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Rio de Janeiro – Fundado em 9 de abril de 1891, o Jornal do Brasil terá em 31 de agosto sua última edição em papel, afundado em dívidas e vendendo menos de 25 mil exemplares. Com sede no Rio, o diário com data marcada para morrer como jornalismo impresso nasceu monarquista com Joaquim Nabuco e Rodolfo de Sousa Santas, teve Ruy Barbosa como diretor e chegou a ser o mais influente do país. Era a ambição dos jornalistas nas décadas de 1970 e 1980, por sua independência editorial e bons salários e ambiente de trabalho. A partir de 1º de setembro, como informou o colunista do iG Guilherme Barros, sobreviverá apenas a edição digital do Jornal do Brasil.
O JB vinha desde os anos 90 em crise financeira aguda, que levou à sua decadência. Ensaiou uma breve recuperação em 2001, com o arrendamento do jornal pelo empresário baiano Nelson Tanure, que agora anuncia o fim de sua edição em papel. Desde então, o diário vive agonia que mistura perda de credibilidade, dívidas, forte queda em vendas e demissões em massa de jornalistas – hoje são 60, do total de 180 funcionários.
O Jornal do Brasil perdeu a influência política e o prestígio de outras épocas e, junto com isso, anunciantes e dinheiro. Vende atualmente cerca de 17 mil exemplares durante a semana e 22 mil aos domingos, de acordo com o mercado. Foi descredenciado em 2008 do Instituto Verificador de Circulação (IVC), que audita o número de exemplares vendidos das publicações brasileiras, o que desgastou ainda mais a imagem do órgão com os anunciantes.
Apesar da queda de vendas, o JB, tradicionalmente voltado para as classes média e alta da zona sul do Rio, ainda mantém fiéis leitores assinantes antigos e tradicionais.
O auge do Jornal do Brasil foi dos anos 50 a 80. Ricardo Kotscho – repórter e ex-secretário de imprensa do presidente Lula – em sua coluna no iG diz que “o JB deste tempo ainda reunia a seleção brasileira da imprensa”. “Não havia limite de despesas para se fazer uma boa reportagem. O grande sonho de todo jornalista era trabalhar lá um dia. Tinha vários craques em cada editoria. Ouso afirmar que nunca mais se montou uma redação daquela qualidade em jornal algum”, escreveu Kotscho.
A chegada de Tanure chegou a ser vista com esperança, diante da promessa de investir R$ 100 milhões no periódico. A redação ganhou nomes de peso e jornalistas foram contratados com altos salários em um projeto editorial que privilegiava reportagens especiais e analíticas, com uma primeira página ousada. Durou menos de um ano, e rapidamente a equipe se desfez.
Esta década viu o ocaso do diário, sob o comando de Tanure, entre sucessivas trocas de diretores de redação e demissões em massa de jornalistas. Como símbolo dessa decadência, em 2002, o jornal deixou a sede da Avenida Brasil – que ocupara entre 1973 e 2001 – para voltar ao endereço de sua origem, na Avenida Rio Branco. Desde 2005, instalou-se na Casa do Bispo, imóvel de estilo colonial no Rio Comprido. Já era uma fase de decadência.
Em abril de 2006, para reduzir custos do papel, o JB abandonou o formato standard tradicional pelo “europeu” ou “berlinense”, espécie de tablóide. No ano seguinte, inaugurou-se a TV JB, que durou por apenas seis meses. Ano passado, a Gazeta Mercantil, também controlada por Nelson Tanure, foi extinta após a cobrança de uma dívida de R$ 35 milhões.
Depois de 11 diretores em dez anos, Tanure tentou encontrar compradores para o Jornal do Brasil, sem sucesso. Entre os proponentes, esteve até a Igreja Universal do Reino de Deus.
História
A história do Jornal do Brasil alternou momentos de prestígio, inovação jornalística e outros menos brilhantes, em seus 119 anos de vida.
