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Hospitais universitários são referência para o tratamento de problemas de saúde de alta complexidade (Foto: Elza Fiúza/ABr)
Criada no final do ano passado com o objetivo de reestruturar os hospitais universitários federais do ponto de vista físico e tecnológico, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) é alvo de críticas nas próprias universidades. Na Federal do Paraná (UFPR), o Conselho Universitário decidiu ontem (30) que o controle do Hospital de Clínicas continuará sob sua própria administração. Na Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Espírito Santo (UFES), de Alagoas (UFAL) e da cidade gaúcha de Santa Maria (UFSM), entre outras, a questão ainda não está fechada. Mesmo assim, a resistência contra a adesão das instituições ao controle da nova estatal é grande. Existem no Brasil 46 hospitais universitários vinculados a 32 universidades federais. O hospital universitário da Universidade Federal do Piauí (UFPI), que ainda não entrou em funcionamento, é o primeiro a aderir.
Na interpretação de professores, estudantes e trabalhadores, o modelo de gestão previsto no estatuto da empresa, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), divulgado semana passada, pode ferir a autonomia universitária, fragilizar as relações de trabalho e abrir caminho para a privatização do hospital. Eles temem que os contratos que venham a ser assinados com a empresa contenham brechas que permitam, entre outras coisas, que esses hospitais-escola passem a cobrar por consultas, exames, tratamentos e cirurgias, firmem convênios com faculdades privadas que não têm hospitais próprios e com indústrias farmacêuticas que interfiram nas pesquisas clínicas conforme seus interesses.
“Não temos necessidade de terceirizar a gestão de nossos hospitais. Precisamos é que o MEC repasse recursos suficientes para que possamos melhorar a infraestrutura e pagar os servidores”, diz Fátima Siliansky, professora do Instituto de Saúde Coletiva e dirigente da Associação dos Docentes da UFRJ.
Privatização
“Sem o controle das universidades, essa empresa poderá vir a firmar convênios também com os planos de saúde privados, reduzindo a oferta de vagas para usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)”, alerta Rogério Miranda Gomes, professor da Faculdade de Medicina da UFPR e secretário-geral da Associação dos Professores (APUFPR). “Ou seja, em vez de atender somente de maneira gratuita, como deve ser todo hospital-escola, abre-se a chamada dupla porta, na qual usuários de planos de saúde têm prioridade no atendimento”.
Como ele lembra, esse modelo de atendimento já ocorre em outros hospitais universitários, como o das Clínicas de São Paulo, vinculado ao governo estadual paulista, gerido por uma fundação, e o São Paulo, pertencente à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), gerido por uma Organização Social (OS). “Esse tipo de gestão segue na contramão do que preconiza o SUS”, afirma o docente. Centros de formação de recursos humanos para a área da saúde, esses hospitais articulam ensino, pesquisa e extensão. São centros de referência no atendimento de problemas de saúde de média e alta complexidade no SUS. Atendem usuários do Sistema oriundos da cidade onde estão localizados e também de outras bem mais distantes – isso quando não situadas em estados vizinhos.
Outra preocupação, segundo os professores, é com a situação dos atuais servidores dos hospitais-escolas. Com a adesão, essa empresa assume o controle das instalações e dos recursos humanos. Os atuais servidores seriam colocados à sua disposição e ainda não está definido como ficaria a situação de cada um. “Novos trabalhadores não seriam mais contratados por concursos públicos, e sim pelo regime de CLT (Consolidações das Leis do Trabalho), que não é o regime da universidade”, diz Rogério Gomes. “Vínculos precários e a consequente alta na rotatividade de trabalhadores não são interessantes nem para quem trabalha e muito menos para a população atendida, geralmente com problemas de saúde graves, complexos, que exigem tratamento por tempo prolongado. Não se pode ficar à mercê desse quadro.”
Outro lado
A EBSERH nega prejuízos à autonomia universitária, que está garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal e pela Lei de Criação da Empresa (Artigos 3º e 6º da Lei nº 12.550/2011) e também ao controle social. Umas das finalidades do Conselho Consultivo, de apoio à diretoria executiva e ao conselho de administração, é exercer o controle social. Será constituído por representantes da empresa, do MEC, do Ministério da Saúde, dos usuários dos serviços de saúde dos hospitais universitários federais, indicado pelo Conselho Nacional de Saúde; dos residentes em saúde dos hospitais universitários federais, indicado pelo conjunto de entidades representativas; reitor ou diretor de hospital universitário, indicado por sua entidade representativa e dos trabalhadores dos hospitais universitários federais administrados pela estatal, indicado pela respectiva entidade.
Ainda segundo a empresa, as universidades continuarão tendo autonomia sobre as pesquisas realizadas, que são orientadas pelas políticas acadêmicas determinadas pelas instituições de ensino com as quais vier a estabelecer contrato de prestação de serviços. Os contratos, que não são obrigatórios, não serão iguais para todos os hospitais. Antes, serão feitas inspeções diagnósticas para analisar as características, dificuldades e potencialidades de cada unidade. Só a partir de então serão discutidos os termos contratuais, que poderão ou não vir a serem aprovados. A empresa nega também o risco de privatização por ser uma empresa pública, com recursos públicos.
A situação dos hospitais universitários agravou-se a partir da década de 1990, quando houve redução na realização de concursos públicos e queda nos investimentos públicos. Foram então sendo criados outros mecanismos de contratação. Hoje, na UFPR, um terço do quadro é contratado pela Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar). “Por mais que essa forma esteja longe da que consideramos ideal, pelo menos o controle é da universidade”, diz Rogério Gomes. Como ele destaca, pesquisas com a população mostram que apesar da falta de recursos, esses hospitais ainda são melhor avaliados pela população do que os privados conveniados ao SUS. “O governo deveria valorizar, contratar mais gente e não criar essa empresa. Segundo ele, o Hospital de Clínicas do Paraná tem hoje mais de 100 leitos desativados justamente por falta de recursos e funcionários.