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Além de Suape, as greves já suspenderam os trabalhos no Porto de Açu, no Rio de Janeiro, na termoelétrica de Pecém, no Ceará, e nas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Por Felipe Corazza. Foto: Felipe Corazza.
Visto do alto, o Complexo de Suape, em Pernambuco, é imponente. Mas a dimensão do que está em curso na área, pertencente ao município de Ipojuca, torna-se de fato espantosa quando se faz o trajeto entre a capital e os grandes átrios que formarão o coração do gigante. Pouco antes das 6 da manhã, desde a entrada de Jaboatão dos Guararapes – município da região metropolitana do Recife –, veem-se pelas calçadas operários e técnicos à espera dos incontáveis ônibus fretados que trafegam ao longo da rota. A PE-060, estrada que leva aos principais empreendimentos do complexo, tem um engarrafamento quase paulistano. O clima de operação de guerra é reforçado pelo barulho do helicóptero da Defesa Civil a sobrevoar a movimentação. É quarta-feira 30, dia de assembleia dos trabalhadores em greve.
A paralisação dos canteiros, a 50 quilômetros do Recife, começou em 17 de fevereiro e envolveu perto de 34 mil operários contratados por 29 empresas. Em jogo, a construção da Refinaria Abreu e Lima, a Petroquímica Suape e a conclusão das obras do Estaleiro Atlântico Sul e do porto. O primeiro batalhão a parar foi o dos trabalhadores do consórcio Conest, formado por Odebrecht e OAS. As principais reivindicações eram de melhores condições de trabalho, plano odontológico, reajuste do valor da cesta básica para 160 reais e pagamento de 100% das horas-extras feitas aos sábados. No início de março, os operários de todas as outras empresas que participam dos empreendimentos aderiram ao movimento.
A forma pulverizada de organização dos trabalhadores está na origem dos problemas que têm paralisado grandes obras no País, especialmente aquelas listadas no PAC. A maioria dos operários trabalha para os consórcios, mas o vínculo empregatício fica com uma das empresas. Como resultado, pouca unidade e reivindicações trabalhistas desencontradas e em épocas diferentes. Além de Suape, as greves já suspenderam os trabalhos no Porto de Açu, no Rio de Janeiro, na termoelétrica de Pecém, no Ceará, e nas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Nesta última, a revolta dos trabalhadores foi violenta. Os operários incendiaram ônibus e queimaram os alojamentos, considerados precários.
A crítica também é ouvida entre os trabalhadores de Suape. Morador temporário de um alojamento no bairro de Cidade Garapu, o caldeireiro Gilmário Evangelista é um “trecheiro”, operário que roda o País de obra em obra atrás dos melhores empregos. Baiano de Camaçari, há 15 anos ele está “na luta”. A reclamação maior é sobre as condições de vida no alojamento providenciado pelo consórcio. “É quente, não tem segurança, já fomos assaltados lá dentro.” Gilmário não está só. Guilherme Santiago, outro trecheiro, também reclama da moradia. “São quatro banheiros para mais de 160 pessoas. Imagine.” Sobre as questões trabalhistas, saca do bolso o cartão do vale-refeição: “No mês passado, não depositaram”.
Sem uma organização central para quem reclamar desse e de outros problemas, e com um sindicato local chamado de “pelego” pelos próprios operários, a representação dos trabalhadores fica a cargo de atores diferentes. Centrais, federações, confederações e movimentos sociais assumem a voz de grupos distintos de operários. A fragilidade surge de tal diversidade. A cada reivindicação de um desses grupos, todos os outros rapidamente entram na briga e exigem para seus representados os mesmos termos. Para tentar resolver a questão, o Ministério Público do Trabalho de Pernambuco interferiu na disputa, oferecendo-se para mediar e construir uma pauta única de reivindicações.
O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho, Fábio de Farias, conta que a ideia não foi aceita de pronto: “No início do ano, representantes do Conest nos procuraram e comunicaram que a situação estava evoluindo para um conflito sem solução”. Farias ofereceu a mediação, negada pelas empresas, que preferiram ir à Justiça em dissídio com os trabalhadores. “Após esse julgamento, o problema não se resolveu, porque havia conflitos de representação sindical muito sérios.” Nova oferta de mediação, nova recusa do consórcio.
