Compartilhe
Mas o que provocou a maior controvérsia foi a exigência de que os trabalhadores encerrassem as atividades do Rue Frontenac, além de não poderem trabalhar para nenhum concorrente nos seis meses seguintes à assinatura do acordo. Exigências consideradas inaceitáveis pelos trabalhadores em lockout, que rejeitaram a proposta a 89,3% em uma assembléia geral no último 12 de outubro.
Sem negociações
Em entrevista ao Opera Mundi, o coordenador geral de Rue Frontenac Richard Bousquet lembrou que até 8 de setembro a empresa não havia apresentado nenhuma proposta formal desde de que foi iniciada a greve patronal – o que equivale a pelo menos 20 meses sem negociações concretas. Ainda segundo Bousquet, as soluções aventadas informalmente pela empresa vêm piorando gradativamente.
No início a empresa cogitava a demissão de 100 pessoas, nenhuma delas na redação do Journal. Alguns meses mais tarde, este número já havia crescido para 150 pessoas. Se a única proposta formalizada houvesse sido aceita pela assembléia do mês passado, o Journal de Montréal – conhecido simplesmente como “le Journal” – passaria a contar com 20% do quadro de funcionários original, tendo somente 17 jornalistas em sua redação, um número menor do que o apresentado por todos seus concorrentes. Uma redução no mínimo surpreendente, tendo em vista que o jornal é o de maior circulação em Quebec.
Por outro lado, o Journal alega que mesmo apresentando ótimos níveis de lucratividade, não quer esperar perder sua posição de líder de mercado para colocar em prática estas medidas, que visam adaptar a empresa a “uma evolução dramática da situação da imprensa escrita em todo o Ocidente”.
Um novo empregador
Bousquet revela que frente às demissões almejadas pelo Journal, o Rue Frontenac é visto como um plano de contingência por muitos de seus empregados. Hoje, dos 253 funcionários postos na rua pela empresa, por volta de 150 já envolvem-se na produção do jornal alternativo. Isso sem contar a distribuição do jornal, que contou com a participação de quase todas as pessoas em lockout.
O jornal é financiado por anunciantes e doações. Quanto ao pagamento dos funcionários em lockout, eles recebem 70% de seus salários originais graças aos recursos do fundo de greve provenientes de quatro fontes diferentes: CSN (Confederação dos Sindicatos Nacionais, uma espécie de CUT do Quebec), Federação Nacional de Comunicação, STIJM e doações.
Convergência
Não são apenas questões estritamente trabalhistas que estão em jogo. Já há alguns anos o grupo Quebecor, proprietário do Journal de Montréal, vem sendo acusado de se aproveitar da abrangência que tem em diferentes mercados midiáticos para fazer propaganda cruzada de seus produtos, ao ponto do consumidor não poder mais distinguir entre informação e promoção ou publicidade.
Entre as empresas do grupo se encontram a Vidéotron, maior operadora de televisão a cabo, acesso internet e telefonia do Quebec e a terceira maior no Canadá; Sun Media, maior editora de tablóides e jornais locais em todo o país; TVA, maior emissora de televisão privada de língua francesa na América do Norte e a maior editora de revistas no Quebec e Canoe.ca, um dos maiores portais de informação canadenses. A empresa também já manteve gráficas em cerca de 20 países, dentre eles o Brasil, mas hoje está reestruturando seus negócios de impressão pois vendeu a World Color à Quad/Graphics, uma empresa dos Estados Unidos.
No outono de 2008, pouco antes de decretar o lockout no Journal, a Quebecor criou uma agência de notícias própria, a QMI, que reúne conteúdo publicado nas diversas empresas do grupo. Para os jornalistas em lockout, esta agência representa uma verdadeira máquina de “lavagem de informação”, fazendo desaparecer a fonte de textos e notícias sob a rubrica “Agência QMI”, o que para eles certamente reduzirá o número de jornalistas em campo e, em consequência, a qualidade e a diversidade da informação oferecida.
Já a direção do Journal nega que a criação da agência esteja relacionada às demissões propostas e defende a criação de QMI pela redução de custos obtida e por permitir a seus redatores se dedicarem a reportagens mais detalhadas, a análises e a informações locais.
Canhão
Desde o dia 26 de outubro os trabalhadores em lockout do Journal ganharam mais uma arma: uma campanha de boicote ao periódico lançada pela CSN e que tem recebido o apoio de diversas organizações e personalidades quebequenses. Aliás, não por acaso o logotipo escolhido para o Rue Frontenac é um canhão.
Além de se inspirar no nome da rua onde estão tanto seus escritórios quanto os escritórios do patrão, o Rue Frontenac faz referência ao Conde de Frontenac, que em 1690 haveria dito ao enviado inglês que pedia a rendição da vila de Quebec que sua única resposta seria “pela boca de seus canhões”.
No dia 28 de outubro, após a rejeição de sua única proposta apresentada até o momento, a Quebecor anunciou que deseja fazer uma pausa nas negociações para poder identificar novas pistas de soluções. Parece que o Rue Frontenac vai precisar mesmo de mais munição.