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Lula chegou a ironizar a revista Veja, referindo-se a ela como “uma revista que eu não sei o nome, acho que é ‘Olha’, se fosse no nordeste chamaríamos de ‘Zoia’”.
A resposta da mídia veio em editoriais, artigos e até em um ato com cerca de 100 pessoas em São Paulo, que ganhou manchete no jornal O Estado de S. Paulo – o único veículo até o fechamento desta edição que declarou abertamente sua preferência por José Serra (PSDB).
Neste ato, ocorrido no dia 22 de setembro, algumas personalidades como o jurista Hélio Bicudo, dom Paulo Evaristo Arns e três ex-ministros de FHC criticaram uma suposta tentativa de cercear a democracia, por meio da “volta da censura”. Por outro lado, movimentos pela democratização das comunicações e centrais sindicais realizaram um ato com mais de 500 pessoas no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, no dia 23 de setembro.
Um outro manifesto criado por juristas como Márcio Thomaz Bastos (ex-ministro de Lula) e Celso Antonio Bandeira de Mello (professor da PUC) e Dalmo Dallari (professor da USP) afirma que o Brasil vive em plena liberdade de imprensa e não há porque temer a censura.
Sem indícios
Para o sociólogo do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília (UnB), Fábio Senne, não há nada que sinalize que o governo esteja flertando com o autoritarismo e com a censura. “As declarações do presidente podem ser criticadas eventualmente pelo tom utilizado, pela postura que entenda como adequada para um estadista diante do processo eleitoral, ou, num debate de mérito, se a visão que Lula expressa sobre a imprensa é a mais correta. De forma alguma, porém, vejo ameaças concretas à liberdade de expressão deflagradas por estas declarações, ou pelo conjunto das ações do governo na área da comunicação”, afirma.
Os críticos ao tratamento do governo dispensado à imprensa evocam o PNDH-3, a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e a tentativa de criação do Ancinav (uma agência reguladora do audiovisual) como exemplos de investidas da atual gestão contra a liberdade de imprensa. “Do ponto de vista do conjunto das ações do governo Lula para o setor, não vejo ameaças concretas à liberdade de imprensa, como argumentam alguns colunistas e associações empresarias do setor. É possível identificar, claro, equívocos importantes do governo, como foi a tentativa de expulsão de jornalista correspondente do New York Times – erro assumido por integrantes do governo. Nos demais episódios frequentemente mencionados – como o debate sobre o Conselho Federal de Jornalistas (CFJ), a Ancinav, o PNDH-3 e a realização da Confecom – o debate público foi claramente vetado ou enviesado nos grandes veículos de comunicação, e não constituem, a priori, afrontas à livre expressão”, aponta Senne.
O sociólogo compara o caso brasileiro com o que acontece nos EUA, país cujo direito à livre expressão não é questionado pela imprensa brasileira. “Têm sido muito lembradas nesse momento, como ponto de comparação, as declarações da diretora de comunicações da Casa Branca, que no ano passado acusou a Fox News de atuar como ‘braço armado do Partido Republicano’ e afirmou que o governo tratará a Fox ‘como um oponente’. Não vimos, neste episódio, o governo Obama ser taxado de promover atentados à liberdade de expressão”, ilustra.
Para o presidente do centro de estudos Barão de Itararé, Altamiro Borges, a imprensa no Brasil goza de plena liberdade e usufrui até de uma “libertinagem”. “Não há ameaça alguma à liberdade de imprensa. Em qualquer país do mundo uma revista que colocasse a foto do presidente com um chute no traseiro [como edição da Veja de 2006] sofreria um processo. As medidas que o governo pensou para democratizar as comunicações foram travadas. Não temos nem lei de imprensa, não temos nenhuma regulamentação do trabalho do jornalista que pode ser cada vez mais precarizado. [A grande mídia] não tem do que reclamar”, opina Borges, que foi um dos organizadores do ato do dia 23.
Mudança de postura?
Para Borges, o momento atual é o de maior acirramento entre o governo e a mídia. Segundo ele, Lula só foi afirmar no final de seu mandato que a mídia age como um partido – “antes tarde do que nunca”.
O jornalista afirma que há algumas mudanças importantes no segundo mandato de Lula e há boas sinalizações para um eventual governo Dilma. “O primeiro governo foi covarde diante da mídia. Cedeu em vários aspectos, num misto de ingenuidade e pragmatismo. Exemplo disso é a escolha do padrão japonês para a TV digital e o recuo na criação de um conselho nacional de jornalismo. Já a segunda gestão tem apresentado medidas interessantes, como a criação da Empresa Brasileira de Comunicações [EBC], a convocação da Confecom e uma nova politica de publicidade, que não deixa as verbas totalmente concentradas na grande mídia. Agora, sinaliza que há mais medidas a serem tomadas nessa área midiática. Quando ele diz que a mídia é um partido político, mostra que é necessário um novo marco regulatório para a área”, conclui.
(Leia mais na edição 396 do Brasil de Fato, que já está nas bancas)