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Previsto para ser votado em 9 de maio em comissão especial da Câmara, o substitutivo ao Projeto de Lei 6826, de 2010, pode se transformar no primeiro dispositivo legal brasileiro para punir empresas envolvidas em atos de corrupção.
O texto apresentado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) prevê que as corporações flagradas em irregularidades percam o direito de assinar contratos com o setor público por um prazo entre um e cinco anos e terão de pagar multa que vai de 0,1% a 20% do faturamento bruto, com mínimo de R$ 6 mil e máximo de R$ 60 milhões. “Não existe corrupção sem os dois lados, o corrupto e o corruptor. Hoje os corruptos estão sempre livres desses processos”, lamenta o gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos, Caio Magri, especializado na questão da transparência de relações entre os setores público e privado. Ele afirma que este pode ser um passo importante na tentativa de conscientizar a sociedade sobre a necessidade de criar uma cultura anti-impunidade.
As resistências à criação de uma lei específica, porém, parecem encontrar resistências na Câmara, como admite o relator do texto. Colocado em votação na última semana, o substitutivo voltará à pauta apenas no próximo mês por conta de pedido de vista do deputado Alberto Filho (PMDB-MA). Mas, de acordo com Zarattini, o Brasil é um dos três entre 34 nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) que não dispõe de legislação para punição de pessoas jurídicas infratoras.
Mesmo que não conclua o ato de corrupção, a empresa que tente subornar agente público para obter vantagens já estará sujeita a punição. Tentar prejudicar um concorrente em uma licitação também pode se transformar em motivo para sanção que, levada ao Judiciário, tem como punição máxima a extinção da pessoa jurídica.
No texto apresentado na última semana, Zarattini acrescentou um dispositivo para que a empresa que confessar a culpa e se colocar à disposição para colaborar nas apurações tenha a chance de firmar um acordo atenuando as sanções. Para Magri, uma necessidade em um primeiro momento. “Espero que depois de um tempo essa cultura anticorrupção se construa com a sociedade e com o governo e que isso possa modificar o instrumento.”
Confira a seguir a entrevista com o gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos.
Qual a importância deste projeto no combate à corrupção?
Hoje há um conjunto de legislação importante. Nós temos sempre pautado a formação de um sistema nacional de integridade. Esses instrumentos, se a gente for considerar um passado bem recente, o Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação e a realização da Consocial são três pilares fundamentais no sistema nacional contra a impunidade. Para acabar com a impunidade, o Brasil tem primeiro de cumprir com seus compromissos internacionais. Porque faz parte dos compromissos dele assumir a criação de um marco regulatório que é exemplar para pessoa jurídica, seja ela empresa ou alguma organização da sociedade. Qualquer instituição é uma ferramenta de pressão, de prevenção e de punição de empresas. Não existe corrupção sem os dois lados, o corrupto e o corruptor. Hoje os corruptos estão sempre livres desses processo.
Essa falta de punição das empresas também cria uma distorção na percepção que a sociedade tem sobre a corrupção?
Exatamente, a corrupção é um processo de uma via só, em que o Estado é responsável, enquanto cada vez mais fica claro por meio de denuncias que a ação pró-ativa para o suborno vem da base do setor privado. E aí a percepção da sociedade é de que são os setores públicos e o Estado que abrigam o programa, e não uma relação de setor público-privado.
Agora o substitutivo apresentado pelo Zarattini prevê uma multa entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões. Esse valor pesar no bolso da empresa é relevante?
Absolutamente relevante. Houve uma consulta pública muito importante no decorrer deste processo e aumentou a multa do projeto inicial original, sinalizando claramente que é inadmissível a impunidade desse processo. Inclusive inviabilizando empresas que têm como pauta a ação do suborno, porque isso cria uma discussão tão grande no mercado. Um fator de corrupção entre as empresas precisa ser punido de forma exemplar, muitas vezes com a própria interrupção do funcionamento daquela empresa.
A estrutura existente hoje dá conta da aplicação da lei?
Não, a lei precisa ter um período de vacância para que a gente tenha de fato um processo escalonado, para que haja a consolidação e mesmo ampliação, em alguns casos, desses mecanismos. Se hoje existe no Brasil uma entidade como a Controladoria Geral da União, do governo federal, nós precisamos em todas as organizações públicas, municipais e estaduais, um órgão com a mesma capacidade. Nós teremos um processo de apuração de modelos de corrupção não sendo adequadamente investigados e isso é gravíssimo. Digamos que ele não exista nesse momento.
Como você vê a possibilidade de que a empresa que colabora para a apuração tenha a punição reduzida?
Eu acho que nós temos de criar uma legislação que tem de ser aperfeiçoada ao longo do tempo e que possa criar uma nova cultura de tolerância zero com a corrupção, com o suborno, e que dentre as ferramentas possíveis e democráticas para colocar em funcionamento, elas sejam bem-vindas. Espero que depois de um tempo essa cultura anticorrupção se construa com a sociedade e com o governo e que isso possa modificar o instrumento. Mas isso é importante para você induzir, você incentivar para que haja denúncias consistentes e com evidências para o combate a corrupção.