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Diga-se de passagem que, se não resgatarmos logo a regulamentação profissional, logo as empresas jornalísticas é que vão disciplinar o mercado.
Como jornalistas e professores de Jornalismo estamos cada vez mais preocupados com a questão e mais preocupados ainda em ver alguns críticos que insistem em dizer que a regulamentação profissional bem como a formação superior num curso autônomo de Jornalismo, vinculado ao campo da Comunicação, cerceia a liberdade de expressão. Pensei que, depois de mais de um ano da decisão do Supremo, os críticos tivessem refletido e se dado conta que na verdade contribuíram para o controle cada vez maior do mercado pelas empresas jornalísticas.
A liberdade imprensa em nada melhorou ou aumentou desde a decisão do STF, no ano passado, até os dias de hoje. Por isso, consideramos importante lembrarmos algumas questões. A eterna confusão entre as liberdades de imprensa e de expressão é uma cortina de fumaça que os grandes conglomerados de comunicação construíram para manterem-se soberanos na área, desviando o assunto de seu aspecto fundamental: o jornalismo é um bem público e um direito coletivo de todos os cidadãos.
Essa confusão é resultado de uma concepção ultrapassada de Jornalismo, que nos remete ao século XVIII, quando uma mesma pessoa fazia as funções de editor, impressor e jornalista. Não preciso relembrar aqui as “eternas” críticas ao campo jornalístico, com base nesses argumentos, que contribuíram para a derrubada da exigência do diploma superior em Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista pelo Supremo. Há alguns setores que têm dificuldades em compreender a liberdade de expressão como o direito de cada pessoa e a liberdade de imprensa como o exercício de uma função pública.
Os críticos do Jornalismo continuam tributários da concepção liberal moderna da liberdade de imprensa que atribui a responsabilidade última aos jornalistas. A crítica ingênua sustenta que os jornalistas “confiscaram” o exercício da liberdade de expressão para o seu uso. É importante lembrar que a liberdade de expressão é um bem maior que o Jornalismo o qual não impede, sob hipótese alguma, a ampla manifestação de cidadãos e cidadãs. Não estivéssemos convencidos disso tomaríamos homens e mulheres como seres passivos, “caixas vazias” diante do poder onipotente da mídia. Cidadãos e cidadãs significam e ressignificam todas as mensagens da imprensa. Não fosse isso não teríamos as diretas-já, a eleição de Lula para presidente, etc.
A liberdade de imprensa e a de expressão não são excludentes. A liberdade de expressão é básica para a organização de um espaço público deliberativo onde se tematizam, debatem e discutem as questões de interesse geral, políticas, abertas à manifestação e intervenção de cada membro da comunidade. É ela quem garante os direitos individuais contra os abusos de poder, que impede que a imprensa seja submetida à ditadura da maioria que terminaria por asfixiá-la.
Já a liberdade de imprensa contribuiria para a livre circulação e socialização de informações e idéias com a preocupação de fiscalizar e controlar o abuso do poder e arbitrariedade contra os cidadãos. Nesse sentido, a liberdade de expressão necessita da liberdade de imprensa cuja principal preocupação é realizar na e pela sociedade um espaço público e garantir o seu bom funcionamento. Dentro desse contexto, o reconhecimento da liberdade de comunicação dos veículos não pode ser confundido com a simples liberdade de expressão dos meios de comunicação.
Parece-nos claro que a regulamentação profissional com a exigência da qualificação superior num curso de Jornalismo em nada impede a liberdade de expressão. É necessário enfatizar que a formação superior em Jornalismo é básica na preparação do futuro jornalista. Jornalismo não é um dom, não é intuitivo e não se aprende nas redações. Não se faz Jornalismo por curiosidade, por esporte, eventualmente. É uma atividade profissional diária e singular que tem como objetivo interpretar a realidade social. Diante das novas tecnologias, torna-se ainda maior a necessidade de jornalistas para selecionar, hierarquizar, verificar, comentar, legitimar, eliminar e criticar.
Como bem observou o diretor do Instituto de Ciências da Comunicação da França, Dominique Wolton: “Não é o suporte que dá sentido à informação, nem o receptor, mas o jornalista”. A legitimitidade do jornalista está na sua função de intermediário que muitos querem eliminar através da mitificação de um simulacro de “democracia direta”. Proclama-se que todos podem ser jornalistas, como se todos quisessem e pudessem ser e viver da profissão de jornalista. A democracia não é a supressão de papéis e profissões, mas a validação dos seus papéis para criticá-los.
Para concluir, reiteramos que consideramos central o Jornalismo na democracia. Por isso, é básico termos cursos superiores de Jornalismo nas nossas universidades para formarmos jornalistas que não sejam tentados a abrirem mão do rigor do método esquecendo o respeito ao outro, vítima, testemunha, parente; porque senão estarão faltando com o respeito que devem a si mesmos, tornando-se instrumentos – um meio! – da informação. Serão reduzidos à função que as empresas lhes atribuem, prisioneiros de um determinismo reificante, de que o próprio cinismo não é capaz de os libertar.
Aos críticos do Jornalismo algo que ouvimos em algum lugar, mas não lembramos o momento nem quem foi o autor e que nos convida a uma profunda reflexão: “a gente estava na fortaleza combatendo os nossos inimigos, mas não percebíamos que nos porões da nossa fortaleza brotavam esses mesmos inimigos”.
*Jornalistas e professores do Departamento de Comunicação da UFPE.