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Por: Vitor Nuzzi
Publicado em 12/07/2010
Decisões tomadas na Justiça eleitoral antes mesmo de a campanha começar revelaram que uma nova frente de batalha ganha importância entre os partidos e os eleitores. Intervenções tanto de apoiadores de Dilma Rousseff como de José Serra na rede mundial de computadores puseram o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral em posição de alerta. “É, sem dúvida, o maior espaço já concebido para o debate democrático”, declarou o ministro do TSE Henrique Neves. “Isso, porém, não significa dizer que em nome dessa liberdade de expressão tudo pode ser estampado.”
A julgar pela demanda da Justiça eleitoral, a web sinaliza que não será coadjuvante. Sites, blogs e redes sociais, como Twitter, Facebook e Orkut, darão vez e voz a quem quiser driblar a propaganda e as pautas da mídia convencional. Com maior acesso das pessoas a informações, terá mais força quem demonstrar ter o melhor “produto”. No caso norte-americano, o uso da web alvoroçou a campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, sobretudo a competência do estrategista Ben Self, que coordenou o uso das ferramentas digitais. Mas antes de tudo Obama ganhou por ser Obama, uma alternativa diferenciada para suceder à administração desastrosa de Bush.
Mais do que um espaço de informações confiáveis, a internet já mostra seu poder mobilizador. Para se ter uma ideia, uma pesquisa recente apontou que os EUA têm 17 milhões de seguidores do Twitter, 63% deles com ensino superior, majoritariamente entre 25 e 34 anos. E oito em cada dez pesquisados disseram preferir tuitar a assistir à TV ou navegar na internet.
A legislação determina que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores, internet, assegurado o direito de resposta”. As doações financeiras por pessoas físicas, via web, também são permitidas.
O professor Juliano Borges, do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que a influência da internet no processo político ainda é bastante discutível, mas crescente.
A TV, diferencia Borges, caracteriza-se pela transmissão maciça, verticalizada, enquanto a internet tem arquitetura mais horizontalizada. “Já existem blogs independentes, que comentam política, repercutem e operam nesse sistema. É horizontal e também replica nas redes sociais, podendo concorrer com os blogs de jornalistas que estão em portais empresariais”, analisa o professor.
Teoricamente, qualquer pessoa pode criar um blog ou página na internet. Em muitos casos, essa preocupação torna-se coletiva e a internet se converte em espaço de serviço público e debate. Na Câmara Municipal de São Paulo, por exemplo, a curiosidade motivou um grupo que há 23 anos acompanha as atividades. “Começou numa reunião em que as pessoas começaram a falar de política e a se perguntar como as leis eram feitas”, conta Sonia Barboza, coordenadora do Movimento Voto Consciente (www.votoconsciente.org.br). Na primeira ida de cinco senhoras à Casa, elas quase foram expulsas. Hoje acompanham habitualmente pautas e projetos. O site da ONG recebe aproximadamente 15 mil visitas por mês. Em período de pico, como nas eleições, podem chegar a 50 mil. Sonia observa que as pessoas dão atenção quase exclusiva às eleições para cargos executivos, como presidente, governador e prefeito, mas deixam de lado os legislativos, responsáveis pela aprovação dos projetos.
Antecipando-se às iniciativas parlamentares – ou à falta delas –, no Rio Grande do Sul, três amigos criaram um blog Promessas de Políticos para listar promessas de candidatos durante a campanha. “O conceito de promessa aqui é muito simples: tudo aquilo prometido, planejado, proposto ou pensado pelos candidatos que pode ser cobrado ao longo dos quatro anos no cargo”, explicam no blog João Pedro Rosa e Phelipe Ribeiro, estudantes de Publicidade e Propaganda, e Willian Grillo, formado em Administração/Marketing.
