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Passadas as eleições, é hora de fazermos uma reflexão que vá além das disputas partidárias para entender onde podemos chegar, ou para que caminhos essa discussão pode nos levar
O debate pós-eleitoral incorpora um tema novo, antes discutido aprofundadamente apenas em grupos restritos. A agenda da democratização da comunicação não é nova. É fundamental para a política, economia, cultura e a vida nas cidades brasileiras.
O grito ouvido durante o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff: “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo!”. A fala da candidata Luciana Genro no início do debate final do primeiro turno. O questionamento à cobertura no caso da Escola Base. E tudo que ocorreu após a criticada edição do debate entre Collor e Lula em 1989 são apenas as exceções que comprovam a regra. O tema é mais uma vítima do silenciamento promovido pelas principais empresas de comunicação do Brasil.
Por isso, passadas as eleições, é hora de fazermos uma reflexão que vá além das disputas partidárias para entender onde podemos chegar, ou para que caminhos essa discussão pode nos levar, diante do contexto de um Congresso Nacional com forte representação conservadora e uma quarta gestão petista no Palácio do Planalto. Para iniciar, uma provocação: você se lembra de um tema que sofreu censura na sua cidade em 2014? A verdade é que o silenciamento acontece diariamente, apesar da maioria não ficar sabendo. Na crítica cultural, no jornalismo esportivo, na economia, nas páginas de política e também em relação aos direitos urbanos.
No Recife, cito de cara o fato de um estudante da UFPE ter sido atingido com um golpe de estrovenga na cabeça por um funcionário público durante uma operação de higienização da cidade antes da Copa do Mundo. Um absurdo filmado, fotografado, mas que não mereceu nenhuma linha nos jornais pernambucanos. Por sinal, nem os mais criticados programas policiais da TV se referiram à violência. E pouco se ouviu falar até mesmo do movimento em que o jovem estava envolvido nas rádios pernambucanos, apesar do #OcupeEstelita ter sido talvez o mais forte movimento de resistência urbana durante o período do Mundial 2014 no Brasil.
A recente chacina em Belém é um exemplo que merece bastante atenção. A situação, para um jornalista com experiência em redações, parece ser um absurdo que mereceria estar naqueles históricos plantões de horas ao vivo na televisão, nas manchetes de jornais de todo o Brasil, ocupando espaço privilegiado nos portais e também nos debates de rádio. Ao contrário, se vê uma pequena cobertura, quase que pedindo desculpa por divulgar uma violência extrema, que aparentemente foi articulada via redes sociais para se vingar pela morte de um policial. O fato do número de mortes ainda não ter sido confirmado (terão sido nove ou mais vítimas?) só reforça a importância de uma cobertura corajosa.
Após o resultado eleitoral, o auditório que assistia à fala de posse da presidente Dilma Rousseff era formado basicamente por partidários da candidata vitoriosa, jornalistas e integrantes de movimentos sociais e partidos associados ao PT. Revoltados com as denúncias sem provas feitas pela revista Veja, às vésperas das eleições mais disputadas da nossa recente democracia, e a repercussão que deu a principal emissora de TV do Brasil, especialmente no sábado à noite, milhões ouviram o grito contra a Globo.
Mas, sinceramente voltarmos a falar como se fosse só a família Marinho o problema é reduzir demais um debate complexo. Como também é muito pouco pensar nessa questão apenas a partir do exemplo das eleições. Temos que ter noção de que os interesses financeiros por trás dos grupos de comunicação influenciam em todos os momentos, da vida esportiva à cultura de uma cidade, passando também pelo campo e os pequenos municípios, onde muitas vezes o domínio dos poucos veículos é ainda mais grosseiro.
Para aqueles que estão começando a olhar para esse jogo agora, é preciso deixar claro que a eleição é apenas um exemplo de como os grupos empresariais que controlam os grandes veículos de comunicação no Brasil pautam a nossa sociedade de acordo com o interesse deles. E para vencer a batalha para conseguir a democratização do setor, é preciso unir forças que representam diversas matizes sociais.
É preciso entender que o principal atingido pela manipulação da mídia não é o Governo Federal, ou qualquer outro gestor público, mas sim a população em geral. Refém de veículos de comunicação que têm nos anúncios sua principal fonte de renda, essas populações veem suas demandas muitas vezes silenciadas.
Por isso, a pauta da democratização da comunicação é das ruas. Muito antes de qualquer resultado eleitoral, é dos movimentos que fizeram recentemente a Semana pela Democratização da Comunicação e que lutam para construir o FNDC. Mas é também dos ativistas da internet e das rádios comunitárias, é dos artistas e comunicadores que ainda buscam espaço para desenvolverem seus trabalhos, mas é preciso que toda a sociedade assuma a importância desse tema.
Os questionamentos surgidos durante as eleições – e que foram pauta também do ‘I Encontro dos Atingidos – Quem perde com os megaeventos e megaempreendimentos?’ – são uma importante oportunidade para reunir pessoas que acreditam na necessidade de lutar pelo direito à comunicação. Toda a movimentação relacionada à demanda pela reforma política também deve casar a democratização da comunicação.
É preciso ter foco e, ao mesmo tempo sonhar, pois podemos ter na comunicação uma ferramenta essencial para fazer um país mais justo.
*Eduardo Amorim é integrante do Intervozes