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Por Gabriela Moncau
No olho da rua: O único filme brasileiro que foi selecionado, em 2010, pelo Festival Internacional de Montreal (Canadá) para participar da Competição Mundial de Primeiros Filmes e do Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericana de Havana (Cuba) – Seção Operas Primas. Estreante em longa-metragem, o cineasta Rogério Corrêa, junto com um elenco que conta, entre outros, com Murilo Rosa, Leandro Firmino da Hora, Pascoal da Conceição e Gabriela Flores, conta uma história a respeito do desemprego no Brasil, a desvalorização do trabalhador e a flexibilização das relações de trabalho.
Na trama, um metalúrgico do ABC Paulista, Otoniel Badaró, 38 anos, é demitido depois de 20 anos trabalhando na mesma fábrica. Com um filho pequeno e a esposa grávida, passa a buscar perspectivas para a sobrevivência diante do desmoronamento da única fonte de sustento da família. O filme estreia em São Paulo e no Rio de Janeiro dia 13 de maio.
O diretor Rogério Corrêa faz cinema desde os anos 1970 e tem no seu currículo mais de 30 curtas e médias metragens. Entre elas, Roças (1975), Tem coca-cola no vatapá (1977), Os Queixadas (1978), Negra noite (1985), Ícaro (1987), Carpinteiros do mar (2005), Duplo território (2009). Corrêa conversou com a Caros Amigos a respeito do novo filme, suas influências, dificuldades e próximos projetos. Confira:
Caros Amigos – Por que a escolha do tema das relações de trabalho e do desemprego para a sua primeira longa-metragem? O que o fez mudar da primeira ideia de fazer um documentário para a elaboração de uma ficção?
O trabalho sempre foi um tema que me interessou muito. Meu primeiro filme, feito ainda na ECA-USP, chama-se ROÇAS, e é sobre as roças comunitárias do município de Barreirinhas, no Maranhão, em 1975. Eu acompanho o movimento sindical há muito tempo. Em 1978 eu fiz um documentário chamado OS QUEIXADAS, que tem como tema a greve dos trabalhadores da fábrica de cimento Perus, em 1962. Neste filme os trabalhadores qua haviam feito a greve reconstituiam o movimento através de um laboratório de memória, ou seja, eles representavam as cenas que haviam vivido realmente.
Acho que o movimento trabalhista é responsável pelo avanço político e social da sociedade. Se não fossem os sindicatos estaríamos trabalhando 18 horas por dia ainda hoje, em condições de escravidão. Eu sempre quis fazer uma ficção mas fui buscar na realidade elementos para construir uma história verossímil.
Caros Amigos – Como se inspirou para a escolha da trama? Como desenvolveu a pesquisa sobre o tema do filme?
Comecei a pensar na história em 1999, quando o número de motoboys na cidade aumentou muito, fruto da falta de emprego para os jovens que chegavam na idade de se profissionalizar.
Comecei a conversar com pessoas que estavam nesta situação e depois entrevistei sindicalistas, economistas e sociólogos que estavam pensando sobre esta situação. A partir daí surgiram os personagens e a trama do argumento.
Caros Amigos – O que definiu a escolha das características do personagem principal, encenado por Murilo Rosa? Existe uma analogia com a sua própria vida?
Murilo interpreta OTON, um metalúrgico, pois percebi que esta era a categoria que mais estava sofrendo o desemprego estrutural. O setor metalúrgico foi o que mais se informatizou, robotizou, e tirou funções do homem passando para as máquinas. A analogia com a minha vida vem do aspecto que o produtor cultural é um cara que está sempre tendo que encarar o trabalho temporário, pois raramente tem trabalho fixo. É uma pessoa que não tem a menor estabilidade e vende o almoço para comprar o jantar.
Caros Amigos – Por que a escolha da cidade de São Paulo?
São Paulo é a minha cidade, embora não tenha nascido aqui. É também a cidade do trabalho, das oportunidades. E se está faltando emprego aqui é sinal que o resto do país também sofre a mesma situação. Ela é o melhor microcosmo para falar do universo do trabalho e da sobrevivência.
Caros Amigos – A profissão do protagonista é justamente de uma das categorias que durante os anos 1980 mais conseguiu se mobilizar para reivindicar por direitos trabalhistas, organizar greves, lutar contra a ditadura, etc. No filme você retrata a tentativa de organização do setor dos metalúrgicos hoje em dia, como você vê o movimento dos trabalhadores na atualidade?
O setor dos metalúrgicos foi o de maior força sindical e foi determinante para reestabelecer a democracia, prova é que fez o presidente da República e muitos outros políticos influentes.
Mas hoje é a atividade que mais sofre concorrência da robotização e a falta de espaço na fábrica leva a categoria a ser temerosa nas lutas por avanços sociais.
Caros Amigos – Como você avalia a produção cinematográfica brasileira nos últimos tempos? E o incentivo público para esse tipo de produção cultural?
O cinema brasileiro está atrás da ampliação de seu público, pois qualidade sempre teve. Nesta busca obsessiva pelo espectadores a produção traz filmes de grande valor e outros nem tanto, como qualquer cinematografia. O filme é arte enquanto está sendo realizado mas vira produto assim que fica pronto. Produto tem que vender, senão a produção para. E esta cobrança para vender é que aflige o cineasta e muitas vezes ele não consegue satisfazer.
Sou favorável a todos tipos de cinema onde o realizador mantenha sua honestidade. Com exceção da indiana, o incentivo público é adotado por todas as cinematografias, a norte-americana inclusive. Mesmo o cinema francês e o espanhol, que produzem grandes filmes ao lado de outros comerciais, têm o apoio do estado, e porisso podem revelar grandes filmes vez ou outra.
Caros Amigos – O custo total do filme foi de 940 mil reais. Quais as maiores dificuldades que enfrentou para filmar o longa com esse orçamento?
Fizemos o filme contando os tostões mas não posso me queixar de ter faltado algo. Fiz o filme que queria, com a equipe e o elenco que queria. Dinheiro é bom mas quando é demais cria compromissos que pesam sobre a criação.
Caros Amigos – Quais são seus próximos projetos?
Meu próximo projeto se chama MEU LADO DAQUI, SEU LADO DE LÁ, um drama romântico passado em São Paulo, tendo como pano de fundo a luta pela recuperação dos rios que cortam a cidade.