Pouco tempo depois, o Ministério Público foi forçado a intervir, quisesse o Conest ou não: “No meio do caminho, aconteceu o incêndio de um dos pavilhões e um dos trabalhadores levou um tiro. Diante dessa situação, avaliamos que a situação extrapolava uma disputa sindical e não era mais uma questão de vontade das partes a mediação, era uma necessidade que se impunha”. O acusado de atirar contra os trabalhadores foi um vigilante do próprio sindicato local, o Sintepav. Edmilson Severino dos Santos foi preso oito dias depois do ocorrido. Com a briga em tal ponto, a solução foi reunir uma comissão com todos os representantes da categoria – mesmo aqueles não reconhecidos legalmente como tal – e Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon).
Do encontro saiu uma pauta comum de negociação. Dos 13 pontos levantados, 11 foram aceitos pelos patrões. Os dois restantes – cesta básica e horas extras – sustentaram a continuidade da greve. As empresas negam irregularidades e enxergam viés político na mobilização dos operários. “Tudo que foi acordado em acordo coletivo está sendo cumprido”, diz Margareth Rubem, advogada do sindicato patronal, durante audiência na sede do Ministério Público. “O que a gente vê é sindicato brigando com o próprio trabalhador.” O advogado do consórcio Conest, José Otávio Carvalho, vê como “lamentável” a postura dos representantes dos trabalhadores. “A gente lamenta que os aspectos políticos estejam acima dos interesses dos trabalhadores.”
Sem acordo, a situação chegou ao Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco. Na terça-feira 29, os magistrados concluíram que as reivindicações pendentes deveriam ser atendidas, mas definiram a greve como ilegal. Com a decisão, os trabalhadores receberiam o que exigiam, mas as empresas teriam o direito de descontar os dias parados. Novo impasse. Na assembleia da manhã seguinte, os operários acataram a decisão, sob a condição de não serem descontados os dias imediatamente. A negociação para compensar o tempo de greve ainda está em curso.
O Ministério Público prepara um relatório sobre a situação de moradia dos operários. Três peritos foram enviados após o carnaval para avaliar as condições e o texto final deve ser concluído em maio. Foi instalada uma gerência do MP na região da obra, para facilitar o acesso às informações. O procura-dor-chefe promete acompanhar de perto os desdobramentos.
A necessidade de uma nova forma de negociação, explícita em Suape, é parte do nó a ser desatado por governo, empresas e centrais nas obras de construção pesada. “A situação é muito nova, e essa novidade implica uma mudança de postura por parte de todos os envolvidos”, acrescenta Farias. Essa mudança de postura passa por uma coordenação mais ampla das reações aos conflitos, tanto por parte dos representantes dos trabalhadores quanto por parte das empresas.
A paralisação em Pernambuco e a revolta violenta em Jirau provocaram um esforço para tentar unificar, na medida do possível, as insatisfações dos trabalhadores. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique, pediu uma reunião tripartite com governo, centrais e empresários. O encontro aconteceu na terça-feira 29 em Brasília. Pelo governo, participou Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência. O presidente da CUT e o presidente da Força Sindical, o deputado federal pedetista Paulo Pereira da Silva representaram os trabalhadores. Pelos empresários, participou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão. Após quase nenhum avanço, nova reunião foi marcada.
A exemplo do procurador Farias, Arthur Henrique defende unificação da pauta. “A gente já vinha avisando desde o ano passado, não só por conta de Jirau. Infelizmente, nunca conseguimos construir uma agenda tripartite para construir uma proposta de um acordo nacional”.
Enviado pela Força Sindical para discutir os problemas de Suape com os representantes locais, o vice-presidente da Central, Miguel Torres, segue a mesma linha: “Todas as obras do PAC têm problemas. Todas. O que nos preocupa é achar uma solução nacional, porque soluções locais não estão resolvendo. Os acordos não são cumpridos”. A extensão do conflito para mais canteiros é inevitável, na visão da Força: “O que aconteceu em Jirau vai acontecer em outros lugares”, acredita Torres.
No momento em que os operários de Suape voltavam ao trabalho, eclodia a revolta nas obras do terminal marítimo de Açu, no Rio de Janeiro. O empreendimento pertence à LLX, do bilionário Eike Batista. Grandes obras, grandes problemas.