Nos anos 30, transformou-se em um “boletim de anúncios”, perdendo sua importância como órgão noticioso e se voltando para os anúncios classificados. As primeiras páginas eram inteiramente ocupadas por anúncios, e o jornal recebeu o apelido pejorativo de “jornal das cozinheiras”.
Durante a ditadura do Estado Novo, o Jornal do Brasil manteve relações cordiais com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e demonstrou simpatia com a legislação trabalhista de Vargas. Na década de 50, o JB passou por uma reforma gráfica que revolucionou a imprensa nacional e incluiu fotos na primeira página e eliminação de fios que separavam colunas de textos. Associadas à entrada de Alberto Dines, as mudanças elevaram o jornal a uma nova estatura na opinião política do país e estimulando a reestruturação gráfica dos demais periódicos. Inovou ao criar cadernos e um suplemento cultural. A linha editorial do JB foi sempre a de um órgão católico, liberal-conservador, constitucional e defensor da iniciativa privada.
O JB apoiou em editorial o golpe militar de 1964, mas preservou espaço para críticas nas colunas de Carlos Castelo Branco e Alceu do Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde. Em 1968, porém, ao registrar o Ato Institucional nº 5 – que suspendia direitos constitucionais –, o jornal teve um dos grandes momentos da imprensa nacional, ao usar a primeira página para críticas cifradas à medida do governo militar. A área destinada à previsão do tempo no alto da primeira página deu lugar dizia: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.” A foto principal mostrava Costa e Silva caindo, sob o título “tradição que se renova”; no alto, uma nota afirmava: “Ontem foi o dia dos cegos”.
No governo Ernesto Geisel, o jornal passou a ter divergências, já sob um clima de maior abertura política, em especial porque a linha editorial do jornal se opunha à estatização e defendia o livre-mercado. Por conta da atuação, porém, o diário passou a sofrer boicote econômico e teve concessões de rádio e TV negadas.
“O JB conseguiu se equilibrar entre procurar explicar o governo e defender quem era contra o governo”, afirmou ao iG o jornalista Wilson Figueiredo, que foi vice-presidente do JB. Ele atuou no diário entre 1957 e 2002 e hoje escreve coluna política duas vezes por semana.
Em 1981, uma equipe de repórteres do JB denunciou a farsa da apuração do atentado terrorista do Riocentro, ação da linha-dura do regime militar para tentar interromper a abertura política, em show em comemoração ao Dia do Trabalho. Um militar morreu e outro ficou ferido com a explosão dentro de um Puma. A cobertura recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo.
Nas eleições diretas para o governo do Rio, o jornal descobriu esquema fraudulento para beneficiar Wellington Moreira Franco, então no Partido Democrático Social (PDS), e evitar a vitória de Leonel Brizola (PDT).
Durante as Diretas Já, o diário teve postura moderada, mas apoiou o candidato Tancredo Neves como um consenso nacional.
Depois do passado monarquista, o JB defendeu o parlamentarismo durante a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, e foi contra os cinco anos de mandato do presidente Sarney, que depois teria feito pressão econômica e devassa fiscal contra o jornal, afetando suas finanças.
Na primeira eleição direta para presidente após a redemocratização, o Jornal do Brasil apoiou Fernando Collor de Mello – que curiosamente trabalhou lá como repórter –, visto como capaz de reformar e modernizar o Estado. O diário chegou a defender o polêmico Plano Collor e atacou a CPI de Paulo César Farias, mas terminou por publicar um editorial intitulado “Razões para o sim” ao impeachment.
Fernando Henrique Cardoso foi visto também com grande entusiasmo por suas qualidades políticas e intelectuais e a postura de estadista moderno, embora em seu governo tenha piorado a situação financeira do JB.
A decadência da primeira década do século 21 trouxe o confronto da tradição de um diário de peso histórico se rendendo à realidade de sua crise financeira e jornalística e à modernidade digital. O primeiro jornal brasileiro a entrar na internet é agora o primeiro a se transferir totalmente para a rede, abandonando o papel.