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Ao menos dez municípios convocaram as etapas municipais da Conferência sobre Transparência e Controle Social (Consocial). A Controladoria Geral da União (CGU) tenta reunir os dados das mais de cinco mil cidades habilitadas a convocar as discussões locais, que vão até novembro, e imagina que as inscrições ganhem ritmo mais intenso na segunda quinzena de agosto.
Serão definidas diretrizes que devem guiar as etapas estaduais, no geral marcadas para os três primeiros meses de 2012 e já confirmadas por todas as unidades da federação. Organizações não governamentais, representantes da sociedade civil em geral e integrantes das diversas esferas do poder se encontram em maio do ano que vem em Brasília para trocar experiências sobre o controle das contas públicas.
A vantagem desta conferência setorial, uma marca de administração que foi reforçada durante o governo Lula, é que as políticas aprovadas nas etapas municipais podem ser aplicadas antes mesmo da aprovação de um plano nacional de transparência. “Controle social se realiza na base, se realiza diretamente na relação da gestão do Estado com o cidadão”, analisa Caio Magri, gerente de políticas públicas do Instituto Ethos. “Por mais que a gente possa propor diretrizes e linhas diretas para uma política nacional, não se pode perder a oportunidade de fazer coisas imediatamente.”
A avaliação é de que o Brasil caminha bem em termos de controle social. Há bons exemplos que foram surgindo desde a promulgação da chamada Constituição Cidadã, em 1988. O primeiro exemplo veio do próprio Estado, com a criação dos conselhos de políticas públicas, que passaram a se reunir em todos os níveis para sugerir ações em áreas como educação, saúde, assistência social e esportes. Mas as iniciativas da própria sociedade floresceram com mais intensidade nos últimos anos. “Na minha avaliação, houve uma grande evolução nos últimos anos, principalmente por conta dos fortalecimentos dos órgãos de controle e da transparência das contas públicas, a divulgação de gastos pela internet”, afirma Fábio Félix, coordenador executivo da Consocial. “É um tema transversal. O controle social passa por todas as políticas públicas, mexe com toda a aplicação de recursos.”
Articulação
De fato, as páginas da internet têm se transformado em uma importante ferramenta para facilitar a divulgação de informações e a articulação das diversas iniciativas. O exemplo mais bem acabado para quem atua no setor é oPortal da Transparência da CGU. Recorre-se a esta página da internet toda vez que se precisa consultar os convênios firmados entre os municípios fiscalizados e o governo federal. É possível saber o valor dos contratos a partir da cidade com que foram firmados, por ano e por empresa.
É este o caminho das pedras para a ONG Amasa, de Analândia, no interior paulista. Alguns dos 4.293 habitantes desta cidade começaram a notar que havia dinheiro em caixa, mas faltavam políticas públicas. Eles começaram a se organizar para frequentar a Câmara Municipal, e não tardou para que se dessem conta de que o Legislativo local era apenas uma extensão do Executivo. Mexer neste ninho, no entanto, não era tarefa fácil. “A situação na época era tão temerosa, qualquer um que quisesse levantar informações sofria ameaças, que a gente teve de fazer reuniões dentro da igreja e a portas fechadas”, conta Vanderlei Vivaldini, engenheiro agrônomo e secretário da organização.
O auge da campanha de medo se deu em outubro do ano passado, quando o vereador Evaldo José Nalin foi assassinado. Ele investigava um esquema de desvio de verbas na prefeitura. Meses depois foi preso e denunciado Luis Carlos Perin, irmão do ex-prefeito da cidade. Para Vivaldini, a tentativa de intimidação surtiu efeito contrário. “Aqui na cidade tinha um cala-boca que ninguém falava nada. Hoje a gente tem um jornal, divulga, protesta, as coisas já mudaram demais.”
Os cidadãos que decidem exercer controle social têm notado que é preciso encontrar respaldo externo para se livrar de ameaças. O Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), com sede em Brasília, trabalha em parceria com organizações municipais e regionais. O projeto Adote um Município fecha um triângulo com a participação daAmarribo, uma ONG formada a partir de uma experiência de fiscalização desenvolvida em Ribeirão Bonito, no interior paulista.
A Amarribo acabou por se constituir em uma rede de instituições envolvidas no combate ao desvio de verbas e, com isso, fornece experiências a quem está dando os primeiros passos – como formar uma organização, de que maneira atuar, onde buscar dados. “A maior dificuldade que vejo é que há uma cultura muito patrimonialista no Brasil, que admite uma mistura entre dinheiro público e dinheiro privado”, lamenta Henrique Ziller, presidente do IFC. “De certa maneira, a maior parte da população, omissa, legitima a ação de prefeitos que podem se servir à vontade do caixa público.”
Marchando
A Força-Tarefa Popular do Piauí, que há dez anos atua em controle social, também esbarra em obstáculos culturais. O projeto optou por atuar de maneira peculiar no exercício da democracia direta. Todos os anos, um grupo marcha 150, 200 quilômetros pelo interior do estado fiscalizando as contas dos municípios. É feito um traçado que leve em conta problemas detectados pelos tribunais de contas. Planilha nas mãos, os militantes se reúnem com a população local para discutir problemas e soluções.
Há casos de administrações que não constroem redes de abastecimento d’água para poder seguir com a troca de carros-pipa por votos. Há, também, casas populares que são abandonadas pelo meio do caminho, projetos de iluminação às escuras e verbas desviadas de políticas de combate a doenças. “Quanto mais distantes as comunidades, maiores os desvios. Muitos lavradores acham que os poços d’água estão sendo dados, como se ele não tivesse nenhuma participação com seus impostos naquilo”, constata Arimatéia Dantas, coordenador da Força-Tarefa. “Se a gente conseguisse articular os honestos, teria outra saída. Por outro lado, os corruptos, que nem são muitos, são mais articulados. Eles pensam e repensam, como uma máfia.”
Por isso, para que as medidas aprovadas na Consocial ganhem força efetiva, precisarão ser reproduzidas por todo o país. “Precisamos produzir manuais de como se lê contrato, como se controla o orçamento público. A conferência precisa botar isso na pauta. Se a gente quiser, no final da conferência, ter diretrizes para construir um plano nacional de transparência e controle social, a gente precisa dar as linhas”, avalia Magri, do Ethos.