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A mineradora brasileira Vale foi eleita, dia 26 de janeiro, a pior corporação do mundo no Public Eye Awards, conhecido como o “Nobel” da vergonha corporativa mundial. Criado em 2000, o Public Eye é concedido anualmente à empresa vencedora – escolhida por voto popular em função de problemas ambientais, sociais e trabalhistas. A empresa foi denunciada por provocar, da Serra de Carajás, no sul paraense, ao porto de Itaqui, em São Luís, no Maranhão, devastação ambiental, trabalho escravo na cadeia de produção do aço, exploração sexual infantil, além da invasão de terras indígenas, quilombolas e camponesas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Darci Lermen, prefeito de Parauapebas (PA) pelo PT e recorrente questionador da atuação da mineradora na região, fala sobre seus enfrentamentos com a empresa. Lermen, que cumpre o último ano de seu segundo mandato, questiona o que caracteriza como “monólogo de dois lados” e denuncia um débito de até R$ 800 milhões por parte da empresa para com o município. Segundo ele, os “ovos de ouro” dessa galinha não estão nas mãos da população atingida pela atividade de mineração.
Brasil de Fato – Você encerra este ano o seu segundo mandato como prefeito de Parauapebas. Que balanço você faz da atuação da Vale na região?
Darci Lermen – Foto: Reprodução
Darci Lermen – Nossa cidade surgiu muito em função do Projeto Carajás. Inicialmente criou-se um grande apartheid nessa relação Carajás-Parauapebas. Havia uma separação muito grande entre os dois núcleos, em que um era o núcleo dos ricos e o outro, dos pobres, das prostitutas, dos garimpeiros. Depois é que viemos nos transformar na cidade de Parauapebas. Fato é que sempre houve um distanciamento muito grande da Vale com relação às comunidades no Pará. É uma empresa admirada por muita gente, mas também tem o lado a ser denunciado, o de que ela tem praticado atos que não podem ocorrer, como implantar certas atividades na região sem ao menos comunicar as comunidades, mesmo a legislação não permitindo isso.
E qual tem sido o papel dos órgãos estaduais e federais, que têm atribuições de fiscalizar as ações da empresa, sobretudo as que causam danos aos trabalhadores, às comunidades e ao meio ambiente?
Diversos órgãos federais têm multado a Vale, além da própria Justiça do Trabalho. Ela foi condenada a não sei quantos milhões nessa área trabalhista. Na questão do meio ambiente, ela tem sido multada de forma recorrente. O problema todo é que eles têm bons advogados, grandes escritórios que trabalham para ela, e estão confiantes de que nada vai acontecer. Nós, a prefeitura, já os acionamos de tudo quanto é forma, a ponto de já termos pedido há um tempo a “caducidade” [perda de um direito do titular sobre algo devido a uma renúncia, inércia, fatos ou decisão judicial], uma vez que a Vale não estava nem respondendo aquilo que o Ministério das Minas e Energia, através do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) solicitava pra ela.
Caducidade em relação a que?
Em relação ao Projeto Carajás. Que ela perderia a concessão do Projeto Carajás, inclusive isso foi assinado pelo DNPM, em Belém (PA). Mas em Brasília isso foi revertido no final, não sei por que meios.
Quando foi isso?
Foi no ano passado. O processo de caducidade cabe nesse caso. De repente pode até não ser o que todo mundo quer. Ninguém quer tirar o Projeto Carajás da Vale, mas queremos que eles se aproximem mais do nosso povo, que respeitem o meio ambiente, que facilitem uma maior inserção da sociedade no projeto efetivamente.
O ex-presidente da empresa, Roger Agnelli, fez uma denúncia séria contra você?
Foi uma carta escrita por ele a Dilma. Ele nos acusou que tinha passado R$ 700 milhões e que não tínhamos feito nada. Ele é um grande desinformado. Na área de educação, por exemplo, nossas salas de aula hoje estão todas climatizadas, professores e alunos, todos terão notebooks; quadros digitais na sala de aula a partir de maio; quadras cobertas, tudo isso a ponto de termos a melhor educação do Estado do Pará, o melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Pará. Temos obrigação de fazer isso pelo recurso que temos. Não é nada demais, nós aplicamos o recurso. Além disso, estamos terminando de construir o hospital, que fica pronto em maio, que será o maior e mais bem equipado do Estado. Na agricultura, se você observar os assentamentos, por exemplo, só com as associações dos assentados eu assinei convênios no valor de R$ 8 milhões, só contando a parte da mecanização. Fora saúde, educação, transporte. A desinformação dele [Roger Agnelli] é fruto e o sinal mais claro e evidente da distância que a Vale tem em relação a Parauapebas, do que é a empresa e do que é o povo.
Mas ele conseguiu te atingir politicamente?
Sim, ele conseguiu.
Essa questão tem relação com o plebiscito do Pará?
