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A estudante de direito Mayara Petruso clamou, por meio de uma rede social na internet, por um assassinato em massa. “Nordestino não é gente, faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado!”. A moça proferiu isso por conta da vitória de Dilma Rousseff (PT) nas eleições presidenciais, atribuindo sua vitória ao voto dos nordestinos.
A atitude dela, entretanto, apenas traça uma caricatura histórica de alguns setores da sociedade brasileira, especialmente o sulista. É de muito que a infelicidade do preconceito encontra eco nas classes médias e elites do país.
Um exemplo disso. Diogo Mainardi, no artigo “Com Dilma, o PT chega em quinto”, escrito para a revista Veja, esbaldou-se da visão racista do jornalista carioca Euclides da Cunha (autor de Os Sertões, morto em 1909) para criticar o povo brasileiro e nordestino.
Diz o texto de Mainardi: “analisando a campanha de Canudos, Euclides da Cunha delineou perfeitamente o caráter nacional”. O articulista de extrema-direita, ao criticar a vitória de Dilma Rousseff e a continuidade do governo petista, capitaneado com relativo sucesso por um pernambucano, afirma que Euclides da Cunha compreende a mente e o comportamento dos brasileiros quando assemelha os seguidores de Antônio Conselheiro a “retardatários”, dotados de uma “moralidade rudimentar” e com uma série de “atributos que impediam a vida num meio mais adiantado e complexo”.
Construção
Como testemunha viva da história recente brasileira, o sociólogo pernambucano e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Chico de Oliveira, que trabalhou na Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) ao lado do economista Celso Furtado, cita um exemplo e elucida ainda mais o papel de figuras da elite brasileira e paulista na construção do preconceito em relação aos nordestinos.
Eu ouvi de Júlio de Mesquita Filho, na minha cara e na cara de Celso Furtado, há quarenta anos, num seminário promovido aqui em São Paulo, dizer que os esforços para desenvolver e industrializar o Nordeste eram em vão, porque o nordestino não tinha mentalidade para a indústria”, conta. Tratava-se, segundo Chico, de uma afirmação, antes de tudo, racial. “Era um líder do jornal Estado de S. Paulo, e o pior é que o Estadão fez a cabeça de metade dos paulistas”, diz.
De fato, anos após a infeliz manifestação de Júlio de Mesquita Filho, ou das ponderações de Euclides da Cunha em Os Sertões, o preconceito contra o nordestino arraigou-se não apenas na elite, segundo comprova a recepcionista baiana Juciara Nascimento da Silva, de 25 anos, que vive no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, há seis anos.
Logo que chegou a São Paulo (SP), Juciara cursou o primeiro ano do ensino médio no Colégio Davi Aguiar Dias, no bairro onde mora. Ela revela que o fato de ser baiana e negra foi primordial para ser um dos alvos principais de gozação da turma. “Me chamavam de ‘nega preta’ e ‘nega encardida’; eu queria voltar para minha casa, na Bahia, e não ir mais para a escola”, conta.
Como o preconceito é, sobretudo, ideológico, segundo nos afirma a ex-prefeita de São Paulo e atual deputada federal reeleita pelo PSB (SP), Luiza Erundina, nem sempre ele aparece de forma explícita. “As próprias piadas e certas reações jocosas, aparentemente inofensivas, são expressão desse preconceito arraigado e incorporado em nosso comportamento”, salienta Erundina. Segundo ela, que é paraibana, ninguém está isento disso: “até mesmo nós, eventualmente vítimas desse tipo de comportamento, nos pegamos tendo reações que o reafirma”, pontua.
Desconstrução
Luiza Erundina pondera que os últimos atos de agressividade empenhados contra nordestinos – surgidos, sobretudo, no estado de São Paulo –, como o da estudante de direito, ocorrem em momentos mais “agudos” da história, de mudança. Ela lembra que o Brasil foi governado por oito anos por Lula, e, agora, terá como presidente uma mulher. Para a deputada, acontecimentos que fogem dos padrões provocam manifestações ideológicas, de intolerância contra o diferente – “do ponto de vista de raça, de gênero, de origem, de classe social” – que “ousa ocupar espaços historicamente ocupados por determinados segmentos da sociedade”.
Veio, então, uma sacada, com o fim de reforçar a desconstrução do preconceito contra o nordestino. Segundo conta Erundina, ela nunca se sentiu diminuída ou humilhada por sofrer preconceito. Ao contrário. “Fiz dessas questões das quais eu era vítima um pretexto para reforçar minha participação na luta contra o preconceito e a discriminação”, salienta.
Para ela, “se ficarmos recolhidos, vitimizados ou diminuídos, estaremos contribuindo para a reprodução dessa cultura que precisa ser mudada. E cultura não se muda nem por lei, nem por vontade de um e de outro, mas é uma mudança de mentalidade de uma maioria de determinada sociedade”, explica a paraibana.
A baiana Juciara engrossa o coro com a ex-prefeita e atesta que, quando retornar à sala de aula para completar o segundo e o terceiro anos do ensino médio, nenhum tipo de ato preconceituoso vai incomodá-la.
O conselho da paraibana à baiana e a todos os brasileiros afeitos à tolerância é: “temos que ter paciência histórica, como dizia Paulo Freire, e não nos sentir diminuídos; temos que travar essa luta”.