O trio coleta notícias divulgadas nos meios de comunicação e recebe colaborações de fontes consideradas confiáveis. “A colaboração ainda não está no nível que desejamos, mas a cada dia a rede em torno do blog se expande. No início eram apenas amigos que contribuíam, agora já recebemos indicações de promessas de diversos estados. Após a Copa do Mundo devemos voltar com um layout diferente, instigando o público a participar mais”, diz João Pedro, claro, por e-mail. Eles costumam conversar muito e expor suas divergências. “Às vezes são discussões que duram dias, mas sempre abertas a argumentações”, garante. Para os três, a internet é um meio fantástico de livre expressão e divulgação, “mas ainda sem popularidade significativa na área da política”, o que pode ser atribuído, avaliam, a um processo de maturação desse assunto no Brasil.
“Vamos acompanhar o desenrolar de cada uma das promessas dos eleitos. A ideia é que nas próximas eleições isso sirva como uma métrica de avaliação para os candidatos, oferecendo uma ferramenta objetiva para o eleitor utilizar na sua decisão”, prevê o estudante. “Nós mesmos já tivemos mudanças de opiniões sobre os candidatos. Se conseguirmos ajudar uma pessoa que seja a qualificar seu voto baseado nas promessas, nosso objetivo será cumprido.”
Energizar a militância
O professor de Comunicação e Estratégia Marcelo Coutinho, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), vê na internet um instrumento importante para fornecer alternativas às encontradas na mídia tradicional e “energizar o trabalho dos militantes”. Segundo ele, isso aconteceu na campanha de Obama. Também foi decisivo para a aprovação da lei da Ficha Limpa. “Mas do ponto de vista da conquista de votos, a internet depende do acesso dos eleitores, que no Brasil ainda é baixo se comparado com o que acontece nos Estados Unidos e Europa, e do grau de interesse na eleição, ainda uma incógnita”, diz.
Coutinho observa que, em 20 anos, essa é a primeira eleição sem a presença de Lula, ao mesmo tempo que aparenta ser “uma eleição de continuidade, porque não existem propostas de uma ruptura radical do modelo vigente por parte de Dilma nem por parte de Serra”. Ele acredita que o impacto da web será maior nas campanhas legislativas do que nas proporcionais. “Os candidatos a deputado têm mais a ganhar com o uso da rede. Sem acesso à mídia tradicional e desconhecidos do público, qualquer informação sobre eles pode ser decisiva para o eleitor.”
Fernando Barreto, sócio-diretor da Webcitizen (www.webcitizen.com.br), empresa de informações sobre o Congresso brasileiro, avalia que a organização das informações pode derrubar a crença da falta de memória do brasileiro. “Não temos uma informação organizada de forma clara e atrativa para que se transforme em conhecimento”, afirma. A empresa criou o aplicativo Votenaweb, com dados sobre Câmara e Senado. “Fomos até consultados pela ONU, que estuda oferecer o aplicativo para outros países.”
A professora Regina Helena Alves da Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenadora do Centro de Convergência de Novas Mídias, vê no Twitter ogrande fenômeno capaz de influenciar a eleição brasileira. A UFMG coordenará um Observatório das Eleições, que entre outras ações pretende acompanhar o comportamento de jornais e blogs de análise política. Outro objetivo, diz Regina, é entender como acontece a “disseminação de boatos”. Boatos são frequentes na internet. No caso de Obama, a campanha agiu rapidamente para neutralizar notícias de que ele era muçulmano que circulavam na rede. No Brasil, também circularam boatos de que a candidata do PT não poderia entrar nos Estados Unidos por seu passado “terrorista”.
