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duardo Campos Lima
de São Paulo (SP)
Em uma cidade com 230 mil habitantes, manifestações de trabalhadores têm reunido multidões de mais de 100 mil pessoas, como a corrida no dia 12. Pelas ruas de Madison, capital do estado estadunidense de Wisconsin, marcham funcionários públicos sindicalizados e não-sindicalizados, muitos deles policiais, bombeiros e funcionários de presídios. Familiares e amigos solidarizam- se e unem-se aos protestos, que terminam em frente ao Capitólio, sede dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo do estado.
A revolta começou quando o governador Scott Walker, do Partido Republicano, anunciou, no começo de fevereiro, o plano de aprovar uma lei que proíbe negociações coletivas para funcionários públicos do estado, dos condados e dos municípios, aumenta os descontos sobre seus salários para custeio de plano de saúde e aposentadoria, além de possibilitar que o governo demita grevistas declarando “estado de emergência”. Apesar da onda de manifestações, os republicanos mantiveram-se firmes no intento de aprovar a lei no Senado estadual. Um grupo de 14 senadores democratas, tentando evitar a votação por falta do quórum mínimo de dois terços, deixou o estado e foi para o Illinois. Entretanto, os republicanos também manobraram: como apenas projetos de lei relacionados a assuntos fiscais exigem o quórum mínimo, eles removeram do texto medidas fiscais e puderam aprová-lo sem grandes mudanças em seu espírito original.
A entrevista a seguir, com Paul Buhle, professor aposentado da Universidade Brown, em Rhode Island, trata dos enormes protestos em Wisconsin, onde ele mora e atua como militante, e da história do movimento operário estadunidense.
Brasil de Fato – O que detonou o movimento em Madison?
Paul Buhle – Curiosamente, importantes membros do Partido Democrata recusaram-se, na “sessão lame duck” [“sessão pato manco”, expressão utilizada para se referir à reunião do legislativo que ocorre após as eleições parlamentares], a estender os acordos de negociação coletiva com os funcionários estaduais do Wisconsin, de maneira a não deixar o governador eleito de mãos atadas. Assim, quando o governador Scott Walker deu prosseguimento à efetivação de seus planos, com a eliminação por lei das negociações coletivas, os democratas se chocaram. Os 14 senadores estaduais que deixaram o estado, para impedir a votação, deram “espaço” para as ações que se iniciaram. A resposta popular foi quase espontânea, definitivamente esmagadora e incluiu grandes números de policiais, funcionários de presídios, bombeiros e outros que, normalmente, não estariam presentes em tais atividades.
Por que os protestos têm congregado tantas pessoas?
Madison é um centro histórico de atividades progressistas, desde pelo menos 1900 e até mesmo antes disso (com voluntários noruegueses e alemães que serviram na Guerra Civil para combater a escravidão, ativistas dos direitos da mulher e do voto feminino etc.). Madison gerou um vigoroso movimento antiguerra e, de tempos em tempos, muitos outros movimentos menores. A prevalência de funcionários públicos de todas as categorias encoraja funcionários do setor de saúde, professores e muitos outros a participar. Muitos habitantes têm maridos, esposas e vizinhos que são funcionários do Estado.
Trata-se de uma onde de protestos espontânea? Quão organizados estão os sindicatos e partidos de esquerda e como eles estão se relacionando com esse movimento?
Sindicatos normalmente fleumáticos têm feito um grande trabalho. A Associação de Assistentes de Professores da Universidade do Wisconsin (fui membro fundador de seu primeiro contrato de sucesso, em 1970), sempre vigorosa, desempenhou um papel central na logística, por toda parte. A esquerda é uma esquerda não-partidária ou pós-partidária, havendo milhares em Madison que podem ter passado por vários grupos socialistas (ou comunistas) no passado; superam em número, de longe, veteranos da Nova Esquerda, agora velhos,
por ativistas em políticas locais, e por aí vai. O simbolismo pesa mais do que a organização, dentro da esquerda: símbolos do sindicalismo da Industrial Workers of the World [Industriais do Mundo, sindicato industrial fundado em 1905] estão por toda parte, embora o grupo mal exista. Partidos leninistas têm muito poucos seguidores.
Trabalhadores de outros estados estão enfrentando os mesmos problemas. Há alguma perspectiva de as manifestações e a radicalização crescerem nacionalmente?
Em Indiana, os líderes da AFL-CIO [união das duas maiores centrais sindicais estadunidenses] transportaram, em ônibus, milhares de trabalhadores da parte industrializada do estado para Indianápolis, a capital, insistiram que votassem nos democratas na próxima vez e os transportaram de volta para casa. O ímpeto do momento se esgotou. É preciso esperar para ver a situação em outros estados. Os democratas, em outros lugares, apresentam pouca vontade de mobilizar por qualquer outra razão que não seja preparar sua própria eleição, e poucos democratas (como o congressista Dennis Kucinich) declararam apoio ao movimento de Madison. Barack Obama, de forma contundente, não declarou, ou melhor, sua afirmação foi tão fraca de modo a não ser encorajadora, de modo algum: ele queria que fôssemos embora e ficássemos quietos.
