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Giorgio Trucchi, Tegucigalpa, Honduras
Em 28 de junho de 2009, Honduras acordou em meio a um pesadelo. O então presidente Manuel Zelaya havia sofrido um golpe de Estado e foi forçado a abandonar o país durante a madrugada. A crise iniciada com o golpe afetou profundamente a sociedade hondurenha, que até hoje não se recuperou do episódio.
Para Victor Meza, diretor do CEDOH (Centro de Documentação de Honduras) e ex-ministro do Interior durante o governo Zelaya, o golpe atentou contra o estado de direito. “Foi uma barbárie cometida por um bando delinquente de militares mercenários e grupos empresariais ultraconservadores”, afirmou.
Essa visão foi confirmada pela Comissão da Verdade e da Reconciliação, presidida pelo ex-vice-presidente da Guatemala, Eduardo Stein. A instância indicou em seu relatório final que o Congresso Nacional “não tinha atribuições para destituir o presidente e nem para nomear um substituto”. Nesse sentido, a nomeação de Roberto Micheletti como presidente interino de Honduras “foi ilegal e seu governo foi um governo de fato”.
A ruptura da ordem constitucional, o consequente isolamento internacional, a reversão das principais reformas impulsionadas por Zelaya, assim como a remilitarização da sociedade e a eclosão de uma crise política, econômica e social sem precedentes levaram o país à beira do colapso.
O suspeito processo eleitoral que, em novembro de 2009, ascendeu Porfírio Lobo à Presidência e a assinatura dos Acordos de Cartagena, que em maio de 2011 abriram espaço para o regresso do ex-presidente Zelaya ao país não serviram para normalizar a situação.
Para o membro da Comissão Política do FNRP (Frente Nacional de Resistência Popular), Carlos H. Reyes, o golpe não apenas perseguiu o objetivo de aprofundar o modelo neoliberal e entregar a grupos oligárquicos o controle do Estado, mas também freou as reformas impulsionadas com o apoio das forças sociais do país.
“Tudo isso gerou um grande retrocesso que se agravou com a aprovação de leis que surgiram para atropelar os direitos dos trabalhadores, camponeses e setores populares em geral. Aproveitaram-se da conjuntura para continuar concedendo nossos recursos naturais, estendendo benefícios para grandes transnacionais e privatizando os serviços públicos”, disse Reyes em entrevista ao Opera Mundi.
Para Eugenio Sosa, analista político hondurenho, “as instituições estão erodidas e deslegitimadas perante a população por sua incapacidade de enfrentar os grandes dilemas que afetam o país. Os dados são dramáticos e a maioria das pessoas convive com um sentimento crescente de insegurança e desespero”.
Durante a gestão de Porfírio Lobo, foram registradas quase 13 mil mortes violentas, o equivalente a 20 vítimas diárias. Uma das categorias mais vitimadas foi a jornalística. No total, 29 profissionais da imprensa foram assassinados ao longo dos últimos anos, 24 deles durante o mandato de Lobo.
Mais além, o conflito agrário que atinge o norte do país – mais especificamente a zona de Bajo Aguán – deixou um saldo de quase 50 camponeses assassinados após o golpe. No mesmo período, foram mortos 68 membros da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais). Desses, 46 durante a atual administração.
“Há atores invisíveis, como o crime organizado e o narcotráfico, que permeiam todas as instituições e poderes do Estado. Depois do golpe aproveitaram a debilidade institucional para se reforçarem ainda mais, como é o caso dramático da polícia”, explicou Sosa.
Direitos Humanos
De acordo com dados do COFADEH (Comitê de Familiares de Detentos Desaparecidos em Honduras), após o golpe de Estado, foram registradas mais de 12 mil violações a direitos humanos fundamentais, incluindo 2189 assassinatos de mulheres e a morte de 7315 jovens.
“O golpismo segue enraizado no país e há total impunidade. Temos um Estado colapsado e uma institucionalidade falida que engaveta os casos enquanto todo o país submerge cada vez mais na criminalização de movimentos sociais, na militarização do território e na aprovação de leis que atentam contra os direitos humanos”, disse Dina Meza, jornalista e ativista do COFADEH.
Segundo ela, Honduras está vivendo uma crise de direitos humanos nunca antes vista. “Não temos a menor dúvida de que existe uma estratégia para instaurar o terror na população e para usar o assassinato político como instrumento para frear o avanço das manifestações sociais e da criação de alternativas políticas”, manifestou Meza.
Crise econômica
Nesse contexto, são inevitáveis as repercussões econômicas. Para o economista e professor universitário Wilfredo Girón Castillo, o golpe deteriorou completamente a economia de Honduras. “O país não produz, o governo não conseguiu recuperar seu fluxo de caixa e o único setor que segue crescendo e acumulando capital é o bancário; isso às custas do endividamento do Estado. Os demais setores estão agonizando”, disse Girón ao Opera Mundi.
De acordo com ele, a oligarquia nacional segue controlando as finanças e o Estado continua se endividando. “O endividamento gerado pelo governo com bancos privados para financiar o golpe não apenas colocou o Estado de joelhos, mas também se intensificou ao longo desses três anos”, disse.
Para o economista, a única forma de sair desta crise é uma mudança de modelo econômico e político, e sua abertura para países da América do Sul.
“Estamos em um beco sem saída, com um Estado quebrado e um setor produtivo que não produz. As primeiras consequências já estão sendo vividas com a classe média caminhando para o empobrecimento”, disse Girón.
Expectativas
Diante desta difícil situação, os integrantes do FNRP fundaram, em junho de 2011, o partido Libre (Liberdade e Refundação) – braço político da resistência hondurenha. O novo partido, que já foi inscrito perante as autoridades eleitorais, conduzirá eleições internas em novembro deste ano, para escolher seus candidatos a cargos populares nas eleições nacionais de 2013.
“Em Honduras, houve avanços e retrocessos. Estamos em uma fase de transição para a devolução de garantias básicas aos cidadãos e para uma reconstrução plena do tecido institucional que foi violentado e despedaçado pelo golpe. Conseguimos diversificar o espectro político da sociedade, debilitando o sistema bipartidário, e há um despertar de consciência no sentido de que as mudanças são possíveis e necessárias”, explicou Meza.
No próximo dia 1º de julho, na cidade de Santa Bárbara, oeste do país, o Libre lançará a candidatura para a Presidência de Xiomara Castro, mulher do presidente deposto Manuel Zelaya. “As eleições de 2013 vão marcar uma nova etapa para Honduras e para a candidatura de Xiomara Castro, que está gerando muitas expectativas”, explicou Sosa.
Diante do avanço desta nova opção político-social, o COFADEH adverte sobre um possível recrudescimento da violência seletiva. “Na medida em que avança o processo eleitoral, também se incrementa a violência. Já temos sete pessoas assassinadas que postulavam cargos pelo Libre”, alertou Dina Meza.