Compartilhe
Por Lúcia Rodrigues
A presidente Dilma Rousseff já tem em mãos o manifesto, assinado por intelectuais, artistas, ativistas de direitos humanos, parentes de vítimas da ditadura militar, ex-presos políticos e representantes de movimentos sociais, que pede alterações no projeto de lei do Executivo que cria a Comissão da Verdade. O projeto, aprovado na Câmara dos Deputados no último dia 21, aguarda para ir a voto no Senado. Se aprovado, segue para sanção da presidente.
O documento foi entregue à chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, por uma comissão de familiares de vítimas da ditadura militar, ao final da passeata que ocorreu na última sexta-feira, 30, na avenida Paulista, para exigir a punição dos torturadores. Dentre os vários pontos que os ativistas reivindicam que sejam modificados no projeto de lei do governo, está o que impede que o resultado das investigações da Comissão da Verdade seja encaminhado ao Judiciário, para a responsabilização de militares que torturaram e assassinaram ativistas de esquerda durante a ditadura que vigorou no país de 1964 a 1985.
Clique aqui para ler e assinar o Manifesto
Os manifestantes não aceitam que militares integrem a Comissão da Verdade e pedem a abertura imediata dos arquivos das Forças Armadas para se conhecer a verdade sobre o que aconteceu no período. Eles também querem que a Lei de Anistia, que indultou os militares, seja revista e que a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, a Organização dos Estados Americanos, que condenou o Brasil no final do ano passado pelos crimes cometidos por agentes das Forças Armadas durante a ditadura, seja cumprida.
Rosemary informou à comissão de parentes e aos jornalistas, que a presidente Dilma ainda despachava no Palácio do Planalto e que receberia o documento por fax. A Carta Aberta do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça distribuída à população durante a passeata também foi entregue à chefe de gabinete da presidente.
Segundo ela, Dilma irá dar uma resposta aos parentes de mortos e desaparecidos, mas não soube precisar se o retorno será dado ainda esta semana.
Pressão popular
Ativistas que participaram da passeata na avenida Paulista estão convencidos de que somente manifestações públicas podem pressionar pela efetivação de uma Comissão da Verdade que apure os crimes da ditadura militar. Eles não acreditam que o texto possa vir a ser alterado no Senado e apostam na conscientização da população.
“Passeatas como está são muito importantes. A pressão da sociedade alarga os objetivos e a correlação de forças muda. Temos de estar nas ruas para informar a população sobre o que ocorreu na ditadura militar”, frisa a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), que acompanhou todo o trajeto à frente da marcha e sob uma faixa que pedia punição para os torturadores da ditadura.
A luta de Erundina para passar o país a limpo é antiga. Quando foi prefeita da capital paulista (1989 – 1992) sua administração localizou uma vala no Cemitério de Perus, na periferia da cidade, onde vários militantes políticos assassinados pela ditadura foram enterrados com nomes falsos por agentes da repressão.
O ex-ativista da Ação Libertadora Nacional (ALN) e ex-senador na Itália José Luiz Del Roio é outro que não acredita em mudanças no texto e aposta na mobilização da sociedade para reverter o projeto que deverá ser chancelado no Senado. “Sinceramente não acredito que ocorra nenhuma alteração. Fui parlamentar e sei como a máquina funciona. Mas mobilizações como esta ajudam a acumular forças. A divulgação do que aconteceu é fundamental.”
Ele explica que em outros países, os projetos que criaram comissões da verdade também apresentaram vários problemas e não previam a responsabilização dos torturadores no início. No caso da Argentina, Del Rio conta que foi o relatório do escritor Ernesto Sábato que possibilitou a formação de uma segunda comissão da verdade, que pode promover a responsabilização dos agentes da ditadura naquele país.
“O relatório Sábato chocou a sociedade por sua contundência e isso permitiu que fosse convocada outra comissão da verdade que responsabilizou os torturadores”, ressalta. “Aqui temos o problema da Lei da Anistia, mas na Argentina também havia. Se tiver mobilização da sociedade o quadro muda. E se tivermos um Sábato na Comissão aí podemos ter esperança”, completa Del Roio, ao se referir à importância na escolha dos nomes que irão compor a Comissão da Verdade.
Contra ditadura
A estudante de Artes Plásticas da USP, Cândida Guariba, neta da teatróloga Heleny Guariba, assassinada na Casa de Petrópolis e que até hoje engrossa a lista de desaparecidos, afirma que a pressão popular é fundamental para se conseguir uma Comissão da Verdade que realmente investigue os crimes da ditadura militar. “A sociedade precisa se organizar”, enfatiza.
Cândida integrou a comissão de parentes que entregou o Manifesto à chefe de gabinete da presidente Dilma, ao lado da ex-guerrilheira do Araguaia Criméia Almeida e de Angela Mendes de Almeida, ex-companheira do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado sob tortura no DOI-Codi paulista em julho de 1971, comandado pelo coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra.
“É muito duro e difícil de entender que em uma democracia não se investiguem os crimes da ditadura. Eu queria perguntar para a Dilma porque não se faz isso. É muito frustrante”, ressalta Criméia, que foi torturada pelo coronel Brilhante Ustra aos sete meses de gravidez. Ela também perdeu o companheiro, André Grabóis, e o sogro, Maurício Grabóis, assassinados pelas Forças Armadas, no início dos anos 1970, na Guerrilha do Araguaia. Os corpos dos dois guerrilheiros estão desaparecidos até hoje.
Angela considera as adesões ao Manifesto, que tem entre os signatários o cantor e compositor Chico Buarque, a juíza Kenarik Boujikian Felippe, a procuradora da República Eugênia Gonzaga, o dirigente nacional do MST João Pedro Stedile, o ator Osmar Prado, a atriz Bete Mendes, o escritor Frei Betto e o sociólogo Michael Löwy, entre outros, ao lado de manifestações de rua contribuem para pressionar por uma Comissão da Verdade que possa responsabilizar os crimes da ditadura. “Tem muita gente assinando o Manifesto. Isso é o que vai fazer a configuração mudar.”
“Não acredito em nenhuma modificação do texto no Senado. O importante é fazer com que a informações sobre o que ocorreu na ditadura cheguem à população”, afirma Marco Antonio Santos, do Coletivo Contra a Tortura. Ele considera que a passeata da última sexta-feira em São Paulo “é o embrião para se ganhar mais pessoas para formação de um bloco de resistência”.
Para o vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Marcelo Zelic, os documentos que fazem parte do acervo Brasil Nunca Mais devem servir de base para o aprofundamento das investigações pelos integrantes da Comissão da Verdade.
FOTO: Fábio Nassif