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Marcha em defesa do assentamento Milton Santos, em Americana (SP),
ameaçado de despejo pela Justiça Federal. Foto: João Zinclar
Em uma guinada pragmática, o governo Dilma Rousseff (PT) começa a por em marcha uma nova política agrária, centrada na ideia de desenvolvimento e eliminação dos focos de miséria dos assentamentos rurais. No discurso, a redistribuição das terras por meio das desapropriações continua, mas é tratada como um capítulo à parte na estratégia federal.
Para viabilizar as mudanças pretendidas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está descentralizando atribuições para outros órgãos e programas do governo. De acordo com o presidente da autarquia, o economista e servidor de carreira Carlos Guedes, é preciso “atualizar a questão agrária” e o órgão, sozinho, não dá conta de fazer tudo o que se espera dele, como foi no passado.
Na parte de infraestrutura, a construção de moradias nos assentamentos será incluída nas metas do programa Minha Casa, Minha Vida, coordenado pela Caixa Econômica Federal. Até hoje, o próprio órgão, em conjunto com as associações de assentados, encaminhava a construção dos imóveis. A portaria que confirma a mudança está prevista para ser publicada ainda em janeiro desse ano. Abastecimento de água e saneamento serão tarefas do programa Água para Todos, do Ministério da Integração Nacional, ao menos na região do semiárido nordestino.
Já a implantação da infraestrutura básica, como estradas de acesso e aplicação de créditos iniciais para produção, ainda ficarão sob coordenação direta do Incra, mas com ampliação da participação de prefeituras, que vão gerenciar o uso de máquinas fornecidas pelo próprio governo e serão estimuladas a comprar a produção agrícola via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional Alimentação Escolar (Pnae).
Perda de importância
Servidores veem com mais desconfiança o “emagrecimento” do instituto. “Nós, funcionários do Incra, não fomos chamados para debater essas mudanças, mas fica claro que o pano de fun-do desse processo é o esvaziamento da execução da reforma agrária”, aponta Acácio Zuniga Leite, um dos diretores da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi).
O Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) no Congresso Nacional é outro setor decepcionado com os rumos dados pela presidenta Dilma para o campo. O deputado Marcon, do Rio Grande do Sul, até absolve a dupla Guedes e Pepe Vargas [ministro do Desenvolvimento Agrário, pasta a que o Incra está subordinado], mas reconhece que a reforma agrária perdeu importância para o centro de governo.
“Não adianta ter bons quadros como o presidente Guedes e o ministro Pepe, se a presidenta está deixando a desejar. Nem mesmo o discurso dela em favor do desenvolvimento dos assentamentos é realidade. Basta ver que o orçamento do Incra não é prioridade”, critica.
Segundo informações do próprio Incra, a execução orçamentária em 2012 foi de R$ 2,1 bilhões, patamar semelhante durante a era Lula. Porém, ano passado, o próprio Executivo determinou o contingenciamento de cerca de 70% dos recursos de custeio para o instituto, justamente aqueles que garantem a operação da máquina, como deslocamento de servidores e transporte, fundamentais para a ação finalística. No site do órgão, no entanto, se diz que as metas do ano foram cumpridas. Para 2013, o governo incluiu no Projeto de Lei Orçamentária o montante de R$ 2,3 bilhões, que será apreciado pelo Congresso Nacional em fevereiro.
Acesso à terra
Quando o assunto é desapropriação de terras para a reforma agrária, a postura da direção do Incra tenta ser “realista”. No documento que aponta as diretrizes administrativas para 2013, a autarquia afirma que a obtenção de terras e criação de assentamentos serão integradas ao Plano Brasil sem Miséria, maior plataforma política da presidenta Dilma. Na prática, segundo confirma Carlos Guedes, só haverá enfrentamento direto da concentração fundiária onde o latifúndio não conseguiu estabelecer um modelo de desenvolvimento para a região.
“Grande parte dos acampamentos de reforma agrária está em regiões onde a área média dos grandes imóveis não passa de dois mil hectares. E boa parte deles, com qualquer índice de produtividade, vai dar produtivo, porque fica em área de pujança do agronegócio de exportação. Esse dado mostra claramente que não será apenas este tipo de política que vai, de alguma forma, alterar a estrutura fundiária brasileira. Temos que atuar onde a gente consegue sinalizar para a sociedade que há concentração fundiária e presença de pobreza extrema, que são as zonas mais estagnadas e sem dinamismo agrícola”, explica Guedes
Ele ainda promete atualizar os dados do Sistema Nacional de Cadastro de Imóveis Rurais (SNCR) como forma de planejar melhor a “intervenção” do Incra. Segundo seus cálculos, a concentração da terra é mais gritante no oeste da Bahia, Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde estão cerca de 60% dos latifúndios, com área média superior aos cinco mil hectares. “A ação mais atual do Incra dever ser a de se assenhorar do território e indicar a melhor ocupação para a terra. Chamo isso de governança sobre seu território, ou seja, identificar regiões com concentração fundiária, pobreza extrema e ver como intervir”, observa.
Acácio Leite, da Cnasi, vê nisso uma distorção do que deveria ser o papel central do Incra. “O Carlos Guedes fala em ‘governança territorial’, mas esse é um conceito vazio, enquanto a reforma agrária é um conceito científico. A meu ver, é mais um sinal de que não está no horizonte uma reconfiguração da questão agrária no país, que entendemos ser o papel primordial do Incra”, defende.
Para o coordenador do Núcleo Agrário do PT no Congresso, deputado Valmir Assunção, da Bahia, não há conciliação possível com uma política agrária que não atue sobre o processo histórico de concentração da terra. “O que nós, da esquerda política, não temos como conviver e não podemos aceitar, é que um proprietário tenha quatro ou cinco milhões de hectares. É possível que Dilma governe o Brasil distribuindo um punhado de terra, crédito e um pouco de infraestrutura. De 1964 para cá, a concentração da terra continua estabilizada, mesmo tendo assentamento de reforma agrária, mas não é a perspectiva de mudança que a gente deseja”, diz.
Reforma agrária sem prestígio
Para o deputado baiano Valmir Assunção, que também é assentado da reforma agrária e militante histórico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é a política de desconcentração fundiária que está sem prestígio social. “A reforma agrária perdeu apoio popular. Essa bandeira era mais forte quando vivíamos na crise mais aguda, com muito desemprego, momento em que os movimentos sociais, o próprio PT e a CUT [Cenral Única dos Trabalhadores] eram mais fortes na sociedade”, reconhece.
Outro aspecto na visão do deputado, que coordena o Núcleo Agrário do PT no Congresso, está diretamente relacionado ao modelo de desenvolvimento econômico aplicado pelo governo. “A impressão que temos é que a Dilma não acredita que a reforma agrária desenvolva o meio rural. É um equívoco. Mesmo que não traga para o governo o superávit para na balança comercial, a reforma agrária traz o que é mais importante: produção de alimentos, soberania alimentar para a população brasileira, autonomia da produção e fortalecimento do mercado interno. Acho que o maior desafio dos movimentos sociais interessados na reforma agrária é buscar uma atualização da sua importância e acumular força política para o próximo ano”, analisa.
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