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Motorizados ou caminhando, grandes grupos de havaneros se reuniam nas centenas de locais previamente designados para o encontro de trabalhadores de um mesmo setor profissional, moradores de bairros vizinhos ou estudantes de instituições afins. Gritavam palavras de ordem, exibiam cartazes, cantarolavam conhecidas músicas cubanas. Logo mais lotariam a praça que serve de sede ao governo e ao Partido Comunista Cubano.
Às 7h30 (8h30 no horário de Brasília), com pontualidade pouco caribenha, o locutor anunciou o início da marcha. O ato era presidido por José Ramón Machado Ventura, 80 anos, vice-presidente do país e segundo-secretário do PCC. O presidente, Raúl Castro, dirigiu a manifestação em Santiago, do lado oriental da ilha. Mas apenas o secretário-geral da Central de Trabalhadores Cubanos, Salvador Mesa, usou a palavra. Por apenas dez minutos. Às 7h45 os manifestantes começaram a marchar diante da tribuna encravada no monumento a José Marti, o prócer da independência cubana.
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Quando o desfile se encerrou, às 9h locais, os organizadores calcularam os presentes entre 400 e 450 mil, aproximadamente seis mil a cada minuto de marcha. O assessor de imprensa do Partido Comunista em Havana, Antonio Terrero, rechaça a tese de que o trabalhador cubano é obrigado a participar de tais atividades. “Convoca-se boca-a-boca, pela imprensa, pela estrutura dos sindicatos e do partido. Não obrigamos ninguém, nem há represálias ou discriminação se a pessoa não vem”, garante. “Precisa ter mobilização e iniciativa. Essa é a politica.”
Apesar do sol forte, foi grande a participação de idosos. Como o militar aposentado Rafael Chín, de 67 anos. Orgulhoso, exibia pregadas na camisa suas medalhas por ter lutado na guerra da Angola e afirmava que estava ali para “comemorar o seu dia e o de todos os trabalhadores, para homenagear os companheiros aposentados”. Com menos de uma hora de desfile, Chin já estava quase sem voz de tanto gritar “Cuba livre”. Disputava espaço na multidão para afirmar aos jornalistas estrangeiros que “com o congresso [sexto congresso do Partido Comunista], tudo estará muito melhor em Cuba”.
Daniella Cambaúva/Opera Mundi
O militar apostenado Rafael Chín, 67, que combateu em Angola.
Havia também crianças acompanhando professores ou seus pais, como a filha da dirigente sindical Greta Lopez Díaz, de 12 anos. As duas saíram de casa às 4h da manhã para ir ao ponto de concentração. Quando questionada sobre o motivo de tanto empenho, a mãe reforçou, com ânimo, que não veio obrigada. “Vim pela revolução, por Raúl, por Fidel”. Com rosto de enfado, a garota demonstrou que seu envolvimento não era tão grande quanto o de Greta. “Vim acompanhá-la”, afirmou, de mau humor.
Balançando uma bandeira de seu país cuja haste chegava a dois metros de altura, o historiador uruguaio Dante Cuda fez sua primeira viagem a Cuba e se mostrou aliviado pelo discurso de abertura ter sido bem mais curto do que nos tempo de Fidel. “Imagine passar oito horas debaixo deste sol, uma loucura”, afirmou. Cuda acompanhava a delegação do Uruguai, um dos 163 grupos internacionais que participaram do ato. “Tinha o sonho de vir a Cuba e coincidiu com o primeiro de maio. Além disso, é um privilégio estar aqui com Fidel vivo.”
Daniella Cambaúva/Opera Mundi
O historiador uruguaio Dante Cuda considera um privilégio visitar Cuba com Fidel ainda vivo.
Também brasileiros participaram do desfile. Os estudantes Ricardo Coelho, de Rondônia, e Jaderson Batista, do Acre, alunos de medicina em Havana, compareceram pela terceira vez a um ato comemorativo do primeiro de maio. “Estamos aqui por agradecimento. Temos alojamento, alimentação e educação gratuita”, disse Batista.
Foi a segunda grande mobilização popular em quinze dias. No dia 16 de abril, em comemoração aos 50 anos da vitória na Baía dos Porcos, às vésperas da abertura do congresso partidário, centenas de milhares marcharam em apoio às reformas que seriam discutidas e aprovadas pela máxima instância do PCC. “A revolução tem a maioria do povo, mas não há unanimidade”, declarou Terrero. “Travamos um combate diuturno por corações e mentes”.
Daniella Cambaúva/Opera Mundi
Os estudantes Ricardo Coelho e Jaderson Batista compareceram ao evento como agradecimento à hospitalidade cubana.
De fato, enquanto a multidão pró-governo se manifestava em Havana e em outras grandes cidades, oDiário de Cuba, editado em Miami pela oposição, informava que o dissidente Angel Moya teria sido detido por algumas horas e até espancado por policiais. Outros opositores, como o cantor de hip-hop Rodolfo Ramírez e a ativista Odalis Sanabria, também teriam sido detidos, segundo o jornal abrigado pelos Estados Unidos. De acordo com seus familiares, essas medidas teriam como objetivo impedir protestos durante o primeiro de maio.
O governo cubano nega as ocorrências. Com ironia, Antonio Terrero rebate a informação. “São tão poucos que, apesar de poderem livremente expressar seus pontos de vista, precisam inventar repressão para justificar incapacidade de obter apoio às suas idéias”, afirmou à reportagem. “Nosso problema é conseguir avançar na economia, nas reformas decididas pelo partido. Esses grupos são inexpressivos e mercenários, aproveitam-se da política para ganhar uns trocos da Embaixada dos Estados Unidos. Depois das revelações da Wikileaks, essa gente não tem moral para nada”.