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O câncer é atualmente a segunda maior causa de mortes em todo o mundo, sendo que 70% do total dessas mortes ocorre em países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que este ano no Brasil, mais de meio milhão de novos casos da doença irão surgir.
Uma pesquisa recente do Inca chegou à conclusão de que do total de novos casos de câncer registrados anualmente no país, ao menos 25 mil têm relação com o trabalho exercido pelo paciente. A exposição a produtos químicos e a falta de equipamentos de segurança adequados estão entre os causadores de mais de 19 tipos de tumores malignos. Os dados estão no documento “Diretrizes para vigilância do câncer relacionado ao trabalho”.
Sobre o assunto, a Radioagência NP entrevistou a coordenadora da área de câncer ocupacional do Inca, Ubirani Otero. Ela explica que muitos trabalhadores que têm contato direto com substâncias químicas cancerígenas têm maior propensão a desenvolver cânceres do que o restante da população. Entre eles estão os trabalhadores das indústrias petroquímica, siderúrgica, metalúrgica, entre outras. Ela ressalta que os trabalhadores rurais também estão expostos ao risco de câncer devido ao contato com os agrotóxicos.
Radioagência NP: Como foi realizado o estudo e a quais conclusões chegou?
Ubirani Otero: Esse trabalho não foi uma pesquisa que o Inca foi a campo para fazer. O Inca fez uma revisão bibliográfica dos principais estudos nacionais e internacionais sobre o tema. Essa publicação é resultado da contribuição de mais de 20 especialistas em saúde do trabalhador do Brasil inteiro. Essa revisão aponta para vários tipos de câncer que podem estar associados a algumas ocupações, principalmente exposições decorrentes do processo de trabalho. Exposições estas a agentes químicos e físicos.
Radioagência NP: Quais são as profissões com maior risco e a que agentes químicos esses trabalhadores estão expostos?
UO: Por exemplo, a associação que os estudos falam entre o amianto – que é uma fibra natural muito utilizada na indústria de telhas, de caixas d’água, na construção civil – e um tipo de câncer específico que é o mesotelioma. Fala da associação entre o benzeno – que é um solvente muito utilizado em vários processos industriais e, também, comum em postos de combustíveis -, então benzeno associado às leucemias. A gente fala do formaldeído – que é outro agente químico também utilizado em vários processos de trabalho, como na indústria de madeira, indústria de papel, na indústria têxtil, e agora no Brasil em salões de cabeleireiro, embora seja proibido pra esse fim -, e câncer de nasofaringe. Então, algumas atividades mais, o trabalhador de uma indústria de borracha, de alumínio, onde tem esses agentes, têm um maior risco de desenvolver certos tipos de câncer do que a população em geral.
Radioagência NP: E quanto aos trabalhadores rurais?
UO: Os trabalhadores rurais têm uma exposição muito maior a agrotóxicos. São muitos produtos no mercado, alguns a gente já sabe que são cancerígenos, outros têm uma suspeita grande de desenvolver câncer. Os estudos mais recentes têm apontado para um risco maior para trabalhadores expostos a agrotóxicos, em relação aos que não usam agrotóxicos, para câncer dermatológico, inclui leucemia e os linfomas; câncer de ovário, de testículo, de próstata; câncer de bexiga; câncer de estômago. As atenções de todo o setor de saúde e de outros setores, hoje, estão voltadas para o controle, alguns falam o combate e a gente prefere usar essa palavra, o combate aos agrotóxicos, porque muitos já foram banidos de vários países, já foram proibidos, e, no Brasil, eles ainda são utilizados.
Radioagência NP: Existem algumas medidas preventivas que os trabalhadores podem adotar?
UO: Os trabalhadores devem conhecer os riscos. Podem conversar com o médico, falar do que faz e exigir que essas informações constem do prontuário para aumentar a vigilância. Mas a gente fala que do câncer que sobre o câncer relacionado ao trabalho, são outras esferas que precisam atuar. O trabalhador pode conhecer o risco, mas às vezes não tem gerência de dizer: ‘eu não vou trabalhar mais nisso’. Outros setores é que devem apoiar os trabalhadores. Quando se atua na elaboração de leis mais restritivas ou que atua em leis que proíbam determinadas substâncias que já foram classificadas como cancerígenas, se está tomando uma medida preventiva para o trabalhador. Quando se trabalha na questão do empregador com o trabalhador, para ele reduzir a jornada de trabalho, ou leis que apóiem esse procedimento, se está protegendo esse trabalhador.
Radioagência NP: Existe um aumento no número geral de casos de câncer, a tendência é que isso também aumente nos cânceres relacionados ao trabalho?
UO: Com certeza. O câncer, na verdade, está aumentando em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Se o Brasil não tomar medidas mais restritivas para os agentes que já foram reconhecidos como provocadores, que desenvolvem tumores, que desencadeiam cânceres; a gente pode experimentar um aumento desses casos nesse grupo específico da população.