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Primeiro, o presidente da Tunísia, Bem Ali, renunciou ao cargo que ocupava desde 1987. Na sequência, o Egito se libertou de 30 anos de opressão, sob o domínio de Hosni Mubarak. A renúncia do presidente ocorreu após 18 dias de violentos protestos nas ruas, que deixaram 300 mortos e cinco mil feridos. Sem condições políticas, o vice-presidente também renunciou. O poder, então, foi assumido por um Conselho Militar, que pretende dirigir o país nos próximos seis meses.
Em entrevista à Radioagência NP, o jornalista e professor da Faculdade Cásper Líbero, Igor Fuser, aponta os interesses que movem os militares a conduzir a transição para um sistema democrático no Egito. Ele ainda analisa os protestos no Irã, avalia os possíveis impactos das revoltas na América Latina e explica as razões da imobilidade da população no Brasil
As revoltas populares nos países árabes têm um ponto em comum?
A mídia conservadora tenta apresentar esse processo como uma coisa específica do mundo árabe. Como se o autoritarismo, a corrupção e a injustiça fosse algo restrito a essa região. Mas na verdade o que está acontecendo lá é uma manifestação de uma situação que ocorre no mundo inteiro. No mundo inteiro está havendo aumento do desemprego, as empresas nacionais estão sendo expropriadas por empresas estrangeiras e o povo tem sido afastado completamente da possibilidade de participar das decisões.
A presença dos militares no governo do Egito pode abrir espaço para uma nova ditadura?
Dificilmente eles vão retroceder à situação em que o Egito estava até agora. Algum avanço já foi obtido e isso é irreversível. Por outro lado, os militares procuram controlar o ritmo da transição e impor limites à participação popular. Nesse sentido, é muito sintomático que eles tenham decidido que eles próprios vão elaborar uma nova Constituição e submetê-la a um plebiscito, quando o certo – em qualquer processo de democratização – é convocar uma Assembléia Constituinte para que o próprio povo elabore uma nova Constituição, através de seus representantes livremente eleitos.
Quais os interesses dos militares?
Os chefes militares – generais e coronéis, principalmente – além de exercer o poder ilimitado sobre a população, tiveram benefícios econômicos. As empresas estatais do Egito foram quase todas privatizadas nos últimos 15 anos. Muitas dessas privatizações beneficiaram os próprios militares, que se tornaram donos dessas empresas, que antes eram patrimônio do Estado. Outras empresas foram entregues ao capital estrangeiro, que também tem interesse em controlar ao máximo esse processo de transição no Egito.
Existe relação entre os protestos no Egito e no Irã?
No Egito nós tínhamos – e ainda temos – uma ditadura militar pró-ocidental controlada pelos Estados Unidos. No Irã, existe também um regime autoritário, mas de características distintas. É um regime religioso que tem a sua legitimidade assentada no ramo xiita do Islamismo. No Irã, apesar do autoritarismo, nós temos um governo eleito.
Quem são os manifestantes?
O governo do Irã possui uma grande base de apoio popular. Ao mesmo tempo, existe uma forte oposição, sobretudo nos setores de classe média, muito partidários de um estilo de vida ocidental, menos religiosos e bastante influenciados pelos Estados Unidos. Então, é mais ou menos natural que esse setor procure pegar carona no que está acontecendo nos países árabes para se manifestar contra o regime do Irã.
Que impactos as revoltas nos países árabes podem provocar na América Latina?
O que está acontecendo no Oriente Médio tem muitos pontos em comum com o que vem ocorrendo na América Latina na última década. Tanto nos países árabes quanto na América Latina, existe uma busca dos setores populares por uma maior participação nas decisões e por maior justiça social.
E para finalizar, Igor, no Brasil, a população está satisfeita com os rumos do país?
O Governo Lula é [foi] um governo de conciliação de classes, um governo que tenta conciliar uma certa redistribuição de renda, uma certa expansão dos benefícios para os setores populares com um serviço que ele presta ao capital internacional e à grande burguesia brasileira. Neste sentido, o Governo Dilma está tentando manter seu compromisso com o capital estrangeiro às custas do povo trabalhador, restringindo o aumento do salário mínimo e sendo conivente com os governos municipais e estaduais, que aumentam as tarifas [do transporte público] e assim por diante. O povo ficou muito acomodado nesses últimos oito anos. Talvez se demore um pouco para perceber que é necessário sair às ruas e tomar uma posição. Isso vai acontecer, mais cedo ou mais tarde.
De São Paulo, da Radioagência NP, Jorge Américo.