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O cidadão tem apenas 1 euro para pagar pelas frutas que Aggeliki acaba de lhe entregar em um saco plástico. Diz a feirante: “O senhor me paga os 4 euros quando tiver dinheiro”. As condições financeiras de Aggeliki, diga-se, não são muito melhores do que as do cidadão nascido em Bangladesh, um faxineiro de 44 anos. Aos 55 anos e a trabalhar no mercado de Ferameikos, no centro de Atenas, a feirante oriunda de Corinto, cidade na periferia do Peloponeso, chegou no trabalho às 5 da manhã e até agora, meio-dia, faturou menos de 20 euros. Dois anos atrás, ganhava cerca de 80% a mais do que hoje. Aggeliki vive com o marido desempregado e três filhos, de 22 a 28 anos, todos com diplomas universitários, e, como o pai, em busca de trabalho.
“Eles aceitam qualquer emprego, nem precisa ser da área deles, porque não temos aquecimento em casa e falta comida”, diz Aggeliki. Ela sofre de dores de cabeça terríveis, mas quando foi ao hospital diagnosticaram um problema psicossomático. Uma senhora, de passagem, oferece uma nota de 5 euros para o faxineiro de Bangladesh. Ele hesita, mas a senhora insiste. Ele troca a nota por 5 moedas de 1 euro e paga a dívida com Aggeliki. No entanto, nem todos os gregos são solidários.
A brutalidade da polícia encontra paralelo naquela mafiosa dos homens da Aurora Dourada. Foto: Sakis Mitrolidis/AFP
Na verdade, em certos bairros de Atenas sente-se o cheiro do medo da legenda nazista Aurora Dourada (Chryssi Avgui), a terceira mais votada nas legislativas de junho. Um de seus políticos, o parlamentar Ilias Kasidiaris, agrediu fisicamente duas políticas em um programa de tevê. Kasidiaris, como vários colegas da Aurora Dourada, tem enormes bíceps e, vaidoso, usa-os não somente para bater em mulheres. Quando pode, como o fez após uma maratona, tuíta sua imagem de torso nu e pelos diligentemente raspados.
CartaCapital flagrou outros integrantes da organização, todos vestidos de preto, cabeça raspada, braçadeiras com o símbolo do partido. Gostam de bandeiras gregas e se saúdam como fascistas. Espancam estrangeiros, judeus, homossexuais.
Entrevistava um cidadão em Agios Panteleimonas, onde se encontra a sede principal do partido, dois homenzarrões chegaram com ares de tempestade e pediram o caderno de anotações deste repórter. Aceitaram o compromisso de verem rasgadas as folhas da conversa. Em outros lugares, os vi exigir documentos a estrangeiros de pele escura.
“O Chryssi Avgui usa o estrangeiro como bode expiatório”, diz Thomas Maloutas, diretor do Centro Nacional para a Pesquisa Social. Segundo Maloutas, professor de urbanismo social na Universidade Harokopio, paira no ar o mito de que os homens do Chryssi Avgui são benfeitores. De fato, uma foto presta-se à criação do mito: publicada por um jornal mostra um truculento homem, bíceps a todo volume, postado atrás de uma senhora que retira dinheiro do banco.
Segundo Maloutas, nos anos 60 e 70, grande número de apartamentos foi construído no centro e nas redondezas de Atenas. Agora há demanda. Dezenas de imigrantes correm o risco de sublocar pequenos espaços. “Os estrangeiros são vistos como os culpados pela crise, mas muitos locatários sublocam apartamentos para eles”, diz Maloutas.
Ao contrário de outras capitais, não existem guetos de estrangeiros em Atenas. É por isso que vários deles habitam bairros controlados pelos nazistas como o Agios Panteleimonas. Ali, um parque onde brincavam as crianças, filhos de imigrantes, foi fechado. Os energúmenos de extrema-direita esmeram-se em duas atividades: espancam estrangeiros e cobram pela “proteção” que dizem garantir.
Integrantes da Aurora Dourada se saúdam como fascistas e espacam estrangeiros, judeus e homossexuais. Foto: Andreas Solaro/AFP
Segundo o jornalista Dimitris Psarras, o grupo teria raízes no mesmo extremismo dos coronéis que impuseram uma ditadura no país de 1967 a 1974. Em 1980, surge a revista nacional-socialista intitulada Aurora Douradae, desde então, o líder da organização nazista responde pelo nome Nikolaos Michaloliakos. A personagem predileta da revista é Hitler.
