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Nelson Mandela, que morreu na quinta (5) aos 95 anos, se tornou um símbolo mundial de resistência ao apartheid após ser condenado à prisão perpétua, em 1964. Mas a sua oposição ao racismo começou muitos anos antes.
Durante grande parte do século 20, dois grupos formavam a elite da África do Sul: o Partido Nacional e a Igreja Reformista Holandesa cujo credo se baseava em uma leitura peculiar, em africâner, da Bíblia – que colocava o povo Boer no papel de “escolhido”.
As origens do apartheid, regime de segregação racial vigente no país até 1994, remetem ao início do domínio europeu no sul da África.
Mas foi somente com a eleição do primeiro governo do Partido Nacional, em 1948, em um pleito em que só votaram os brancos, que a segregação racial virou lei.
Em termos legais, o apartheid tinha três pilares principais:
• A Lei de Classificação da Raça, que classificou cada cidadão suspeito de não ser europeu de acordo com a raça.
• A Lei de Casamentos Mistos, que proibiu o casamento entre pessoas de diferentes raças.
• A Lei de Áreas de Grupos, que obrigou pessoas de certas raças a viver em áreas pré-determinadas.
Reação negra
O Congresso Nacional Africano (CNA) foi formado em 1912 para lutar pelos direitos dos negros. Nelson Mandela se juntou à organização em 1942.
Acompanhado de um grupo de jovens inteligentes e motivados – incluindo Walter Sisulu e Oliver Tambo -, ele começou a transformar o CNA em um partido político de massas.
A resposta do CNA à eleição de um governo do Partido Nacional foi imediata e intransigente. O Programa de Ação, de 1949, promoveu boicotes, greves e desobediência civil para acabar com o domínio branco.
Ao mesmo tempo, a velha guarda conservadora do CNA foi substituída por uma liderança jovem e radical. Sisulu se tornou o secretário-geral do partido e Mandela foi eleito para seu comitê executivo nacional.
No início da década de 1950, Mandela foi o voluntário-chefe da Campanha de Resistência do CNA. Ele viajou por todo o país organizando campanhas para a desobediência civil em massa.
Acusado sob a Lei de Supressão do Comunismo, Mandela foi condenado a uma pena em liberdade condicional e posteriormente banido de reuniões públicas e confinado em Joanesburgo por seis meses.
Ele passou então a produzir um novo plano organizacional para o CNA, o Plano-M, que dividiu o partido em células clandestinas.
Em 1955, Mandela escreveu a Carta da Liberdade do CNA, que declarou: “A África do Sul pertence a todos que vivem nela, negros e brancos, e nenhum governo pode afirmar sua autoridade de forma legítima se não estiver baseado no desejo de todas as pessoas.”
Resistência
Em 1956, Mandela voltou a ser preso, desta vez como parte de um grupo de 156 ativistas. Ele e outros líderes do CNA foram acusados de traição por apoiar a Carta da Liberdade, mas acabaram absolvidos por um tribunal em 1961.
Dois anos antes, em 1958, o Partido Nacional havia introduzido a Lei da Passagem, que restringia o movimento das pessoas classificadas como negras ou “de cor” (mestiças).
Dois anos depois, 69 pessoas foram mortas pela polícia em um protesto contra a Lei da Passagem, no chamado Massacre de Sharpeville. Nove dias depois, o governo classificou o CNA de ilegal e declarou estado de emergência.
Milhares de ativistas políticos, incluindo Nelson Mandela, foram presos e permaneceram detidos, sem julgamento. Em 1961, a África do Sul deixou a Comunidade Britânica por se recusar a dar direito político aos negros.
Fora da prisão, Mandela convocou uma greve nacional se o governo não concordasse em negociar. Mandela passou a ser procurado pela polícia e teve de se esconder.
O CNA passou a defender o uso da violência, com Mandela como comandante da nova milícia do partido, a Umkhonto we Sizwe.
O CNA passou a comandar uma campanha de sabotagens, explodindo postos de fiscalização do governo, geradores de energia e delegacias de polícia.
Na ilegalidade, Mandela se travestiu de jardineiro e motorista, e viajou pelo país para angariar apoio. Acabou preso em 1962.
Prisão
Dois anos depois, Mandela foi condenado à prisão perpétua, acusado de sabotar um julgamento. Ele foi então mandado à prisão de Robben Island.
A história de Mandela poderia ter acabado ali. Tanto ele quanto o CNA foram neutralizados, os governos ocidentais continuaram a dar apoio ao regime do apartheid e a mudança parecia muito distante.
Mas o aparecimento do Movimento da Consciência Negra nos anos 1970 e a morte na prisão de um de seus fundadores, o estudante Steve Biko, reacenderam o interesse no CNA e em Mandela.
À medida em que os vilarejos negros passaram a arder em chamas, por causa dos protestos, um movimento internacional contra o apartheid ganhou força ao pedir a libertação de Mandela e de seus companheiros.
Da prisão, Mandela deixou claro que continuava acreditando em uma África do Sul multirracial, opondo-se a alguns membros do Consciência Negra.
Sanções, protestos e shows – incluindo o concerto para lembrar os 70 anos de Mandela, em 1988 – foram alguns dos meios para manter aceso o movimento.
A África do Sul foi ficando isolada. Empresários e bancos passaram a se recusar a fazer negócios no país. A pressão por mudança aumentou.
Em fevereiro de 1990, Mandela foi libertado da prisão depois que o governo da África do Sul, que havia começado a relaxar as normas do apartheid, finalmente concordou em negociar com a maioria negra.
Quando Mandela foi eleito presidente da África do Sul, em 1994, o apartheid já havia sido desmantelado. A partir daí, todos os sul-africanos se tornaram iguais perante a lei, embora diferenças sociais e sobretudo diferenças econômicas, ainda sejam um problema no país.