Ali a briga foi quase pessoal. Porque institucional não foi. Foi uma briga muito pessoal que acabou tendo contornos grandes e por conta disso teve uma investigação muito grande na prefeitura, no Tribunal de Contas. Mas graças a Deus nós temos uma contabilidade muito bem arrumada, tranquila. E hoje tudo é transparente, está na internet, então não tem porque desconfiar disso. Agora, se ele dissesse os milhões que está devendo ao município… Ele devia fazer isso, ao invés de acusar um ou outro prefeito. Por que não falam da dívida deles? Dos royalties? Isso sim é roubo. É o que eles fazem e não é só conosco, mas com todos os municípios onde estão inseridos. São bilhões e bilhões que a Vale se adunou. Dizem: é a maior empresa mineradora do mundo. Claro! Lucram em cima das populações atingidas! A prefeitura de Parauapebas junto ao DNPM fez um convênio para poder fiscalizar a Vale, e achamos vários “buracos”. O primeiro é que nós fizemos uma avaliação para comparar o preço que ela pratica no porto de Itaqui (Maranhão), que é o preço “FOB” (Free on Board). Significa o preço que ela paga pelo minério livre do frete lá no Porto de Itaqui. Cruzamos isso com o balanço patrimonial dela na Receita Federal com os boletos da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Federais, o royalty) e vimos que havia uma grande diferença. Só ali achamos uma diferença de R$ 400 a R$ 500 milhões. Por que o que ela faz? Ela tem duas empresas, uma nas Ilhas Cayman (Vale Over seas), e a outra, que é a Vale International, na Suíça. Por meio dessas empresas, ela vende a ela mesma para majorar os preços lá fora. Essa é uma prática que tem gente que diz que é correta, mas a nosso ver é uma tremenda sacanagem que fazem com o nosso estado.
Mas isso é legal?
Até pode ser, mas é de uma imoralidade muito grande, principalmente para um estado pobre como o nosso. Outra diferença grande que encontramos foi na composição da CFEM. Na fiscalização percebemos que eles [Vale] estavam contabilizando como frete toda a movimentação dentro da mina. Essa movimentação interna na mina é custo de produção e não de frete. Para compor os 2% do CFEM, pode-se se descontar de PIS, PASEP, COFINS e desconta também o frete. Mas essa movimentação interna não é frete, é custo de produção. Então, já há depositado em juízo R$ 800 milhões no que se relaciona a esses dois eixos (preços majorados a partir de suas empresas no exterior e contabilização do frete). Ainda existem problemas menores em relação ao manganês, ao ferro. A esses processos cabem recurso da Vale, mas estão sob júdice. Então, quando nos acusam, era só chegar no município e olhar. Poderia ter percebido que a cada 80 dias temos que construir uma escola nova, de 12 e 16 salas por conta da migração. Quando assumi o município havia pouco mais de 80 mil habitantes, hoje temos em torno de 200 mil.
E por conta dessa migração impulsionada pela mineradora, há recorrentes problemas com drogas, exploração sexual infantil. Como a prefeitura e outros órgãos públicos têm agido?
Nós estamos agindo com nossos recursos próprios. Há programas na área da saúde que são federais, na área da assistência social também. Mas temos programas com recursos próprios, como o trabalho com os alcoólatras que vivem na rua. Fizemos um programa grande chamado Êxodo. Recolhemos as pessoas na rua, concedemos alimentação, banho, e depois proporciona-se a elas o trabalho. E isso tem dado resultado numa certa medida.
E as constantes denúncias da exploração sexual de menores na Vila Sansão (que fica a 70 quilômetros de Parauapebas) por parte de trabalhadores da Vale?
É muito duro isso. Temos atuado fortemente por meio do Conselho Tutelar e junto com o Conselho Municipal de Assistência Social, Polícia Militar, Polícia Civil, no sentido de coibir isso ou de, na pior das hipóteses, dar uma boa orientação àquelas meninas. Algumas são de lá, mas grande parte vem de fora, trazidas de outros lugares, e, nesse caso, é mais prostituição que exploração sexual. São as duas coisas juntas, que é uma chaga terrível. São custos que não se vê saindo dos cofres.
Murilo Ferreira assumiu a presidência da mineradora no lugar de Roger Agnelli. O que significou essa troca? Existe mais diálogo com a prefeitura e as comunidades?
Tenho percebido que a empresa está dialogando, por exemplo, com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras organizações lá do município. Há um diálogo. Mas o principal é que esse diálogo não pode ser um monólogo de dois lados. E, para isso, é preciso ter sinceridade. E ainda hoje eu tenho dúvidas disso. Não sei se a Vale está fazendo isso de forma sincera. Não basta prosear. Precisamos resolver um monte de problemas, seja nos assentamentos, nas cidades, onde a mineração está. Esses problemas, para serem equacionados, é algo grandioso. Essa disposição da Vale parte muito em função de que os movimentos sociais são consequentes. Temos que ser irredutíveis na luta por conquistas. Existe um trem saindo todos os dias, de 12 a 15 vezes por dia, levando 300 vagões e cada vagão carregando quase 100 toneladas de minério, levando embora todo o dinheiro da região, e você continua na pobreza? É para qualquer um se perguntar.
Essa é a principal pauta das comunidades e movimentos da região? Que a riqueza seja revertida em benefícios à população?
Só tem sentido esses recursos ficarem no município se for para beneficiar as famílias, em diversos âmbitos, na saúde, educação. Não adiante ter recursos se não for pra isso.
Com o seu mandato chegando ao fim, qual a sua preocupação nessa relação da Vale com o município?
É fundamental que a sucessão siga nessa luta. Quero ressaltar que nós não queremos destruir a galinha dos ovos de ouro. Mas queremos participar mais dessa riqueza produzida em nossos municípios. Nosso povo tem o direito. Ainda dizem que vão construir uma siderúrgica em Marabá. Onde estão os investimentos? Até agora, o que se aumentou foram só os buracos.