No seu livro sobre os brutamontes, Psarras demonstra como um considerável número de policiais votou na Aurora Dourada nas últimas legislativas de junho. Não surpreende, portanto, o medo que muitos cidadãos têm da polícia. “Em todas as manifestações que participo vejo a brutalidade da polícia, a bater com seus cassetetes e lançar gás lacrimogêneo sobre nós”, diz Sofia Mandilara. Tuiteira com 4,6 mil seguidores, entre eles o diário britânico The Guardian, BBC, CNN e a tevê francesa TV5, Mandilara, de 25 anos, tem bagagem para fazer o que mais gosta: “Reportar para meus seguidores como vivemos em um país enlouquecido”. Formada em Relações Internacionais, com mestrado em Ciências Políticas do Institut d’Études Politiques de Paris e outro em Finanças e Economia, Mandilara tuíta em inglês e grego. “E como estou desempregada como tanta gente, tenho tempo para tuitar”, emenda. Além do inglês, Mandilara fala fluentemente francês e árabe.
O desemprego, de 25,4%, é o dobro da média da União Europeia (UE) e, como Mandilara, quase 60% dos jovens com menos de 25 anos estão sem trabalho. Em seu sexto ano consecutivo de recessão, a Grécia atravessa sua pior crise desde a Segunda Guerra Mundial. Neste ano, o Produto Interno Bruto deve encolher mais de 7% e no próximo, mais de 4%, prevê Gavriil Sakellaridis, coordenador do Comitê de Política Econômica da legenda de esquerda Syriza.
Os gregos já receberam dois pacotes de resgate da chamada Troika, formada pela Comissão Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central Europeu (BCE). A seguir um programa neoliberal, a Troika impõe condições de austeridade em troca de pacotes de resgate.
As duas primeiras parcelas totalizam 240 bilhões de euros. No entanto, na quarta-feira 21, o terceiro pacote, de 31,5 bilhões de euros, não foi entregue em grande parte devido a divergências entre o Eurogrupo e o FMI. Em miúdos, o entrevero gira em torno do período em que a dívida pública deveria ser diminuída para 124% do PIB para se tornar sustentável. No fim do próximo ano, a dívida chegará a mais de 189% do PIB, ou 346 bilhões de euros. O FMI insiste para que resultados em condições de satisfazer o plano de resgate não excedam o ano de 2020, enquanto o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, é favorável a uma extensão até 2022.
Segundo Juncker, visto que no dia 13 de novembro os ministros das Finanças da Zona do Euro postergaram em dois anos, para 2016, o prazo para a redução grega de seu déficit público a 3%, como foi estabelecido para todos os integrantes da UE, Atenas deveria obter mais dois anos para reduzir sua dívida.
O mais grave, diz Maloutas, o urbanista social, “é que implementamos todos os programas exigidos pela Troika. Para obter 4,6 bilhões de euros em 2013, pensões foram reduzidas em 5% para aqueles que ganham modestos mil euros por mês. O salário mínimo foi cortado de 700 para 480 euros, lembra Sakellaridis, do Shyriza. Mais: salários do setor público foram cortados em 35%.
Protagonista. Aggeliki trabalha para sustentar o marido e três filhos, todos desempregados. Foto: Gianni Carta
Mesmo assim, a Grécia continua sem ver luz no fim do túnel. O historiador político Thanos Veremis, um dos fundadores da Fundação Helênica para Política Europeia e Estrangeira (Eliamep), concorda. “Cada minuto do conflito entre o FMI e a UE custa caro para os gregos”, diz.
Tem gente farta da União Europeia e quer a volta da dracma. No entanto, o retorno à unidade monetária grega significaria a saída da Grécia da UE, argumenta Veremis, e haveria uma desvalorização inicial da moeda em 50%. Stan Draenos, autor greco-canadense de uma recém-publicada biografia de Andreas Papandreou, prevê: “A bancarrota e a volta da dracma beneficiaria somente os gregos com contas na Suíça e com sede para investir em ativos de uma moeda desvalorizada”.
Que política econômica quer a Europa? Para Veremis, os países do Sul da Europa acreditam que o Estado é a maior atração. “Aqui acreditamos em um mercado livre sobre o qual o Estado tem algum controle.”
Segundo Maloutas, “caminhamos dentro de um neoliberalismo mesclado com o conservadorismo alemão”. E nada será resolvido, na crise grega, até as eleições alemãs, quando Angela Merkel pretende se reeleger premier do seu país.
