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Guatemaltecos vão às urnas: vitória de Otto – Pérez Molina, do Partido Patriota – Foto: Spot Us
Diferentemente dos países vizinhos El Salvador e Nicarágua – que também passaram por processos de guerra civil insurgente que se concretizaram em conquistas eleitorais –, a esquerda da Guatemala parece não transcender como partido político. No domingo, dia 6, milhares de cidadãos guatemaltecos foram às urnas eleger presidente do país o candidato da extrema direita, Otto Pérez Molina, do Partido Patriota (PP). Em uma disputa eleitoral cujo espectro ideológico foi dominado pela direita, o principal tema das campanhas foi o da segurança – apesar de o país sofrer com outros problemas sérios como a pobreza e o desemprego, agravados pelas tempestades tropicais que assolaram o país no último mês.
Neste ano, o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) da Guatemala trouxe à luz dados que expõem a frágil democracia alcançada com os acordos de paz de 1996, que determinaram o fim da guerra civil. De acordo com o INE, 27% da população adulta é analfabeta, as taxas de desnutrição infantil chegam a 49% e apenas 37% dos jovens em idade escolar estão matriculados na educação secundária. Somam-se a esse quadro as elevadas taxas de desemprego, que fazem com que 59% da população economicamente ativa estejam no setor informal.
No entanto, o tema da segurança encontrou terreno em uma população traumatizada por 36 anos de guerra e amedrontada pelo crime organizado e a marginalidade. A Guatemala possui uma das maiores taxas de homicídio do mundo, com 41,4 assassinatos para cada 100 mil habitantes, segundo recente relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU)
Mão de ferro
Otto Pérez Molina, ex-chefe do departamento de inteligência do exército, apresentou-se como o candidato “mão de ferro”, enquanto seu adversário no segundo turno, o empresário Manoel Baldizón, do Partido Líder (Liberdade Democrática Renovada), também de direita, defendeu a pena de morte. Essas eram as opções dos eleitores guatemaltecos. Ambos os candidatos foram acusados por ONGs de direitos humanos de contar com dinheiro do tráfico de drogas em suas campanhas milionárias.
Carlos Barrientos, dirigente do Comitê de Unidade Camponesa (CUC), organização indígena e camponesa que era ligada ao Exército Guerrilheiro dos Pobres (EGP) nos anos de 1980, denuncia que esse medo que a população sente em relação à violência pode ser algo planejado. “Nós achamos que muitos casos de violência são provocados pelas mesmas pessoas que fizeram campanha com base no tema da segurança, como é o caso do Partido Patriota, que tem como candidato não só um ex-militar, mas um ex-militar que participou do conflito armado interno, que tem responsabilidade no massacre que ocorreu” afirma.
O dirigente camponês cita como exemplo o fato de que na primeira fase da campanha aconteceram muitos assassinatos suspeitos de motoristas de ônibus, criando um alarmismo na sociedade. “Um dos candidatos a deputado do atual governo acusou diretamente o PP de estar armando isso. O PP negou veemente, mas, curiosamente, diminuiu o número de assassinatos depois dessa denúncia”.
Acordos de paz
É a primeira vez que um militar chega ao poder desde 1985, quando terminou a sucessão de cinco governos militares ditatoriais. Mas, afinal, por que o acúmulo de 36 anos de organização revolucionária não se refletiu em vitória eleitoral? Por que a Frente Ampla – coalizão que congrega os partidos de esquerda, sendo o principal deles a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), convertida em partido político em 1999 – nunca passou dos 15% de votação?
Eleições colocaram no cargo um militar, o que não ocorria no país desde 1985 |
Carlos Barrientos explica que essa derrota é proveniente da dominação ideológica da direita, que avançou muito desde os acordos de paz. “Esses anos que chamamos de ‘tempo de paz’ também foram anos de ofensiva neoliberal e de busca de consenso através de distintas formas: educação, igreja, meios de comunicação”, analisa o dirigente da CUC. “Isso explica uma situação estranha: comunidades que se levantaram contra projetos de mineração, por exemplo, votam em peso em candidatos de direita. Podemos verificar isso nos resultados das eleições nesses municípios” exemplifica.
