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Mães carregam fotos dos maridos, filhos e pais em protesto na
Praça Yasser Arafat, no centro de Ramallah – Foto: Baby Siqueira Abrão
Baby Siqueira Abrão
de Ramallah (Palestina)
No caso palestino, havia muito a comemorar. Cerca de 30% das famílias têm ou já tiveram parentes presos – o número total de prisioneiros, de 1967 até agora, chega a 700 mil. E o acordo colocou em liberdade mais de mil dos atuais seis mil cativos. No caso israelense também havia motivo para celebração. Os detentos palestinos foram trocados pelo soldado Gilad Shalit, capturado pelo Hamas em 2006 e mantido em local secreto desde então. A epopeia de todos eles corresponde, na Palestina e em Israel, à última semana de uma telenovela de sucesso no Brasil: todo mundo acompanha. Com muita emoção.
Da semana passada até agora, o assunto na Palestina e em Israel é um só: o acordo entre o Hamas, partido político que dirige Gaza, e o governo de Israel. O fato em si já chamaria a atenção, porque um acordo entre inimigos declarados é sempre notícia. Mas um acerto como o que aconteceu no Oriente Médio, e que resultou na troca de prisioneiros de ambos os lados, comoveu as duas nações.
A emoção, porém, durou até a lista dos 477 prisioneiros com direito à liberdade ser divulgada, pelo Hamas e por Israel. Essa primeira leva foi solta na terça-feira, 18 de outubro, quando Shalit atravessou a fronteira de Gaza com o Egito para ser entregue às autoridades egípcias e depois aos governantes de seu país. Pelo acordo, mais 550 palestinos devem ser libertados daqui a dois meses. Seus nomes ainda não são oficialmente conhecidos, mas a especulação, que corre solta pelas ruas, mantém a população tensa e descontente. A festa pela notícia da libertação transformou-se em anticlímax.
“Meus dois filhos não estão nas listas e continuarão na prisão”, lamenta Samia Abu Diaqiy, moradora de uma vila próxima a Jenin. Ela viajou duas horas para comparecer a uma manifestação em solidariedade à greve de fome dos presos políticos palestinos, no centro de Ramallah, dia 17. “Um deles foi condenado a 100 anos de prisão e o outro, a 85 anos. Por que ninguém pensou neles?”
Palestino protesta na
Praça Yasser Arafat, no centro de Ramallah – Foto: Baby Siqueira Abrão |
Sami e Sameer Abu Diaqiy, que cumprem pena há 10 e há 7 anos, respectivamente, tiveram a mesma sorte dos demais 4.971 presos políticos palestinos: estão fora das listas de soltura. E isso revolta os palestinos, tanto na Cisjordânia como em Gaza. Os militantes do Fatah e de outros grupos políticos acusam o Hamas de privilegiar seus correligionários. Os militantes do Hamas criticam a cúpula do partido por ter feito a escolha sozinha, sem discutir com as bases. E todos reclamam do fato de dois grandes líderes – Marwan Barghouti, do Fatah, e Ahmed Sa’adat, da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) – permanecerem atrás das grades. Segundo o Hamas, Israel vetou o nomes de Barghouti e de Saa’dat no momento da assinatura do acordo. Essa justificativa, entretanto, não convenceu muita gente.
Para Abdallah Abu Rahmah, um dos líderes da luta não violenta palestina, ligado ao Fatah, Barghouti, apesar de preso, ainda é um grande líder político e seria o vencedor das próximas eleições, caso fosse solto. Ele é o sucessor de Mahmoud Abbas, atual presidente da ANP e da OLP, que já anunciou seu desejo de retirar-se da vida pública. Sa’adat, mais à esquerda no espectro político, também é um nome importante na Palestina. Para Abdallah, ambos, se libertados, tirariam votos do Hamas e enfrentariam os sionistas sem a condescendência de Abbas. Por esse motivo, permanecerão presos.
Abdallah reconhece a importância da libertação dos prisioneiros – esteve num centro de detenção israelense durante 16 meses, até meados de março de 2011 –, mas questiona o fato de o acordo ter sido finalizado e divulgado só agora. Há um ano, segundo ele, as pessoas ligadas à direção da ANP e da OLP sabiam que os 64 meses de negociações difíceis entre o Hamas e os sionistas, com intermediação de Egito e Alemanha, já tinham apontado para um acerto entre as partes. “Eles só divulgaram agora porque precisavam de um fato político que tirasse Abu Mazen [antigo codinome de Mahmoud Abbas] da mídia local e internacional”, afirma Abdallah. “Hamas e Israel estão muito incomodados com a projeção de Abu Mazen e queriam ofuscá-lo.”
Não conseguiram porque Abbas apoiou o acordo e capitalizou-o, recebendo os prisioneiros, no dia da soltura, na sede da ANP/OLP. O Fatah, partido de Abbas, também aplaudiu o acerto. Para Abdallah, o Hamas não tem cacife para vencer o jogo político: “Eles apostam na resistência, enquanto a OLP quer construir o Estado e tem, para isso, respaldo popular”.
Parceria de futuro?
Protesto na Praça Yasser Arafat,
no centro de Ramallah – Foto: Baby Siqueira Abrão |
E daqui para a frente, como ficarão os novos parceiros? As Brigadas Al-Qassam cumprirão a ameaça de sequestrar outros soldados israelenses porque, segundo um de seus líderes, Abu Obeida, não aceitarão “nada menos do que a libertação de todos os prisioneiros palestinos”? O governo sionista recolocará na cadeia os prisioneiros que libertar, desonrando o acordo com o Hamas? Ou ambos, estimulados pela primeira negociação, serão levados a outra, essencial, pelo fim do bloqueio a Gaza?
Difícil prever. Sempre inflexíveis, as duas partes teriam de fazer concessões ainda maiores, e talvez isso não esteja em seus planos. “Seja como for, tanto Israel como o Hamas continuarão a levar adiante aquilo que julgam ser de seu interesse”, responde Mazin Qumsieh, ativista da luta popular palestina, militante de direitos humanos e professor da Universidade de Belém. “Israel continuará a ser um Estado terrorista e racista. O sionismo seguirá sendo o núcleo de sua ideologia (não separação entre a sinagoga e o Estado). O Hamas continuará a ser um movimento de resistência que não acredita na separação entre a mesquita e o Estado”, avalia ele.
Segundo Mazin, pondo tudo na balança, o Hamas obteve uma vitória política. Abbas está perdendo apoio público por suas posições contra a resistência. Mas ambos, Hamas e Fatah, terão poucas opções de agora em diante, a menos que mudem de rota. “Podem começar pela implementação do acordo que fizeram no Cairo, e que inclui a democratização da Organização para a Libertação da Palestina [OLP], a convocação de novas eleições para o Palestinian National Council [PNC, corpo legislativo da OLP que elege seu comitê executivo] e a elaboração de um novo programa político, discutido e aceito pelos palestinos da Palestina e de todo o mundo”, propõe ele. Leia mais na edição 451 do Brasil de Fato, nas bancas