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Entretanto, uma nova etapa se iniciou para os familiares de desaparecidos, organizações de direitos humanos e para o Judiciário: pela primeira vez, um voo da morte foi concretamente identificado e os suspeitos de participação serão julgados.
Amplamente usados na ditadura, os voos da morte eram um dos métodos usados para eliminar adversários da ditadura. Os prisioneiros em atirados ao mar, vivos e, muitas vezes drogados, de aviões militares. O primeiro depoimento oficial denunciando essa prática foi feito em março de 1983 por um inspetor, funcionário do Exército. Em janeiro de 1984, foi registrada a segunda denúncia.
Nos anos seguintes, foram feitas diversas confissões. Alguns corpos encontrados no litoral ou no Rio da Prata eram de presos políticos. Apesar disso, nenhum tripulante dos voos da morte foi responsabilizado.
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Graças a documentos obtidos pelo promotor federal Miguel Osorio, mencionados pelo jornal argentino Página 12, foram encontradas pela primeira vez provas concretas indicando a ocorrência de um voo da morte.
Vítimas
No dia 14 de dezembro de 1977, entre sete e oito horas da noite, o fotógrafo Victor Basterra, preso político da ESMA (Escola de Mecânica da Armada), foi obrigado a fotografar as freiras francesas Alice Domon e Léonie Duquet. Ao fundo, foi montado um cenário planejado pelo capitão Jorge Acosta, simulando um quartel da organização de esquerda Montoneros. A ideia do repressor era fazer com que a população acreditasse que as duas haviam sido sequestrada pelos Montoneros, desviando as suspeitas sobre as Forças Armadas.
Aquela foto é a última prova de vida das duas freiras, sequestradas na igreja Santa Cruz, na cidade de Buenos Aires, junto de uma das fundadoras da Associação das Mães da Praça de Maio, Azucena Villaflor, e outros pessoas.
Às 21h30 daquela quinta-feira, dia em que habitualmente eram feitos os voos da morte, um avião da Força Aérea argentina deixou o aeroporto Jorge Newbery, em Buenos Aires. Voou apenas três horas e dez minutos, sem escalas, e retornou ao ponto de partida. Seis dias depois, restos do corpo de Léonie Duquet apareceram na costa. Somente em 2005 foi comprovado que se tratava da freira francesa.
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A existência desse voo foi comprovada por meio de uma planilha da própria Força Aérea. Diante da evidência, o promotor Eduardo Taiano solicitou a prisão e o depoimento dos tripulantes : Enrique José De Saint Georges, Mario Daniel Arru e Alejandro Domingo D’Agostino. Agora, os três devem ser acusados formalmente e o processo iniciado.
Fotógrafo
Basterra era considerado um sequestrado importante na ESMA, um dos maiores centros de detenção clandestina do país. Ele era obrigado a tirar retrato dos repressores para fabricar documentos falsos. Com acesso ao equipamento, conseguia tirar fotos dos outros prisioneiros.
O fotógrafo tinha alguns benefícios, como por exemplo, visitar sua família. Em uma dessas saídas da prisão, ele conseguiu escapar, levando consigo muitas fotos, que hoje são usadas nos processos contra os ex-integrantes do regime militar. Parte do material se tornou uma lembrança para as famílias dos desaparecidos.