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Da redação Aline Scarso
A nova lei para exigir prisão preventiva de acusados, que passou a valer desde segunda-feira (04) em todo o país, deve beneficiar pelo menos 183 mil presos que ainda não tiveram julgamento. A lei 12.403/2011 altera 32 artigos do Código Penal de 1941 e reafirma que o princípio de presunção da inocência, garantido pela Constituição, deve ser levado em conta pelo juiz no momento de se tomar a decisão pela prisão.
A nova resolução já está tendo repercussões. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça ordenou que juízes revisem pelos menos 60 mil processos de presos provisórios. De acordo com o Ministério da Justiça, dentro da população carcerária de cerca de 496 mil brasileiros, 37% ainda não foi responsabilizada oficialmente pelos supostos crimes cometidos.
Para o juiz criminal, professor de direito penal da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas e presidente da Associação Juízes para a Democracia, José Henrique Rodrigues Torres, a nova resolução, além de obrigar o cumprimento de garantias constitucionais, irá exigir que o juiz diga expressamente porque o indivíduo merece ou não ficar preso antes de ser julgado. “Com base nesse novo texto, o juiz precisa se posicionar. É uma garantia que todos nós temos quando a Justiça nos prende, do juiz nos dizer o porquê e justificar a necessidade”, explica.
Segundo Torres, a prisão preventiva no Brasil, da maneira como estava sendo feita, era determinada apenas a partir do diálogo entre o Ministério Público e juiz. No caso de prisão em flagrante, na prática, o juiz acabava se conformando com a formalidade do flagrante para decretar a prisão. “Era praticamente um monólogo do Estado, que não trazia a oportunidade da defesa se manifestar. Veja o absurdo, pois nós estamos falando de medida cautelar, imposta antes do sujeito ser condenado”, defende.
Pela novas normas, o juiz, ao invés de decretar a prisão, pode lançar mão de medidas alternativas como a prisão domiciliar, o pagamento de fiança, o monitoramento eletrônico, a proibição de viajar e de frequentar alguns lugares públicos, entre outras. Os principais beneficiados devem ser os acusados por crimes que tenham penas de até 4 anos de reclusão, sem antecedentes criminais.
Nova lei reafirma o que já está na Constituição
Com o novo texto se cumpre o que já está previsto no artigo 5º da Constituição Federal. O direito se baseia no princípio de presunção da inocência e sua origem remonta à Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1791 e da Declaração dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) de 1948.
Por esse direito, ninguém pode ser preso sem antes ter seu julgamento determinado pela Justiça e de ser culpado pelo crime que cometeu. A prisão preventiva, mecanismo utilizado para evitar que o acusado fuja ou coloque em risco à sociedade, seria apenas uma exceção. No Brasil, entretanto, a exceção mais uma vez acabou se tornando a regra.
É comum no país pessoas, principalmente pobres, passarem anos presas aguardando o julgamento do seu caso, sem data para acontecer. Há casos, inclusive, em que o preso preventivo, quando é julgado, recebe sentença para cumprir sua pena em regime de liberdade ou é, até mesmo, absolvido. “Há pessoas que estão dizendo que a nova lei vai ser um terror, que vamos soltar todos os criminosos, o que é um equívoco”, pontua Torres.
O que deve haver, segundo Torres, é uma maior racionalização do sistema carcerário. “A lei não resolve o problema da criminalização da classe pobre. Não vai salvar o sistema carcerário, que continuará servindo como controle social. O que deve existir é uma amenização das contradições do sistema e nesse patamar ela é bem-vinda”.
“Não é automático, mas os juízes precisam rever e revogar milhares de prisões. O preso preventivo que não tiver sua prisão revista, pode enviar seu habeas corpus escrito de próprio punho ao juiz ou solicitar a ajuda de um advogado ou da defensoria pública”, destaca.
Polêmicas em torno da nova lei
Uma parcela de juristas, desembargadores e promotores chegaram à conclusão de que as alterações na lei penal devem servir à impunidade. Uma confusão, na opinião de Torres, pois estão tomando medidas cautelares como se fossem medidas punitivas.
Já a fixação de fiança pelo delegado ou juiz para liberação da prisão preventiva, que também está prevista na lei, recebe críticas de Torres. Apesar de ser estipulada de acordo com a condição financeira de cada indivíduo, a medida deve prejudicar as classes menos favorecidas economicamente, segundo ele. “O juiz aplicará fiança para quê, quando e com qual objetivo? Se é absolutamente necessário aquela pessoa ficar presa, por que vou fixar fiança para que possa comprar sua liberdade? Por outro lado, se não há necessidade de outra pessoa ficar presa, por que o juiz fixaria uma fiança para soltá-la? Não se pode fixar fiança em nenhum dos casos, é uma contradição”, argumenta.
Outra questão levantada pelos opositores das alterações no Código é que o Estado não terá condições de fiscalizar os réus que cumprem medidas cautelares alternativas como a prisão domiciliar. Para Torres, não há necessidade de um agente de segurança em cada porta, mas basta que o acusado siga os compromissos processuais. “É simples, caso a pessoa não cumpra, vai presa”.