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Por Ruy Marques Sposati
Teria sido outra manhã ensolarada com solenidade governamental em Altamira, no Pará – não fossem os problemas que a Usina de Belo Monte vem criando na região.
Começou nesta quarta-feira ( dia 3) a Operação Cidadania Xingu, do governo federal. Já um pouco capenga: dos sete ministros anunciados, vieram para a abertura da ação apenas dois: o ministro da Pesca e Aquicultura (MPA), Luiz Sérgio e o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Afonso Florence. Além dos dois, representantes da Secretaria Geral da Presidência, do governo estadual (nada do governador, como fora prometido) e municipais locais, empreiteiras, Consórcio Construtor, Norte Energia & cia, com destaque para a prefeita Odileida Sampaio (PSDB) – cotada também para participar da solenidade de abertura, às 11 da manhã.
Mas a solenidade não saiu.
Acontece que, três horas antes, em frente à prefeitura, acontecia um protesto das famílias sem teto, moradoras das duas maiores ocupações da cidade. Organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), os manifestantes exigiam que a prefeitura garantisse a regularização das áreas ocupadas – que tem indício de grilagem e, segundo a coordenação das ocupações, não possuem documentação.
Também pediam a intervenção da prefeitura nos dois mandados de reintegração de posse expedidos por um juíz da cidade na última semana. “800 famílias estão na iminência de serem duplamente expulsas por Belo Monte”, expõe a militante do MTD, Samara Mauad. Segundo fontes na Polícia Militar, o despejo deverá acontecer ainda esta semana. Este conjunto de elementos, aliado ao clima tenso em que vive os bairros mais empobrecidos da cidade, tem levado a sucessivas manifestações (LINK pra mate’ria sobre o ato da última sexta) por moradia e contra Belo Monte. “Este ato joga parte da conta de Belo Monte nas mãos das prefeituras locais, que trocaram uma barragem por migalhas”, conclui Samara.
Duas horas de piquete, e nem sinal da prefeita.
O boato era de que ela já estava a caminho do local onde lançariam a Operação. E rumo à Operação Cidadania Xingu caminharam os manifestantes.
Poupatempo amazônico
A operação é uma espécie de mutirão multi-tarefa – desde emissão de documentação para pescadores, RGs, CPFs, carteiras de trabalho; balcões de informação sobre regularização fundiário; pré-cadastros para ribeirinhos; workshops sobre empreendedorismo… E, claro, stands da Norte Energia, com folders e funcionários – sempre terceirizados – para receber passantes curiosos. O visual era como o do atendimento em grandes capitais brasileiras, como o Poupatempo em São Paulo- contrastando com a aparência de ribeirinhos e indígenas que ali procuravam algum atendimento nos balcões da Funai ou do Incra.
Para garantir a ordem, da Guarda Municipal ao Exército – passando pela Força Nacional, Polícia Militar, Bombeiros e até o Departamento Municipal de Trânsito, todos ostensivamente envolvidos em operações – a primeira delas, iniciada as 9 da manhã, referia-se a eliminar o trânsito no trecho que compreendia a rota rodoviária do aeroporto ao bairro Premen, de cerca de dez quilômetros. A PM ficou responsável pela revista apurada de cada munícipe que entrava na estação de atendimento.
No local da Operação, militantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre se preparavam para realizar um protesto durante a abertura do mutirão. “Antes de mais nada, é preciso sempre deixar nosso grito, nosso recado de que estamos resistindo contra o projeto. Não queremos discutir mitigação nem condicionantes. Nós queremos barrar este projeto de morte”, aponta a coordenadora do movimento, Antonia Melo.
“É preciso constranger o governo federal”, esmiuça. “Eles não podem simplesmente passar por Altamira e consolidar essa mentira de que esta tudo bem aqui, que todos estão felizes e de que a cidade está pronta para receber Belo Monte”. Por isso, sabendo que Odileida estaria na Operação e não na sede da prefeitura, convidaram as famílias e o MTD para complementar o coro. E chegam as famílias. E fazem uma fila longa para entrar. E na revista da PM, deixam para trás bandeiras, hastes e faixas. Ali, somam-me uns 500 manifestantes. Pelo portão lateral, sem revista, entram os músicos de alguma fanfarra de jovens, carregando seus instrumentos.
Neste exato instante, A prefeita Odileida, os ministros, parlamentares e demais estão num local tranquilo, distante dos giroflexes e das sirenes dos quinze tipos policiais. Deste local, não se ouve nada, apenas alto falantes com sertanejo universitário.
Silêncio
O palco montado para a abertura permanece vazio. São 11 da manhã, e as duas manifestações confluentes compõem um organismo ansioso pela aparição de ministros, prefeitos e deputados. E nada deles entrarem. Nada de testes na aparelhagem de som.
Vão ganhando pelo cansaço; alguns dispersam pela fome; sobram uns 200 manifestantes. Esperam sentados, um tanto entediados, no único corredor onde imagina-se que eles poderiam sair. Os jornalistas, locais e nacionais, transitam perdidos pelo ginásio: “vamos pra lá e pra cá seguindo os outros câmeras, feito barata tonta”, disse um jornalista de uma emissora televisiva nacional. Checa-se com os outros câmeras e repórteres, e estes também seguem a outros. E assim se ia, sem saber onde falariam os ministros. Ninguém sabia explicar o que iria acontecer no mega-evento de inauguração da plataforma de serviços cidadãos do governo federal na região atingida pelo maior empreendimento em curso do PAC.
Um representante do poder público surge com um bloquinho de papel em branco e não-pautado. Anotam ali os nomes dos jornalistas que querem participar de uma coletiva com os ministros. Ali também informam que não haverá mais a solenidade inaugural da Operação Cidadania Xingu, com medo de maiores constrangimentos. A abertura pública num palco de pelo menos 20 metros de comprimento, telões, e dezenas de caixa de som, com ministros, deputados, prefeitos, Norte Energia simplesmente foi cancelada.
Apareceu a Margarida
Mas, antes da coletiva, por um caminho inesperado, o Ministro da Pesca e a prefeita Odileida surgem no ginásio, para visitar os stands e balcões de atendimento. Mas como formigas sentindo o açúcar, os movimentos que sobraram correm também para o local, puxam bandeiras e palavras de ordem por moradia e contra Belo Monte. A cena é constrangedora. Os ministros e prefeitos e deputados cortam as entrevistas pelo meio e voltam aos camarins… Aqui, é preciso parabenizar pela rota de fuga muito bem trabalhada. Em um minuto, eles já haviam sumido, como ratinhos em labirintos behavioristas.