Os partidos passaram a levar mais a sério as possibilidades da internet e a contar com comandos específicos para ela. Marcelo Branco, da campanha de Dilma, vê na rede um “espaço de expressão individual” que não pode ser acompanhado pela Justiça de forma tão rígida como na televisão. Para ele, a web é um caminho para “furar o bloqueio” da grande mídia. “Queremos estimular os cidadãos que estão na rede a participar da cobertura das eleições. Eles têm o direito de se expressar no seu espaço. Tirar um blog do ar é a mesma coisa que fechar um jornal.” Branco acredita que, em boa parte pela “mediação” exercida pelas redes sociais, já não se faz jornalismo como antes. Mesmo eventuais informações incorretas podem ser detectadas com mais agilidade. “Na internet não tem menos ou mais informações falsas do que na grande mídia, mas informações falsas são desmentidas mais rapidamente por milhares de pessoas”, compara.
O coordenador de web na campanha de José Serra, Sérgio Caruso, vê um momento de aprendizado para os partidos. “Estamos aprendendo a ver os limites. Aquele limite específico do que é um voluntário (eleitor) bem intencionado e apaixonado, esse é um controle difícil”, afirmou à Agência Brasil. “O Ministério Público vai sentir o que a gente sente, que é uma dificuldade de controlar. A internet é incontrolável”, definiu Caruso. A reportagem tentou conversar com Caio Túlio Costa, responsável pela campanha de Marina Silva, mas não conseguiu.
Barreto, da Webcitizen, acredita que a internet deverá estimular os comunicadores a melhorar a relação com seus públicos, pois a credibilidade será um ponto importantíssimo a ser observado para definir o sucesso de um veículo. “Como na relação cidadão e governo, acredito que na mídia o processo está se invertendo: quem faz a pauta é o leitor e não mais o editor. O leitor decide que informação quer e pode escolher qual o conhecimento precisa para suas relações sociais.”
Coutinho, da FGV, acredita que as novas mídias podem atuar como anteparo à mídia tradicional. Os jornalistas deixam de ser fonte exclusiva do assinante ou leitor de determinada publicação e ficam mais expostos aos comentários do público, sobretudo quando falam alguma bobagem. “Isso pode ajudar a equilibrar. Mas ainda é cedo para falar que as mídias digitais são o contraponto ao sistema tradicional. O que tenho acompanhado até agora, tanto em termos de política como de comunicação de marcas, é que o verdadeiro impacto das redes acontece quando se combina com a mídia tradicional. Pelo menos para a eleição de 2010, essa dinâmica deve se manter.”
O comportamento da mídia tradicional e a possibilidade de acompanhar os sentimentos dos eleitores de classe média e mais jovens, para Coutinho, são dois elementos de maior influência da internet – o que pode se tornar um complemento importante das pesquisas de intenção de voto. Já a interatividade, apontada como o principal diferencial da rede, ainda engatinha entre os partidos, diz o professor da FGV. “É questão de ter ou não estrutura. Se o candidato abre a possibilidade de as pessoas fazerem comentários e perguntas no seu blog, precisa ter uma equipe ou processos adequados para responder. Caso contrário, é um tiro no pé”, comenta.
Entre blogueiros e internautas em geral, a interatividade é um elemento comum. Uma tentativa de aproximação entre esse público e a mídia tradicional foi feita no final de junho por um dos principais jornais do mundo, o espanhol El País, ao anunciar a criação do Eskup, uma rede social de informação. “O nascimento dessas redes na internet nos últimos anos revolucionou a forma como emitimos e acessamos informações”, diz o jornal.
O El País nomeou a veterana redatora-chefe Ana Alfageme como responsável pelas mídias sociais, seguindo os passos de outro grande jornal, o The New York Times, que em 2009 escolheu Jennifer Preston como editora para a área. “O jornalismo mudou e seria irresponsável não usar essas redes, claro que com rigor nas informações”, disse a jornalista na abertura de um congresso internacional em maio.
A palavra transparência também é citada por Ben Self para ajudar a definir a importância da internet nas eleições e o poder da rede de motivar o eleitor a se engajar na campanha: “Existem outras formas de relacionamento que não sejam com dinheiro e tapinhas nas costas”.
Acompanhe os candidatos pelo mapa interativo. Clique na imagem é vá para a página do candidato.