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Apesar de educativo, canal mantido pela Fundação Orlando Zovico tem programação que despreza a Constituição e os Direitos Humanos
O Ministério Público Federal em Piracicaba move ação civil pública na qual pede, ao final do processo, que seja extinta a concessão da Fundação Orlando Zovico, concessionária de radiodifusão que possui autorização para operar canal educativo de televisão na cidade de Limeira (interior de SP). A emissora exibe o programa policial “A Hora da Verdade”, no qual pessoas entrevistadas, em especial cidadãos presos, inclusive com deficiência ou menores de 18 anos, são ridicularizados por entrevistas intimidatórias ou comentários jocosos dos apresentadores.
Para o MPF, este e outros programas da emissora, são inadequados à concessão voltada para fins educativos e lesa direitos e preceitos constitucionais da pessoa humana, das crianças e dos adolescentes, os valores éticos e sociais da família. No programa “100 Protocolos”, por exemplo, exibido em 28 de janeiro deste ano, o apresentador Ivann Gomes (o humorista Batoré) disse a um músico negro: “Esse cabelo era pra ter nascido no c*! É muito ruim, cara!”.
Além disso, o canal, que é educativo, tem sua finalidade desviada, pois exibe publicidade paga e o concessionário cedeu parte de sua autorização de radiodifusão sem autorização do Ministério das Comunicações.
No pedido liminar, que será julgado primeiro, o procurador da República Fausto Kozo Kosaka, autor da ação, pede que o juízo determine, a suspensão imediata da exibição do programa “A Hora da Verdade”, uma vez que sua forma e conteúdo são incompatíveis com os fins educativos previstos no contrato de concessão, apesar de algumas mudanças editoriais já realizadas.
Caso o programa não seja tirada do ar, o MPF pede, como alternativa, a readequação da programação do canal, baseada em quatro pontos: a) readequação ao formato educativo; b) não veicular imagens com apelo sexual e não veicular imagens de presos, em especial crianças e adolescentes; c) fim da exibição de publicidade e d) informar que promoveu as mudanças na programação por determinação judicial.
O MPF passou a acompanhar de perto a programação da emissora Sistema Jornal de Rádio e Televisão, mantida pela Fundação Orlando Zovico, após receber da 4ª Promotoria de Justiça de Limeira uma denúncia de vereadores locais sobre a inadequação do conteúdo da programação do canal.
SURDO HUMILHADO – A representação dos vereadores relatava a humilhação causada a um deficiente auditivo que havia sido preso por parte do apresentador Geraldo Luís, atualmente apresentador do programa Balanço Geral, da TV Record, exibido em 1º de maio de 2006, às 18h.
O cidadão surdo havia sido preso e mesmo nessa condição de inferioridade foi entrevistado e não pôde se expressar, sendo ridicularizado pelo apresentador que o chamou de “mudinho sem vergonha” e “um ser daquele”. Não bastasse, o preso foi exposto a gestos obscenos de Geraldo Luís, em alusão à língua de sinais.
Para apurar o caso, o MPF pediu a cópia do programa, mas a emissora disse que não podia atender a requisição, pois tratava-se de programa jornalístico e que a lei de Imprensa obrigava preservar tal conteúdo por apenas 60 dias.
Contudo, durante o ano de 2007, o MPF obteve cópias VHS ou DVD de 13 edições do programa, exibidas no período de 20 de janeiro a 16 de fevereiro do ano passado, no qual o “jornalístico” exibiu o concurso “As Popozudas do A Hora”, com forte apelo sexual, e inúmeras entrevistas com pessoas presas, muitas delas menores de idade.
Do material colhido, o MPF preparou um relatório. No programa de 22 de janeiro, um repórter indaga a um menor preso preso pela PM com maconha e uma garrucha: “se continuar com granada, arma, ainda vou falar do seu cadáver” e, em outro momento, “todos os negos que nem você depois de três meses é cadáver no asfalto ou é prisão”.
RECOMENDAÇÃO IGNORADA – Diante do conteúdo inadequado do programa, o MPF pediu ao Ministério da Justiça a classificação do programa, especialmente em virtude do horário em que é exibido (na faixa das 18h). O Departamento de Justiça informou que o programa não poderia receber classificação indicativa, uma vez que se tratava de jornalístico, mas informou que a não-classificação “não isenta o responsável pelos abusos cometidos”.
Após obter informações sobre a situação da emissora, em especial sua condição de educativa, o MPF recomendou à concessionária Fundação Orlando Zovico, em dezembro passado, a readequação do “A Hora da Verdade” e de toda a programação do canal, visando o atendimento de sua finalidade educativa.
A Fundação respondeu dizendo que o apresentador não pertencia mais a seus quadros e que o programa mudara. Sobre a radiodifusão educativa, a emissora disse que havia firmado um contrato particular de parceria com o Sistema Rádio Jornal em 2004, mas o documento tinha firma reconhecida datada de 26 de dezembro de 2007.
Para saber se os programas tinham melhorado, o MPF pediu DVDs com os conteúdos e a sinopse dos programas e recebeu cópias de programas exibidos entre 29 e 31 de janeiro deste ano. Nos DVDs nada de novo, o MPF constatou que “as graves irregularidades do programa “A Hora da Verdade” persistiam, ou quiçá, restaram ainda mais agravadas”.
Nos DVDs, o MPF constatou mais do mesmo e o novo apresentador, Kléber Leite, sugeria agressões contra os presos. No dia 31 de janeiro, sugeriu a família de uma menina presa “tinha que pegar essa menina agora e falar: `minha filha, já que na boa não vai, vai no chicote´. Quem sabe não endireitava a cabeça dela?”.
Um dia antes, o apresentador havia sugerido a castração de um preso supostamente por estupro: “aí tira o trem assim pra fora da coisa, os bagos do bicho assim, eu se fosse eu já cortava com facão, mas eles vão cortar assim… que nem capa um boi, ou vai usar alicate”.
Após a recomendação e diante da não-adequação do programa “A Hora da Verdade” e também da inadequação do programa 100 Protocolos para fins educativos, ao MPF não restou mais alternativas, exceto a propositura da ação, que foi distribuída à 1ª Vara Federal de Piracicaba. Na ação, o MPF pede também que a União, por meio da Anatel, seja obrigada a fiscalizar a concessão da emissora.