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Márcia Honorato
Foto: Gabriel Bernardo.
Por Leandro Uchoas
A dor de Márcia Honorato não começou agora. Também não é coisa de apenas um ano ou dois. Vítima das tragédias cotidianas do Rio de Janeiro, que relegam milhares de pessoas à pobreza, Márcia viu a ferida mais dolorosa nascer em seu corpo em 2005.
Numa tarde ensolarada de fins de março, policiais militares assassinaram 29 pessoas entre os municípios de Nova Iguaçu e Queimados, de forma gratuita. Era o 41º aniversário do golpe civil-militar de 1964. Naquele dia ela jurou que não iria desistir enquanto não levasse à Justiça os protagonistas daquela tragédia. Foi imediatamente jurada de morte. Em 2007, novo susto. Dois homens entraram em sua casa esfregando uma arma em seu rosto, ameaçando-a novamente. Teve que fugir às pressas.
Há cerca de duas semanas, Márcia seguia fazendo sérias denúncias de violência policial nos morros cariocas. Os criminosos não deixaram barato. No último dia 13, um Siena cinza foi jogado contra ela na Cinelândia, Centro do Rio. A princípio, ela pensou que era barbeiragem do motorista. No final da noite, enquanto comia um cachorro-quente em uma barraca, percebeu que os ocupantes do carro a observavam, e conversavam com policiais. Decidiu sair, caminhando, e sofreu nova tentativa de atropelamento. Ela entrou em um bar e se trancou no banheiro. Soube, depois, pelas outras pessoas, que do carro foram vistas pessoas encapuzadas.
Mais uma vez, Márcia escapou por um triz. E o que gerou comoção nos militantes de direitos humanos do Rio é a certeza de que não necessariamente será sempre assim.
Há três anos, a Anistia Internacional já recomendava a proteção de Márcia, vista como uma das principais lideranças do tratamento aos direitos humanos em comunidades pobres. Desde 2007, ela integra o Programa Nacional de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos e, agora, passará a contar com uma escolta. A ameaça mais recente tem provável relação com as atividades que Márcia foi assumindo ao longo do tempo. A Chacina da Baixada acabou levando-a à militância ativa pelos direitos humanos, em diversas lutas. Hoje, é considerada um quadro experiente da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. Lida com denúncias, elaborando relatórios, especialmente de grupos de extermínio. Segundo Márcia, a proteção oferecida pelo poder público “é uma piada.
Dois de seus trabalhos mais recentes podem ter gerado a perseguição. Márcia estava dando especial atenção a um assassinato que ocorreu na Unidade de Polícia Pacifi cadora (UPP) do Pavão Pavãozinho, na região de Copacabana. E investigava o sequestro de cinco jovens pela UPP do Morro da Coroa, em Santa Teresa. Os dois casos foram pouco abordados pela mídia comercial, ainda em “lua de mel” com as UPPs. No dia 24 de agosto, Márcia recebeu uma ligação preocupante. “Eu sou o policial que você derrubou, e agora vou te derrubar”, ouviu ela, do outro lado da linha. A pessoa seguiu ligando para ela, ficando muda na linha. Em uma ligação, Márcia ouviu: “você está arrumando muito problema pra mim. Se eu te matar, os seus problemas acabam”. Corajosamente, ela respondeu: “os meus acabam, e os seus começam.” Boa parte do efetivo da UPP do Morro da Coroa foi afastada por outras irregularidades.
No momento, Márcia tem o apoio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, comandada por Maria do Rosário. Outras entidades, especialmente no Rio de Janeiro, acompanham seu caso.
Os militantes da Rede também têm um contato histórico com entidades internacionais de Direitos Humanos, para denunciar esse tipo de acontecimento. Pela credibilidade de seu trabalho, costumam frequentemente conseguir apoio. Mas a maioria dessas instituições é de denúncia, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Não têm grande espaço para ação. E para que uma denúncia ganhe adesão da Corte Interamericana da OEA, tem que ter esgotado o processo jurídico do país – o que, no Brasil, costuma levar muito tempo.