Compartilhe
Por Jorge Américo
Os parlamentares receberam denúncias de que usineiros estão incentivando o uso do crack entre os cortadores, com o objetivo é aumentar a produtividade. Em muitos casos, o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar se estende por até 14 horas.
Uma pedra de crack custa, em média, R$ 2,00. O usuário pode apresentar quadros de psicose, agressividade, paranóia e alucinações. Estima-se que um em cada três dependentes morre após cinco anos de consumo crônico.
Em entrevista à Radioagência NP, o advogado do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA), Daniel Adolpho Assis, sugere que o tema seja discutido “sem pânico moral e social”. Entre outras revelações, ele aponta o aparato jurídico que prevê políticas de atenção à saúde voltadas para os dependentes químicos, porém, nunca foram implementadas.
Radioagência NP: Que interpretação você faz do relatório que mapeia a presença do crack nos municípios paulistas?
Daniel Adolpho Assis: As drogas, em geral, estão presentes na sociedade desde antes da sociedade contemporânea, moderna. São drogas que, por vezes, foram aclamadas como expansoras de consciência, como integradoras, promotoras de sociabilidade. Evidentemente, hoje em dia as drogas tradicionais não são tão alarmantes quanto o crack, que é um subproduto da cocaína. Ele prejudica a integração social e familiar. Esse tipo de droga deve ser observada com mais cuidados e políticas específicas de atenção e prevenção.
Radioagência NP: Existem dispositivos legais que asseguram o direito ao tratamento para dependentes?
DAA: Temos programas que vão desde o Estatuto da Criança e do Adolescente, até as diretrizes de atenção à saúde mental, passando pelo campo da assistência social que carecem de implementação. Desde a Constituição de 1988, depois a Lei Orgânica da Assistência Social, com o SUS [Sistema Único de Saúde] e a Lei de Reforma Psiquiátrica, temos um campo vasto para o planejamento de políticas que propiciam a promoção e a proteção dos direitos dessas pessoas que aparentam dependência e demandam tratamento.
Radioagência NP: Por que o problema persiste?
DAA: Esses programas e serviços não foram implementados. Agora o alarme é maior porque tem muitas pessoas morrendo ou pelo uso da droga ou por causas associadas.
Radioagência NP: O que impede a criação de programas na área da saúde pública com foco nas drogas?
DAA: Mesmo nessa porcentagem de 12%, ainda que seja pouca, não sabemos em que medida ela é repassada para os municípios por meio do Estado, que também tem a obrigação de repassar 12% do seu orçamento e passa só 5%. E ainda tem outro problema, que é o fato de 80% dos municípios paulistas não terem um porte populacional que justifique a criação de determinados serviços especializados. Isso faz com que os municípios tenham que construir consórcios intermunicipais. Neste caso, eles se aglutinam em torno de um município maior e aí a densidade demográfica final justifica a criação do serviço.
Radioagência NP: Qual a melhor forma de prevenção?
DAA: Não há como prevenir se o cidadão não tem informação sobre o uso, o acesso e os efeitos dela. Quando a gente vai para o campo do tratamento – que é chamado de prevenção secundária ou terciária – é preciso ter serviços especializados, mas sem manter o pânico moral e social que é disseminado sem o contato com a realidade das drogas, sem o contato com pessoas que usam e aparentam dependência química.
Radioagência NP: Como você avalia o consumo de crack por cortadores de cana, como tentativa de aumentar a produtividade?
DAA: Ainda não foi exterminado o trabalho forçado e o trabalho escravo propriamente dito no Brasil. Há muita gente que ainda morre por exaustão. Ou seja, por efeito negativo e danoso na saúde a partir da exploração do trabalho. O crack vem para anestesiar, sendo uma droga potente e extremamente aditiva, que causa dependência rapidamente.