A falta da nova parcela de resgate econômico foi dura para o premier grego, Antonis Samaras. Sua frágil coalizão, com os partidos de esquerda Pasok e Esquerda Democrática, torna-se ainda mais frágil. No atual contexto, o Syriza seria o primeiro colocado nas próximas eleições. Maria Kottari, expert em economia e Relações Internacionais, acredita na vitória da agremiação. A Grécia, diz, ganharia com um partido favorável a um melhor tratamento para os imigrantes.
Que aliança, indaga Draenos, faria o Syriza para formar um governo? Os Gregos Independentes, legenda populista de direita cogitada pelo Syriza, seria uma terrível escolha, argumenta. No entanto, Sakellaridis, do Syriza, garante: “Seria um compromisso econômico para não pagar os interesses da dívida e o resto pagaríamos baseados no crescimento grego”. Mais: o Syriza traria de volta os salários anteriores dos aposentados e o salário mínimo. “As classes mais baixas são as mais afetadas pela crise e a premissa do nosso partido é ajudá-las”, diz Sakellaridis.
Sem consenso
Por Antonio Luiz M. C. Costa
Na quarta-feira 21, o primeiro-ministro grego Antonis Samaras queixou-se amargamente e com razão. Nos dias 7 e 10 fizera sua parte no acordo com a Troika: extorquiu do Parlamento a aprovação dos cortes de gasto draconianos e do Orçamento para 2013, ao custo da perda de apoio popular e de vários deputados da própria bancada governista. Mas a União Europeia não cumpriu com a sua. A reunião do Eurogrupo dos ministros da Fazenda europeus do dia 12 adiou o problema e a do dia 20, após longa preparação e 12 horas de discussão, terminou às 5 da madrugada sem nada decidir. Outra reunião foi marcada para o dia 26.
Desesperança. As inúteis conversas entre Merkel e Samaras. Foto: Thanassis Stavrakis/AFP
O luxemburguês Jean-Claude Juncker, presidente do Eurogrupo, declarou: “Não saio desiludido, porque já não me iludo com a Europa”. Rejeitava a moratória da dívida grega em posse de governos e do BCE, o que significaria adiar de 2014 para 2016 o prazo para atingir a meta de redução do déficit para 3%, em outras palavras, emprestar recursos adicionais para que seu governo continue a rolar a dívida – mais 15 bilhões de euros em 2014 e outros 17 bilhões até 2016, ao menos. Na realidade, seus partidários no Eurogrupo defendiam oferecer uma solução até 2014 sem comprometer mais fundos e deixar o resto para depois. Um terceiro pacote de resgate seria discutido depois das eleições alemãs de setembro ou outubro de 2013.
O FMI de Christine Lagarde, cujo ponto de vista é também o da França, considera esse caminho insustentável e quer reestruturar a dívida e reduzir o endividamento para 120% até 2020. Sem isso, a Grécia não sairá do aperto em futuro previsível, pois os cortes de gastos deprimem ainda mais a arrecadação. No rumo atual, o endividamento será 192% do PIB em 2014 e estaria em 144% em 2020, 133% em 2022 e 111% em 2030.
Na véspera da reunião, o rebaixamento da nota da dívida de Paris pela agência Moody’s, de AAA para AA1 (a Standard & Poor’s fizera o mesmo dez meses antes), enfraqueceu sua posição. “Foi só um pequeno aviso”, disse o ministro da Fazenda alemão, Wolfgang Schäuble, que pressiona por medidas mais duras para reduzir os gastos públicos da própria França. François Hollande já cedeu parcialmente ao FMI e ao mercado ao aumentar os impostos de consumo e reduzir as contribuições sociais das empresas sobre as folhas de pagamento.
Enquanto isso, os gregos que ainda tinham paciência começam a perdê-la. Um pouco antes das eleições de 17 de junho, 80,9% deles se diziam dispostos a permanecer no euro a qualquer custo. Em pesquisa de 15-16 de novembro, 62,7% ainda eram da mesma opinião e 78% achavam que a austeridade não vai estabilizar a economia. E apesar de 71,2% não acreditarem que uma nova eleição resolveria os problemas do país, a mesma pesquisa indicou que esta seria mais polarizada e antiausteridade. A esquerda radical, Syriza, venceria ao passar de 26,9% a 27,6% dos votos válidos e a Nova Democracia, hoje líder do governo, cairia de 29,7% a 24,9%. E os neonazistas saltariam de 6,9% para 12,8%.