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Fotos revelam como sobrevivem hoje os índios Guarani-Kaiowá depois que foram explusos de suas terras.
Uma série de fotos feitas pela fotógrafa paulistana Rosa Gauditano mostra a luta pela sobrevivência de índios Guarani-Kaiowá na beira das estradas de Mato Grosso do Sul.
Há hoje mais de 30 acampamentos indígenas nas rodovias do Estado, habitados, em grande parte, por Kaiowás.
‘Fazem isso por desespero, mas também como uma forma de protesto’, disse a fotógrafa.
‘Eu fotografo povos indígenas há 20 anos e nunca havia visto situação de penúria tão grande. O que está acontecendo no Brasil é um genocídio silencioso’.
‘Em algum momento, os índios, os fazendeiros, o governo e a sociedade brasileira como um todo terão de chegar a um consenso e resolver a situação desse povo. São 43 mil pessoas que precisam de sua terra para viver com dignidade’.
‘E se a solução é indenizar os fazendeiros que geram riqueza para o Brasil e que adquiriram a terra por meios legais, que seja’.
Nas imagens, feitas ao longo dos últimos três anos, o povo da segunda maior etnia indígena brasileira também é visto acampado provisoriamente em fazendas onde há disputa pela propriedade da terra ou vivendo em reservas demarcadas – às vezes, à custa de sangue derramado.
Gauditano começou a fotografar povos indígenas no Brasil em 1991. Desde então, vem documentando a cultura de diversas etnias indígenas, publicando livros e realizando exposições sobre o tema, no Brasil e no exterior (ela expôs seu trabalho no centro cultural South Bank, em Londres, Grã-Bretanha, em 2010).
Ao lado de representantes da etnia Xavante, Gauditano é também co-fundadora da ONG Nossa Tribo, que tenta ampliar a comunicação entre povos indígenas e o resto da população.
Suicídios
Segundo dados do último censo, há hoje 896,9 mil índios no Brasil. Os cerca de 43 mil Kaiowás são naturais da região onde hoje ficam o Estado de Mato Grosso do Sul e o Paraguai.
Em outubro, o caso de uma comunidade dessa tribo, acampada na fazenda Cambará, no município de Iguatemi, MS, causou comoção no Brasil.
Após uma ordem de despejo emitida pela Justiça Federal, os 170 índios do acampamento, em um local conhecido como Pyelito Kue, escreveram uma carta que dizia: ‘Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui’.
A carta, divulgada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi interpretada como uma ameaça de suicídio coletivo. Ela circulou pelas redes sociais e deu origem a uma grande campanha em defesa dos índios, com protestos em vários pontos do país.
Como resultado, um tribunal decidiu pela permanência dos índios no local. Mas a situação do grupo ainda não está regularizada.
Em entrevista à BBC Brasil, Rosa Gauditano explicou por que a carta da comunidade de Pyelito Kue foi interpretada como uma ameaça de suicídio.
‘Isso foi mal interpretado, por causa do histórico de mortes por suicídio entre os Kaiowás’, explicou. ‘Não disseram que iam fazer um suicídio coletivo. A intenção era dizer ao governo federal que dali só sairiam mortos’.
O índice de suicídios entre os Kaiowás começou a crescer a partir da década de 80, quando mais e mais fazendeiros passaram a adquirir terras na região do Mato Grosso do Sul, ou receberam concessões de terras do governo. Desde então, a região se dedica à produção intensiva de soja, milho, cana de açúcar e gado.
Removidos da terra, os Guaranis-Kaiowás – que ocupavam tradicionalmente a vasta região – começaram a ser levados para reservas demarcadas pelas autoridades.
‘Essas reservas hoje têm uma população muito grande e as pessoas não conseguem viver ali do modo tradicional, não conseguem plantar ou caçar’, disse a fotógrafa.
Segundo o antropólogo do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo Spensy Pimentel, que estuda a etnia Guarani-Kaiowá e trabalha com Gauditano, há 42 mil hectares de terras demarcadas pelo governo no Estado. ‘Essas são as áreas efetivamente disponíveis’, disse Pimentel à BBC Brasil. ‘Há mais uns 50 mil hectares demarcados, mas tudo embargado pela Justiça’.
À primeira vista, o território disponível parece grande. Mas se fosse dividido entre a população Kaiowá, cada índio receberia pouco menos do que um hectare de terra – 10.000 m2 (100m x 100m). Ali, ele teria de viver e dali tirar seu sustento – algo impossível para qualquer agricultor.
Pimentel lembrou, no entanto, que esse tipo de cálculo usa critérios que não se aplicam à cultura indígena. ‘A Constituição brasileira assegura aos índios o direito às suas terras tradicionalmente ocupadas segundo seus próprios critérios’.
Espremidos em reservas superpovoadas, os índios vivem sob estresse físico e mental. O alcoolismo e o uso de drogas são comuns.
Segundo o Ministério da Saúde, de 2000 a 2011 houve 555 suicídios de índios, a maioria Guaranis-Kaiowás. E o Estado de Mato Grosso do Sul é o campeão em número de suicídios no Brasil.
Esse comportamento não é parte da ‘tradição’ da etnia, explicou o antropólogo.
‘Os indígenas mais velhos são unânimes em afirmar que, por mais que possam entender a decisão de uma pessoa que toma essa opção, eles não viram mais que um ou dois casos de suicídios antes dos anos 80’, disse. ‘Nesse sentido, os suicídios não podem ser vistos fora do contexto do confinamento dos Guarani-Kaiowá que foi produzido pelo Estado brasileiro. Foi dentro das reservas superlotadas e diante da falta de perspectiva de vida para os jovens que os suicídios se transformaram em uma epidemia’.
Beira de Estrada