No mês passado, o presidente Obama acusou Walker de desencadear um “assalto” aos sindicatos. Mas antes, em janeiro, havia dito, sobre seu próprio governo: “Temos que encarar o fato de que nosso governo gasta mais do que recebe. Isso não é sustentável”. Tanto republicanos como democratas são igualmente inimigos da classe trabalhadora dos EUA?
Pouco antes de o drama de Wisconsin começar, os democratas juntaram-se aos republicanos para apoiar isenções de impostos a empresas no estado. Incapazes de imaginar uma transferência de fundos das Forças Armadas, ou uma reversão de isenções de impostos a empresas em nível estadual, os democratas só podem clamar por menores salários e benefícios, menos assistência para os pobres e por aí vai. Eles podem ser impelidos para uma trilha mais progressista. Mas isso ainda não aconteceu.
Muitos estão estabelecendo conexões entre os eventos no Egito, Tunísia e Líbia e os protestos em Wisconsin. Você vê semelhanças?
As pessoas em Madison fizeram a “Conexão Cairo” imediatamente e a sentiram de maneira profunda. Pizzas foram compradas por um ativista egípcio (provavelmente aluno da Universidade de Wisconsin) para nossos manifestantes; e muitos sinais de solidariedade puderam ser vistos. Sim, nós acreditamos que somos parte de um movimento universal.
Por que as lutas da esquerda nunca tiveram sucesso por muito tempo nos EUA?
A quantidade de membros do Partido Comunista atingiu o ponto máximo de 85 mil (os socialistas, antes da supressão entre 1917 e 1921, chegaram a 100 mil), com uma quantidade de seguidores de talvez um milhão de pessoas. Foi um partido pequeno, em relação aos partidos europeus, sendo comparável, talvez, ao Partido Comunista do Reino Unido. Movimentos anarquistas, na verdade movimentos sindicais (o Industrial Workers of the World), desapareceram gradualmente depois de 1920. Movimentos da Nova Esquerda, influenciados pelo sindicalismo e por aspectos do marxismo, não eram bem organizados, mas o Students for a Democratic Society [Estudantes por uma Sociedade Democrática, organização- chave do movimento estudantil nos anos 1960] teve 100 mil seguidores em 1968-69 (quando rachou e entrou em colapso). A esquerda estadunidense nunca teve muito poder permanente. Membros vêm e vão em ritmo veloz, algo que foi percebido já em 1880. A mobilidade de localização e remuneração é crucial, aqui, como fator desestabilizante. O fator esmagador, contudo, é o poder do capital. Os movimentos levantam- se repentinamente, e são destruídos; seus participantes seguem para outras coisas na vida.
Quais foram, historicamente, as piores dificuldades enfrentadas pelo movimento operário estadunidense?
O poder concentrado do capital para agir sobre uma classe trabalhadora cindida por etnia, raça e geografia foi catastrófico para a solidariedade operária. Mas o poder das agências de inteligência de penetrar e colaborar com os níveis mais altos da organização do trabalho também é um fator. O Império reserva grandes vantagens para o setor mais bem pago do operariado no mundo, especialmente para seus líderes organizativos. O emprego na indústria militarista eleva setores da classe trabalhadora e estimula um conservadorismo extremado. E, agora, desde o colapso do comunismo, as empresas não observam barreiras às reduções salariais e ao agravamento das condições de trabalho. Os benefícios com que contavam os líderes trabalhistas conservadores se provaram falsos (conforme nós sabíamos que se provariam).
Você tem sido um militante ativo desde os anos de 1960. Quais foram os momentos de mais esperança que você vivenciou?
O atual movimento é o mais importante desde os anos 1960 e da Nova Esquerda. É muito diferente (demograficamente, em especial), não é “revolucionário” – nenhum de seus participantes assim alega ou ambiciona – mas é enorme e talvez tenha influência suficiente para encorajar atividades semelhantes por toda a América do Norte.
Você considera que há elementos na realidade atual apontando para a possibilidade de uma revolução nos EUA?
Não há espírito ou sensibilidade “pré-revolucionária”. Mas há uma grande expectativa de que algo pode estar se inclinando contra o capital. As consequências são imprevisíveis.
Paul Buhle é um ativista de movimentos sociais desde a década de 1960, quando se engajou na luta pelos direitos civis. Em suas pesquisas, estudou os movimentos operário, pacifista, ambientalista e pelos direitos civis, além de questões ligadas a culturas alternativas. Entre os livros que publicou estão Marxism in the United States: Remmaping the History of the American Left (Marxismo nos Estados Unidos: Remapeando a História da Esquerda Americana) e Encyclopedia of the American Left (Enciclopédia da Esquerda Americana).
Crédito das fotos: Mari Jo Buhle