Por outro lado, aponta o dirigente, as organizações revolucionárias abandonaram o método do trabalho de base como forma de se contrapor à dominação ideológica da direita. “No tempo da guerra, quando não havia internet nem celular, as pessoas estavam mais informadas nas comunidades, porque havia toda uma estrutura organizativa que se responsabilizava por fazer chegar a informação. Como tudo isso se desmobilizou com os acordos de paz, essa estrutura já não se manteve com as mesmas funções, senão com outras. E o espaço foi ocupado pelos meios da direita, com toda a carga ideológica que eles têm”, explica.
Contexto mundial
Simona Yagenova, pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), concorda que a desmobilização das estruturas clandestinas foi um “erro colossal” do movimento revolucionário. “Não soubemos dimensionar o custo disso. As pessoas que ficaram nas montanhas durante 20 anos, quando desmobilizadas, foram estudar, estruturar sua família, regressar a suas comunidades – do qual tinham todo o direito”, relata. “O que não se previu suficientemente foi a estratégia na construção do partido político URNG. Pensava-se que os companheiros das montanhas passariam automaticamente à luta partidária, o que não aconteceu. E isso determinou uma ruptura entre uma forma (movimento popular) e outra (partido). A intenção de converter esse movimento em partido jamais funcionou”.
A pesquisadora também chama atenção para o contexto mundial em que se deram os acordos de paz. Segundo ela, era um momento de avanço do neoliberalismo e o movimento revolucionário – àquela altura muito golpeado pelas forças repressivas do Estado, que assassinou a mais de 200 mil pessoas – já não possuía força militar para derrotar o exército contrainsurgente. “Tínhamos uma correlação de forças desfavorável naquele momento. De um lado, o Estado e as transnacionais viam nos acordos uma oportunidade de capitalização e aprofundamento do modelo neoliberal. Por outro, nós queríamos um Estado mais democrático, social, que passasse por uma transição com base em um profundo conteúdo popular, o que era muito difícil, naquele contexto”.
Outra explicação para a derrota eleitoral da esquerda, segundo a análise de Carlos Barrientos, é a falta de um (a) candidato (a) de prestígio. “Rigoberta Menchú, candidata da Frente Ampla, tem muito reconhecimento a nível internacional, mas muito pouco a nível nacional. Ela chegou a ser parte da direção da CUC, mas deixou de ser uma lutadora para se converter em personalidade, desvinculando-se da luta e das suas raízes. Isso explica porque teve uma votação tão baixa”, critica. Rigoberta ficou famosa internacionalmente quando ganhou o prêmio Nobel da Paz, em 1992. Nestas eleições, obteve somente 3,25% dos votos.
Um povo rebelde
Apesar do quadro desalentador, Simona Yagenova é otimista sobre o futuro da esquerda na Guatemala. “Apesar de tudo, o povo guatemalteco é enormemente rebelde e consegue se rearticular depois de cada derrota”, diz. “Agora estamos em um novo ciclo de lutas em que nos perguntamos: ‘a guerra não podemos mais fazer, os acordos de paz fracassaram, o partido político não está funcionando; o que vamos fazer?’. Estamos nessa busca. E estamos recuperando conceitos perdidos, como a luta de classes, a necessidade de refundar o Estado, de criar um novo instrumento de luta”.
De acordo com a pesquisadora, nos primeiros quatro meses de 2011 houve 172 protestos no país. “Precisamos de uma condução e de uma estratégia, senão todas as lutas que ocorrem no país não mudarão nada efetivamente”. Carlos Barrientos concorda sobre a necessidade de um novo instrumento político.
“O próximo governo será de direita como o atual e não vai mudar nada em relação ao problema da terra, das empresas transnacionais de mineração, petróleo, construção de megaprojetos, sua vinculação com os tratados de livre comércio e o enfoque neoliberal”, analisa. “E por isso é necessário pensar em um instrumento político diferente. E pensar num projeto que vá além de decidir quem será o próximo candidato. É preciso retomar o que se reivindicava no processo de luta armada”.