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Nesta segunda-feira, às 13 horas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) realiza um julgamento inusitado.
Os 25 membros do Órgão Especial do TJRJ avaliam representação judicial contra o juiz João Batista Damasceno.
“Crime”: ter pendurado em seu gabinete no dia 25 de agosto de 2013 o quadro Por uma cultura de paz, de Carlos Latuff.
“Trata-se de uma representação por suposto descumprimento de dever funcional”, explica o juiz João Batista Damasceno. “O corregedor diz que a obra de arte tem uma crítica à polícia e que pendurar tal quadro num gabinete é crítica a outra instituição e que tal comportamento é indevido a um juiz.”
O corregedor geral de Justiça é o desembargador Valmir de Oliveira Silva.
O corregedor age de ofício, ou seja, por imperativo legal em função do seu cargo.
No caso, a origem da representação foi um ofício do deputado estadual Flávio Bolsonaro, do PP. Houve, ainda, reação da “bancada da bala” e de algumas associações de policiais.
“A presidenta do tribunal é filha de policial e isso também pesou na decisão”, acrescenta o juiz Damasceno. “Há certa pessoalidade na questão, além do componente ideológico.”
Cronologia da punição:
2 de setembro – A presidenta do TJRJ, Leila Mariano, leu em sessão do tribunal o ofício recebido do deputado estadual Flávio Bolsonaro. Ela fez constar da ata que o tribunal mandara tirar o quadro.
3 de setembro – O juiz Damasceno recebeu comunicação para retirar o quadro. Mas como soube antes que o tribunal determinaria a retirada, ele antecipou. Ao tomar conhecimento do caso, o desembargador Siro Darlan de Oliveira, da sétima Câmara do TJ-RJ, decidiu dar “asilo artístico” ao quadro.
“Ofereci ‘asilo artístico’ ao quadro perseguido em solidariedade a um magistrado perseguido por ter a coragem de defender seu ponto de vista em defesa da moralidade e da causa pública”, justifica o desembargador. “Além disso, é um direito constitucional, o da livre manifestação do pensamento, que não lhe pode ser negado.”
9 de setembro – O tribunal mandou retirar o quadro que estava na parede do gabinete de Siro Darlan.
12 de setembro – O desembargador Siro Darlan foi notificado pelo corregedor geral da Justiça de que o Órgão Especial do TJRJ abrira uma sindicância para apurar a sua conduta, considerada “afrontosa à decisão colegiada”.
“Já houve um arremedo de representação, que, como não tive mais notícia, estou entendendo como uma desistência”, diz Siro Darlan.
O quadro de Latuff, juntamente com outras obras de arte doadas por outros artistas, foi levado a leilão. Com dinheiro arrecado, foi adquirida uma casa para a família do pedreiro Amarildo, desaparecido após sequestro, tortura e morte nas mãos da polícia.
O quadro foi arrematado pelo desembargadora Kenarik Boujikian, presidenta da Associação Juízes para Democracia (AJD), que o pendurou em seu gabinete no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
João Batista Damasceno,Siro Darlan e Kenarik Boujikian ousaram pendurar o quadro no gabinete; os três são da Associação Juízes para a Democracia (AJD)
“O julgamento do juiz Damasceno é importante e paradigmático, porque a ação em si é um desrespeito à independência dos magistrados de se colocarem e expressarem opiniões como qualquer cidadão”, salienta Siro Darlan. “Esse é um direito constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos. Não é um direito personalíssimo, mas um direito fundamental da sociedade.”
“Todos que foram cobrados dessa forma ao longo da história da civilização tiveram como algozes as forças reacionárias e conservadoras”, prossegue Darlan. “Esse julgamento também descortina uma prática nada republicana que vige nos tribunais de excluir os que incomodam e contestam essas práticas excludentes. O tribunal serve a uma minoria que o comanda de acordo com suas conveniências e interesses. Já vi magistrados sendo perseguidos por ousarem ler fora dessa cartilha conservadora e conivente.”