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A poucos dias de ir a júri popular, por um crime que, garante, não cometeu, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, teme que sua liderança popular seja mais uma vez criminalizada. “Depois de me ver envolvido (num crime) sem sentido nenhum, porque eu não estava no local quando houve a desavença, eu não devo, mas temo”, indica. “Querem calar a voz de quem não tem cidadania garantida”, prossegue.
Gegê é uma das lideranças do Movimento de Moradia no Centro (MMC) e da Central de Movimentos Populares. Nesta segunda-feira (4), ele vai a júri popular, sob a acusação de, em 2002, dar carona ao assassino de um homem que morava no acampamento sob coordenação do MMC, próximo à avenida do Estado, na capital paulista.
O primeiro julgamento do caso estava marcado para setembro de 2010, mas foi adiado a pedido do representante do Ministério Público, responsável pela acusação. O promotor alegou que não conhecia todas as provas apresentadas pela defesa.
Em entrevista à Rede Brasil atual, Gegê disse que já se sente condenado há oito anos por um crime que não cometeu. “Para mim, já estou condenado depois de oito anos sem poder viver dignamente”, diz.
“Eu jamais, jamais me permitiria tirar uma vida, ou dar carona no meu carro, a alguém que fizesse isso”, afirma. “Na minha vida, a vida tem valor e não tem preço. Até um assassino deve pagar mas com a vida, vivendo longamente para pagar o que fez”, sentencia.
Gegê conta os dias com esperança de virar a página dessa parte de sua vida, de prisões, acusações e injustiças, declara. “Tenho esperança ao avaliar que os jurados possam perceber que as acusações são na verdade contra a classe trabalhadora”, apontou em entrevista à Rádio Brasil Atual. “Sou um cidadão indo a júri sem saber o porquê”, lamenta. “Estou ansioso, sem dormir, nunca vi um júri”, descreve.
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Segundo a defesa, o autor do assassinato é conhecido e identificado, mas nunca foi preso nem processado. O nome não é mencionado, mas a situação reforça o argumento de que se trata de perseguição. “São muitos anos e até hoje isso não foi tirado a limpo”, lembra.
Gegê é irmão do cantor e compositor Chico César e tem uma longa trajetória de militância social e sindical, como um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do PT e dos movimentos de moradia, acredita que, em parte, a acusação surgiu por sua ação contra o uso de drogas nos acampamentos do movimento. “Não admitimos drogueiro e drogados, nem violência contra mulheres e crianças.”
Um grupo pequeno, segundo ele, que não fazia parte inicialmente do acampamento, mas que “foram chegando” ao saber da concessão do terreno pelo governo do estado, discordava da filosofia do acampamento. Eles teriam aproveitado o crime para desacreditar a liderança do movimento.
José Roberto, o homem assassinado, tinha histórico de alcoolismo e teria provocado um visitante que visitava o sogro no acampamento do movimento de moradia. Uma semana depois, o visitante retornou e matou José. “Dizíamos: bebeu não entra, mas ele pulava o muro e entrava”, conta Gegê. “Ele dava muito trabalho para a coordenação local do movimento devido à embriaguez e acabou mexendo com o homem que o matou.”
Embora o crime tenha acontecido em 2002 e no momento o líder sem teto não estivesse no local do crime, em 2004 ele foi preso, acusado de coautoria do crime, por uma suposta carona ao assassino de José.
Questão dolorida
O acampamento onde houve o crime foi formado também em 2002, depois da desocupação de forma negociada com o governo estadual de São Paulo, do prédio do Banco Nacional, já falido, lembra Gegê.
O então governador, Mário Covas, concedeu um terreno próximo à avenida do Estado para o assentamento de 100 famílias. “Na área só havia sujeira e um esqueleto (de prédio). Nós limpamos em três dias e construímos alojamentos provisórios para o pessoal da desocupação”, narra Gegê.
Em pouco tempo, outras famílias chegaram até que foi preciso limitar a construção de barracos. “Um grupo queria mais barracos, mas a luta é para o resgate da cidadania e da dignidade”, relembra o militante. Pessoas externas ao movimento e que passaram a morar no acampamento discordavam das regras rígidas quanto a drogas e bebidas, mas, segundo Gegê, sempre houve uma convivência de respeito. “Quanto mais se enfavela, menos cidadania e dignidade as pessoas têm”, ensina. Universitários também passaram a estudar o terreno e formas de viabilizar moradias nas áreas.
No dia do crime, Gegê chegou horas depois do assassinato e encontrou o irmão da vítima na entrada dizendo que ele não poderia entrar, porque se não morreria também. Policiais também já chegavam ao local, passaram pelo militante e em seguida retiraram o corpo. Naquele 8 de agosto de 2002, o líder do movimento dos sem teto do centro estava em uma ocupação na rua do Ouvidor, 63.
Depois da retirada do corpo, Gegê entrou no acampamento para ajudar uma mulher que passava mal e precisou ser levada ao hospital. O fato foi descrito no processo como se ele tivesse dado fuga ao agressor.
Em 5 de abril de 2004, Gegê foi a uma delegacia como testemunha da prisão de um bêbado, quando soube pela delegada que era procurado e detido no mesmo instante. Ele ficou preso por 51 dias. “Essa é uma questão dolorida. Nunca imaginei ir ao banco dos réus por um crime que jamais me permitiria cometer”, diz emocionado.
Desde sua prisão e do surgimento da acusação, militantes dos movimentos sociais criaram o comitê Lutar não é Crime com uma campanha nacional pelo fim da criminalização dos movimentos sociais e populares.
O julgamento do ativista ocorre na segunda-feira (4), a partir das 13 horas, no Fórum Criminal da Barra Funda, e deve estender-se até a terça-feira.