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Por Michelle Amaral
Há pouco mais de 2 anos, Gerôncio Henrique Neto teve que deixar sua casa para viver de aluguel com sua família em outro bairro. O motivo foi a demolição da favela Jardim Edite, onde morava há 38 anos, realizada pela prefeitura de São Paulo em 2009 como parte do plano de revitalização da região em torno da Avenida Jornalista Roberto Marinho.
A favela ficava ao lado da Ponte Estaiada Octávio Frias de Oliveira, que faz a ligação entre a marginal Pinheiros e a Roberto Marinho. A obra integra o megaprojeto criado a partir da aprovação da lei 13.260 em 2001, na gestão de Marta Suplicy (PT), que instituiu a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, um conjunto de intervenções urbanísticas em bairros da região sudoeste, entre eles, Campo Belo, Brooklin, Morumbi e Santo Amaro.
Inicialmente, a prefeitura propunha a retirada dos moradores das 12 comunidades existentes ao longo do córrego Água Espraiada para realocá-los em habitações de interesse social (HIS); a continuação da avenida Jornalista Roberto Marinho e sua ligação com a Rodovia dos Imigrantes através de um túnel de 400 metros; e a implantação de um canteiro ajardinado em torno do córrego, a fi m de se melhorar a drenagem do solo e diminuir as enchentes, recorrentes na região.
No entanto, dez anos após a aprovação da lei, a administração pública realizou apenas a construção da Ponte Estaiada e não entregou nenhuma das moradias prometidas às famílias já removidas.
“Esse projeto, quando foi feito em 2001, era para atender as famílias carentes das favelas. Só que já estamos em 2011 e até hoje não tem uma única unidade feita”, protesta o ex-morador do Jardim Edite. Procurada pela reportagem sobre a construção das moradias, a Secretaria Municipal de Habitação não respondeu.
Mais impactos
Mesmo sem realizar o que era prioritário no projeto inicial – o atendimento às famílias que moravam ao longo do córrego –, o prefeito Gilberto Kassab (sem partido) conseguiu aprovar na Câmara Municipal de São Paulo, no dia 4 de julho, o Projeto de Lei 25/2011 que altera a lei que originou a operação urbana. Por 39 votos a 15, os vereadores aprovaram alterações que permitirão à administração municipal aumentar os impactos da operação. As principais mudanças são: o túnel de ligação entre a Roberto Marinho e a Imigrantes passará de 400 metros para 2,4 quilômetros de extensão; o canteiro ajardinado será um parque linear de 600 mil m²; também serão construídas vias laterais em torno do parque; além do prolongamento da avenida Chucri Zaidan e reformas em outras 48 ruas da região.
A lei de 2001 previa a remoção de 8 mil famílias, a maior parte oriunda das 16 favelas que contornam o córrego. Com as alterações previstas pelo PL 25/11, esse número pode subir pra 10 mil, além da desapropriação de mais 1.300 imóveis regularizados.
Para o presidente da Associação dos Moradores do Entorno do Aeroporto de Congonhas (Amea), Edwaldo Sarmento, a prefeitura de São Paulo agiu como um “rolo compressor” na aprovação do PL 25/11, ignorando a opinião dos moradores da região que será afetada. “A forma como o poder público faz é inadequada, injusta e tratoral”, afirma Sarmento.
Os moradores argumentam que as alterações propostas por Kassab, principalmente na ampliação do túnel, não trarão benefícios para a população local. O engenheiro José Orlando Ghedini, morador do Jardim Aeroporto, reconhece que a avenida Jornalista Roberto Marinho é uma via arterial importante, no entanto, afirma que a modifi cação na extensão do túnel potencializará os impactos sobre os moradores do Jabaquara para benefi ciar apenas aqueles que vêm de automóvel dos outros bairros. “Esse túnel é só para carro. Não vai poder passar ônibus e caminhão, só veículo leve. Além disso, nos 2,4 km não terá nenhum acesso para o bairro”, explica.
Incerteza
Na última audiência pública realizada sobre o tema, no dia 27 de junho, questionados sobre o valor das desapropriações previstas na obra, representantes da prefeitura disseram que a estimativa de custo depende da avaliação dos imóveis regularizados, que só seria feita após a aprovação do PL. Além disso, a licença ambiental prévia (LAP), com 61 exigências, ainda não foi votada pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CADES).
Ghendini lembra que os vereadores aprovaram o PL que altera a lei de 2001 e não um projeto específico e finalizado. “Nós perguntamos para os vereadores se tinham visto o projeto: por onde passa o túnel, por onde vai passar o parque, onde vai ter viaduto, onde vai ter passarela. E eles não viram nada”, conta.
O engenheiro afirma que, mesmo com os anúncios que a prefeitura faz do projeto, não se tem clareza sobre o que realmente será feito. “Em 2010 o projeto mudou cinco vezes. A gente tem projeto em que a minha casa está dentro [do perímetro da operação] e tem projeto em que ela está fora. É uma bagunça”, relata.
Ele conta ainda que os moradores moveram duas ações na Justiça contra a alteração na lei que instituiu a Operação Urbana. Além disso, com a sanção do PL, ocorrida no último dia 25, eles pretendem intensificar a pressão sobre o Ministério Público para que se posicione a respeito da intervenção.
Interesses escusos
A urbanista Mariana Fix relata que em 2001, quando foi anunciada a operação tinha como principal objetivo melhorar a questão da habitação para as famílias que viviam em situação de risco à beira do córrego. No entanto, houve a remoção de moradores e a demolição da favela Jardim Edite, sem que fosse construída nenhuma moradia, apenas a Ponte Estaiada. “As obras viárias são muito mais rápidas do que as para habitação”, constata.
Fix explica, no artigo “A fórmula mágica da parceria: operações urbanas em São Paulo”, que tais intervenções são utilizadas pelo poder municipal, na verdade, para a criação de novos centros de negócios ou para recuperação de regiões deterioradas.
Para o senhor Gerôncio, da forma como está sendo apresentada hoje a Operação Urbana, ao contrário do que foi dito em 2001 sobre o atendimento às famílias, “o novo projeto atende aos interesses imobiliários e vai prejudicar muito as famílias”.
O defensor público Douglas Tadashi Magami, integrante do núcleo de habitação urbana da Defensoria Pública de São Paulo, por sua vez, alerta que a administração municipal terá que reassentar essas famílias dentro do perímetro da intervenção, cumprindo o que foi determinado na criação da operação urbana.
“As operações urbanas não podem ser instrumento para o poder público financiar a valorização fundiária e colocá-la nas mãos da iniciativa privada em detrimento da população de baixa renda”, enfatiza o defensor público.