalecer essa produção”, disse.
O setor químico, um dos que sofrem diretamente efeitos da chamada “desindustrialização”, tem diferenças em relação aos demais. Segundo o coordenador-geral do Sindicato dos Químicos de São Paulo, Osvaldo Bezerra, o processo de abertura econômica na década de 1990 teve impacto direto no setor. “Com isso, várias empresas faliram e trabalhadores ficaram sem emprego. Hoje o país depende de uma política mais arrojada nessa área”, pontuou. O ramo abrange a produção de medicamentos, embalagens e cosméticos, entre outros.
Câmaras setoriais
Preocupação comum entre as centrais, os riscos da desindustrialização foram apontados desde maio com o anúncio da união entre os sindicatos dos Metalúrgicos do ABC (CUT) e de São Paulo (Força Sindical) em seminário promovido em conjunto com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Na ocasião, o presidente da Força, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP) afirmou que o Brasil está se tornando um país de “apertadores de parafuso”, pelo fato das peças serem produzidas no exterior e somente montadas no Brasil.
O deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), concorda que a saída neste caso seria o retorno da câmara setorial para os metalúrgicos, abrangendo acordo entre todas as centrais. “Eu acho que, se não evoluir no ponto de vista da lei, tinha que haver importantes negociações com os trabalhadores, empresas e governantes. Minha sugestão é esta, independente do que for aprovado ou não”, disse, destacando a experiência da década de 1990, quando ele presidia o sindicato do ABC, com acordos que incluíam itens como metas de produção, nacionalização e manutenção do nível de emprego.
“Aquilo implicou na redução de impostos com consequência na redução do preço dos produtos e também no aumento de salário e garantia dos níveis de emprego. Virou um exemplo para o país”, completou Vicentinho.
A previsão de importação para este ano, segundo os metalúrgicos do ABC, é de 1 milhão de veículos, o que significaria que 103 mil empregos deixaram de ser criados no país. Segundo o Sindipeças – que reúne fabricantes de autopeças no país – de janeiro a maio deste ano o segmento apresentou déficit comercial de US$ 1,82 bilhão, devido a alta de 20,8%. As exportações até cresceram mais no período (23,6%), mas não o bastante para compensar o saldo negativo.
Vicentinho é autor de dois projetos de lei que visam estimular a indústria de autopeças do país. Um deles, o PL 1.770/2011, propõe que 70% das peças dos automóveis montados no país sejam nacionais. Outro projeto, que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, proíbe o poder público em qualquer esfera de comprar carro importado. “Se for aprovado, vamos criar cerca de 10% a mais de empregos nas montadoras do país”, aposta Vicentinho.
A preocupação também se relaciona ao crescimento do consumo de veículos importados. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), no primeiro semestre deste ano, a venda de carros cresceu 10%, ante um aumento de produção de 4,1%. O número de importados emplacados, porém, cresceu 38% no período.
Perdendo espaço
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, ano a ano, o Brasil perde espaço na economia internacional. Em 1984, o país tinha 35,9% do mercado e, em 2011, 15,81%. No período de 2003 até o atual, as importações de veículos passaram de 9% a 16%. Em outros setores, a tendência se confirma: o têxtil passou de 6% a 18%; metalurgia, de 8% a 18%; de máquinas e equipamentos, de 17% a 30%; e de material eletrônico, de 25% a 52%.
Em entrevista recente, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, admitiu que setores da indústria, como autopeças e máquinas e equipamento podem enfrentar esse processo, e alertou que o país tem urgência em uma medida para elevar a competitividade. “Eu espero a desoneração dos investimentos, das exportações, medidas fortes da defesa comercial, tanto nos portos como na verificação técnica dos produtos importados”, disse.
O desaquecimento da indústria também deve se agravar no segundo trimestre, segundo a CNI. São 48,1 pontos de produção considerando a utilização da capacidade instalada, que varia de zero a 100. Levantamento do PMI (sigla em inglês de Instituto de Gerenciamento de Projetos) mostrou que o Brasil foi o único entre 13 países a registrar queda no ritmo de encomendas e contratações no último mês. Também foi observada expansão mais fraca durante o ano passado. Além do indicador internacional, baseado em entrevistas com empresários, dados da Fiesp apontamestagnação da produção e leve queda de empregos.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, no entanto, as vagas no setor cresceram 3,7% no primeiro semestre de 2011, depois de um ano de forte expansão (7,24% em 2010).
Fernando Sarti, do Núcleo de Economia Industrial da Universidade de Campinas (Unicamp), acredita que a PDC irá trazer algumas soluções a médio e longo prazo, apesar de o governo visar as mais práticas e a curto prazo. “Na política industrial, não há como enfrentar fatores desfavoráveis, como da macroeconomia, que está num momento ruim. Vão ter que usar um escopo. De um lado, tudo aponta na direção que o Brasil terá por diretriz o investimento a longo prazo”, aponta.
Segundo ele, a taxa de investimento – atualmente em torno de 18% – teria de alcançar, pelo menos, 25%. “Não vamos ter que inventar uma demanda, por conta de elementos como pré-sal e os próximos eventos esportivos (Copa e Olimpíada). Ao que tudo sinaliza, ela está dada. A questão é que esta demanda tem sido atendida por produção externa”, disse. Para ele, os instrumentos de defesa comercial ainda são pouco utilizados pelo fato de o “jogo” comercial está cada vez mais acirrado.
“Não faz sentido diante de um quadro macroeconômico tão ameaçador quanto esse ter iniciativa tímida na defesa comercial. O mundo está passando por uma mudança importante. Há dez anos não tínhamos uma China com esse poderio econômico e industrial que tem hoje”, afirma o economista. “Isso (a estratégia) tem que ser pensado dentro de uma lógica do que nós queremos e quais os setores que são estratégicos. E não um tiro a esmo. Desmontar essa arapuca em que estamos hoje não é um processo simples.”