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Já são oito registros de mulheres assassinadas nesta semana no Estado da Paraíba, um dos maiores índices de feminicídios no Brasil. A região tem também uma das mídias mais coniventes e “espetacularizadoras” da violência contra a mulher e de seus assassinatos. Apoie o abaixo-assinado.
As mortes atingem todas as classes sociais. A última, assassinada no último sábado, é uma diarista de 21 anos, que residia no Cariri paraibano. Mas entre as oito da semana, teve também a professora universitária Briggida Lourenço, encontrada morta com sinais de estrangulamento, na terça-feira (19), no seu apartamento em João Pessoa (capital). Os dois suspeitos, o marido da primeira e o companheiro da última, estão foragidos. Desde o início do ano, já foram mortas 73 mulheres. Mortas pelo fato de serem mulheres!
As feministas da região acusam a mídia de – bem ao contrário do papel educador que deveria ter, inclusive por lei – “espetacularizar” as notícias, naturalizando a violência contra a mulher, bem ao gosto do patriarcado dominante na sustentação do capitalismo. “Estamos recolhendo assinaturas de movimentos sociais e de lideranças feministas para uma carta de repúdio que o movimento feminista da PB vai enviar a imprensa esta semana”, diz Mabel Dias, também blogueira, “repúdio em relação a maneira com que a mesma imprensa vem tratando a violência contra a mulher no estado”.
Feminicídio estimulado
As feministas estão muito preocupadas – mas parece que apenas elas – pois o número de assassinatos vem crescendo – em 2011, a violência deixou 146 mulheres mortas, em 2010, hviam sido 135 crimes. “Estamos considerando que as mortes de mulheres na PB representam um feminícidio, pois a cada dois dias, uma ou duas mulheres são assassinadas no estado”, indigna-se Mabel. “A mídia paraibana, com raras exceções, tem exibido imagens das vítimas mortas, e emitido opiniões que violam a dignidade humana e reforçam ainda mais a violência de gênero”.
Frente a tal conjuntura, na qual as mulheres dificilmente conseguem ser ouvidas, as feministas paraibanas, conhecedoras do papel estratégico da comunicação social para as nossas causas e para a mudança de paradigmas necessária na construção de uma vida sustentável e um novo mundo possível, lançaram carta de repúdio a ser enviada à imprensa e divulgada. Elas pedem o apoio em forma de abaixo-assinado, contando com a solidariedade de muitos e muitas que repudiam, tanto a violência contra a mulher, quanto a utilização dos meios de comunicação para a disseminação de preconceitos e de valores machistas.
Abaixo segue o texto da carta de repúdio. Apoios e assinaturas podem ser enviados para a própria Mabel Dias, por meio do seu blog Senhora das Palavras.
JoãoPessoa, 25 de junho de 2012
Prezados/as,
Vimos, através desta carta, manifestar nosso repúdio a maneira pela qual a imprensa tem noticiado os casos de violência contra a mulher no estado da Paraíba, em particular, sobre as imagens utilizadas para ilustrar as matérias.
Não podemos aceitar a maneira com que as mulheres estão sendo expostas pela mídia, o que acreditamos reforçar ainda mais esta violência a que somos submetidas no dia a dia. Entendemos que tais imagens, com corpos mutilados, sem roupas, com tarja nos olhos, entre outras, reforçam a humilhação das vítimas, no que diz respeito aos crimes de caráter machista ou de violência de gênero, e estimulam ou ao menos recompensam aqueles que os cometeram. A humilhação da vítima, seja para lavar a honra, seja para obter prazer (no caso dos estupros) é sim, e não podemos calar quanto a isso, um dos motivos que levam seus algozes a cometê-los.
A imprensa também colabora com a ideia de que a mulher precisa ser “protegida”, fazendo com que a sociedade insista na falsa ideia de fragilidade inerente ao nosso gênero. Precisamos sim, ser protegidas. Mas não por homens ou pelo comportamento “correto”, que em muitos textos é reforçado como uma espécie de redutor da violência contra as mulheres; e sim por leis, igualdade e justiça.
Os veículos de imprensa tem que divulgar, sim, a violência contra a mulher, que vem alcançando índices alarmantes nos últimos anos. Frisando, só em 2012, 73 mulheres foram mortas na Paraíba, segundo dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado. Mas, lembramos que a mídia é formadora de opinião, identidades e valores, e, portanto, deve prezar pela ética, pelo respeito à dignidade humana, e as leis que regem este país, fazendo valer a sua responsabilidade social.
Insistimos que não é preciso recorrer a comunicação do grotesco para informar qualquer fato. Além das imagens, a imprensa da Paraíba tem produzido textos que reforçam a discriminação contra a população pobre, principalmente quando noticiam mortes que, supostamente, podem estar relacionadas ao tráfico de drogas. Ligando a morte das mulheres ao tráfico as condenam, subjetivamente afirmam que “ela deveria morrer, pois significava um problema para a sociedade”. A apuração dos fatos, ouvir TODOS os lados envolvidos nos acontecimentos é lição básica que aprendemos na universidade e que não podemos esquecer.
No dia em que a professora universitária, Briggída Lourenço, foi assassinada, alguns veículos de comunicação da Paraíba veicularam imagens dela morta, deitada de costas no chão de seu apartamento e de outra mulher, que foi assassinada em Cabedelo. Tais imagens violam a privacidade e a integridade das vítimas e em nada contribuem para a denúncia da violência contra a mulher! Reforçamos: ÉTICA DEVE FAZER PARTE DO FAZER JORNALÍSTICO! Nossa profissão tem um código de ética que deve ser observado e colocado em prática!
O uso destas imagens viola o artigo 5º, parágrafo X, da Constituição Federal que diz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ainda no mesmo artigo, parágrafo V, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”. Só para citar uma das diversas legislações brasileiras que preveem responsabilidades aos órgãos que violarem a imagem da pessoa.
Entendemos qualquer continuidade nessa linha de jornalismo, que consideramos sensacionalista e ineficaz, além de ferir os nossos esforços na mudança e conscientização da população acerca dos crimes de gênero, como uma atitude a ser denunciada e combatida”.