Compartilhe
Apesar de negar que a programação esteja sendo afetada pela greve, que iniciou no dia 31 de agosto e que representam todos os trabalhadores da emissora (faxineiros, copeiros, camareiros, advogados, professores de educação física, operadores de câmera, editores de imagem, produtores, editores de texto), exceto jornalistas, a direção da emissora convocou todos os assalariados para fazer um comunicado na sexta-feira, 10 de setembro. O palestrante escolhido pelos proprietários, que estão em férias, fora do país, para passar o recado do que pensam do movimento grevista e para distribuir ameaças aos que estão do lado de fora e de dentro da emissora, foi Amilcare Dallevo Neto, o filho mais velho do acionista majoritário, Amilcare Dallevo Jr.
Neto, como é conhecido pelos trabalhadores, iniciou a reunião forçada pouco depois da hora marcada, duas da tarde. Segurando o microfone como um rapper, tentando aparentar certa informalidade e descontração, vestindo roupas simples, mas de marca, começou a falar enquanto câmeras captavam a reação dos trabalhadores e a sua. Disse que a empresa já passou momentos muito piores e que os salários não estavam atrasados dessa vez, como em anos anteriores. Por isso, não entendia o descontentamento. “Hoje, nós não devemos um real de salário”, afirmou. Alguns, constrangidos, cochichavam ao colega ao lado que, sim, a empresa estava em dia, mas com uma defasagem salarial de quase 20 por cento.
Até que Neto soltou a primeira pérola ou torpedo, indicando que a paralisação pode ter consequências para todos. “A gente tá cutucando numa ferida que pode haver um desfaturamento (sic) da emissora. As pessoas investem nas companhias que elas confiam. E é a nossa companhia. A companhia que paga o meu salário, que paga o seu salário. O salário de todo mundo. E se a gente vai bem vai todo mundo bem.” Ele revelou que recebeu telefonemas de vários fornecedores preocupados, querendo saber o que está acontecendo.
Por várias vezes, o filho do dono da RedeTV! agradeceu aos trabalhadores que estão furando a greve. “Frente a tudo isso que a gente passou (sic), eu me senti no dever e no direito de dizer obrigado para todos vocês que estão aqui. Obrigado!”, explicou Neto. Mas, os agradecimentos não esfriaram a irritação de muitos. Nos corredores da TV as reclamações e revolta são constantes de pessoas que estão fazendo hora extra e se desdobrando para suprir o trabalho de dois, três ou quatro. Isso apesar de a emissora ter contratado uma terceirizada de limpeza e estar usando web repórteres para superar o número reduzido de cinegrafistas, muitos estão do lado de fora, em greve. Contratar gente para substituir grevista é ilegal.
E em seguida, Neto emendou com mais uma ameaça, esta direta para os trabalhadores do lado de fora da emissora. “Nós não vamos negociar estabilidade de emprego. Eu não acho fair, com o salário em dia, a gente negociar estabilidade de emprego. Quando a gente deve, abaixa a cabeça e pede desculpas. A gente não deve. Se há uma coisa que não está na mesa é estabilidade de emprego. De jeito nenhum. Sou um cara que tenho que me manter pelos meus princípios.”
O filho do sócio majoritário repetiu o discurso padrão da emissora, para justificar a negativa em reajustar os salários dos radialistas pelo índice da inflação (há quatro anos a TV não concede qualquer correção). Ele disse que a RedeTV!, assim como outras empresas do setor, sofreu com a crise sanitária.
Nesse período, além dos novos ganhos com a estreia dos sorteios de prêmios que ajudam a manter a receita da RedeTV!, a emissora fechou contratos milionários com a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, governo do estado de São Paulo e outras importantes instituições públicas, contratos que não existiam à época do governo anterior, do então presidente Michel Temer. A RedeTV! também recebeu investimentos milionários do Bradesco, Itaú, Facebook, Ultrafarma, Vivo, Casas Bahia, Sky Pré-Pago, Bigtrail e Cartão de Todos. Tem ainda os merchants e os horários vendidos a igrejas neopentecostais.
A emissora de Osasco chegou a ser, até os primeiros meses deste ano, a maior no YouTube em todo o mundo. Atingiu o número de 10 milhões de seguidores no Facebook. A própria empresa postou os resultados de seu desempenho na internet. “De novembro de 2017 a julho de 2020, são mais de 6,8 bilhões de visualizações de vídeos e mais de 9,8 bilhões de minutos visualizados no canal principal da emissora, o facebook.com/RedeTV!.” Tudo isso significa dinheiro em caixa.
Já nos minutos finais do discurso, Neto continuou as ameaças de demissão aos grevistas. E então bateu palmas aos trabalhadores que estavam lá com ele, furando a greve. Poucos o acompanharam e aplaudiram, apesar das câmeras que captavam as reações do público.
Após a primeira audiência de conciliação, na semana passada, em que a Justiça propôs reajuste de 17% em três parcelas, a emissora fez uma contraproposta bastante aquém, na quinta-feira (9), de repor as perdas pela inflação apenas até 2020, com aumento de 7,70% nos vencimentos dos trabalhadores pagos em três parcelas.
Em dez dias de paralisação, os radialistas da RedeTV, na capital paulista, receberam apoio de diversas entidades e categorias que se solidarizaram com a situação de desespero e miséria em que vivem as famílias dos trabalhadores da quinta maior rede de televisão do país e a que menos paga. Entre as organizações que expressaram apoio estão as centrais sindicais CUT e Intersindical Instrumento de Luta (com todos os seus sindicatos filiados), a publicação Esquerda Diário, os trabalhadores da EBC, o Sindicato dos Jornalistas no Estados de São Paulo, sindicatos de radialistas de Goiás, do Distrito Federal, do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará, Bahia, Espírito Santo, Piauí, os servidores do DETRAN do Rio Grande do Norte e o Sindicato dos Metroviários de São Paulo.