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Escavações em fevereiro deste ano no cemitério de Vila Formosa retiraram 25 corpos para tentativa de identificação (Foto: Guilherme Amorim – arquivo)
A procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, representante do Ministério Público Federal (MPF) na força tarefa de buscas por restos mortais de desaparecidos da ditadura em cemitérios paulistanos, admitiu que a exumação de ossadas de Vila Formosa deve ser inconclusiva. Em evento realizado no sábado (10) no Memorial da Resistência de São Paulo, ela explicou que o material retirado de valas comuns estava em mal estado de conservação, o que reduz as possibilidades de identificação.
A força tarefa retirou restos mortais de 25 pessoas enterradas sem identificação no cemitério da zona leste da capital paulista, o maior da América Latina. Em fevereiro e março deste ano, integrantes do MPT, da Polícia Federal, do Instituto Médico Legal do estado e da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos acompanharam escavações no local onde provavelmente foi enterrado o corpo de Virgílio Gomes da Silva. Além da dificuldade para saber onde os corpos foram ocultados por agentes da ditadura militar, o cemitério foi descaracterizado em 1970, com mudanças de ruas e de localização de túmulos.
“Esses ossos, no entanto, se encontram muito deteriorados e dificilmente se poderá dizer com certeza a quem pertenceram”, disse a procuradora. Comparadas às ossadas retiradas do cemitério de Perus, na zona norte de São Paulo no início dos anos 1990 e em 2008, a situação é bem distinta. “Em Perus, a situação é um pouco mais factível, porque a vala foi composta com ossadas colocadas em sacos plásticos. Em Vila Formosa está tudo misturado”, explicou.
Eugênia Augusta Gonzaga apresentou, no sábado, um relatório sobre os trabalhos de busca. As conclusõescorroboram a avaliação do MPF ao final das escavações.
No período da ditadura, de 1964 a 1985, agentes a serviço do regime autoritário cometeram homicídios, sequestros, tortura e outras violações de direitos humanos. A ocultação de corpos de pessoas assassinadas por servidores públicos de forças de segurança e também por agentes privados, que operavam como grupos paramilitares de extermínio, é um desses abusos.
No Cemitério de Perus foram localizados restos mortais de diversas pessoas desaparecidas no período. O caso mais recente de identificação em Perus foi do corpo de Miguel Sabat Nuet, um vendedor de veículos que morava na Venezuela e tinha nacionalidade espanhola. Não há qualquer registro ou informação de que ele tenha tido envolvimento com a luta contra a ditadura. Mesmo assim, ele foi morto por engano e seu corpo ocultado.
Preso e torturado em 1973, a ossada foi exumada em 2008. Testes de DNA confirmaram que se tratava dos restos mortais de Nuet. A pedido dos filhos, que moram na Venezuela, os ossos foram cremados nesta semana e enviados ao país. A entrega da urna com as cinzas está prevista para esta segunda-feira (12).
A procuradora Eugênia Gonzaga considera o caso emblemático por expor a forma como os agentes da ditadura atuaram. “Além de matar pessoas que estavam na resistência contra a ditadura, matavam pessoas por engano”, lamentou. O fato indica que se tratava de uma prática sistemática.
O relatório e o debate foram realizados um mês depois de a presidenta Dilma Rousseff sancionar a lei que cria a Comissão de Verdade no país. Apesar das críticas de familiares de vítimas da ditadura, o integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Ivan Seixas, acredita que o organismo ainda a espera de ser constituído tenha um papel importante na localização dos corpos cujo paradeiro ainda é desconhecido.
Apesar da dificuldade de localizar e identificar restos mortais, Seixas aponta que os resultados obtidos até agora são importantes por mostrar que é possível encontrar os desaparecidos políticos. Falta, porém, a colaboração de pessoas e entidades que mantém ainda informações em sigilo sobre os crimes do período. “Nós precisamos criar um trabalho mais amplo, com a colaboração de arquivos e dos próprios militares, que venham a dizer onde estão os corpos”, defendeu.
Com informações da Agência Brasil
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