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No momento em que o governo envia proposta de novo marco civil ao congresso, onde diversos PLs de retrocessos na liberdade de expressão estão colocados, é necessária a mobilização da sociedade civil.
A mobilização inicial para a preparação do fórum contou com a mesma diversidade que se espera nas discussões dos dias 13 e 14 de outubro. A primeira reunião aberta aconteceu no último dia 18, e contou com representantes de organizações não governamentais, movimentos sociais, entidades sindicais, academia, governo e empresários. Sérgio Amadeu, membro do CGI.br pela sociedade civil, conduziu com propriedade o debate sobre o fórum, que pretende “discutir os principais desafios da internet no Brasil hoje, acompanhar os temas e questões mais relevantes para a consolidação e expansão da internet no Brasil”. Espaço de discussão, não de deliberação e votação, o fórum deve absorver a participação de todos os segmentos da sociedade, e não apenas dos “entendidos” no assunto. “As decisões não são apenas técnicas, elas interferem na vida do usuário”, continuou o professor Amadeu.
Não bastasse o último acordo do governo com as Teles, que transfere para a iniciativa privada o controle de um setor estratégico, está novamente no ar a ameaça do “AI-5 digital”, do senador Azeredo, e da aprovação de outros projetos de lei favoráveis ao capital. Apesar disso, a principal discussão na reunião ampliada do CGI.br foi sobre a oportunidade do seminário. Eduardo Levy , Conselheiro CGI.br, representante dos Provedores de Infraestrutura de Telecomunicações, foi o primeiro a propor o adiamento, por considerar “muito apertado o prazo” para a organização do evento. Mas não foi só o setor empresarial que defendeu o adiamento, outros segmentos também se mostraram divergentes.
Enquanto para Everton Rodrigues, do gabinete do governador do RS, Tarso Genro, o “fórum chega num bom momento”, para Rômulo, do Itamaraty, “precisamos de mais tempo para fazer evento melhor; ainda não me convenci pelos argumentos da urgência do evento”. O representante do Ministério das Relações Exteriores acredita que “o governo deverá estar sub-representado, pois está com uma série de problemas.” Everton acredita que todos os temas terão representatividade grande, já que a internet exige uma discussão complexa. “Os governos querem, muitas vezes, democratizar seus serviços, disponibilizar, mas os estamos sob controle total da qualidade da internet”, diz o gaúcho.
Mil pessoas nas trilhas
Defendendo a proposta inicial do CGI.br, Sergio Amadeu lembra que a internet está sendo “alvo de propostas de mudanças absurdas”, e esses temas estarão candentes em todo o mundo no mês de outubro. “Liberdade, privacidade, é importante, mas há muitos projetos na Câmara tentando restringir estes princípios”, diz o professor. Amadeu acha que o Brasil tem tido posições interessantes na questão da Governança da internet, mas precisamos saber “como é feita a governança, a Anatel pode entrar nisto? Vamos discutir a participação do Brasil na Governança mundial”.
Espera-se entre 600 e 1.000 pessoas no Fórum, que será realizado no Expo Center Norte, em São Paulo, com estrutura para mil. Os temas foram agrupados no que se chamou de trilhas. A princípio a proposta tinha oito trilhas, mas o comitê gestor da internet, no dia seguinte deliberou por reagrupá-las em seis, a partir de sugestões levantadas na reunião aberta. As trilhas estão organizadas por categorias e por tags no site do Fórum, que conterá também documentos que subsidiem a discussão. Cada trilha terá uma coordenação com um representante de cada um dos quatro setores que compõem o CGI.br (governo, empresas, academia, sociedade civil), além daqueles que farão as provocações iniciais.
Os debates nas trilhas ocorrerão concomitantemente durante os dois dias de evento. São elas:
1. Liberdade, privacidade e direitos humanos 2. Governança democrática e colaborativa 3. Universalidade 4. Diversidade e Conteúdo 5. Padronização, interoperabilidade, neutralidade e Inovação 6. Ambiente legal, regulatório, segurança e Inimputabilidade da rede
“Os temas se baseiam nos princípios da governança da internet no Brasil”, diz Veridiana Alimonti, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “O fórum é um trabalho para aprofundar estas questões nas entidades, entre os ativistas, e levá-las para quem ainda não tem proximidade. Este é o início de um debate, de um processo, outubro será o início desse processo”. Para Sergio Rosa, diretor da Cobra Tecnologia, o momento é bom inclusive para maior institucionalização e novo papel para o CGI.br. “Ontem os canais lamentavam a aprovação do PL 116, porque as teles poderão transmitir os programas de TV e eles estão perdendo mercado”, disse o executivo, “é o momento em que o Brasil discute o PNBL, propício para maior empoderamento do Comitê. Queremos que tenha mais poderes deliberativos sobre os assuntos de internet, comunicação, conteúdo e similares”.
Falando em conteúdo, esta temática não fora prevista a princípio, mas foi levantada por duas ativistas. Sueli Schiavo, do Conselho Regional de Psicologia, destacou que “a questão de conteúdos não está considerada e com a convergência de mídias hoje na internet se faz necessário”. A psicóloga criticou o PL 116, que aguarda sanção da Presidência, sobre a falta de clareza no tipo de conteúdos propostos. “Falta no país educação para a mídia, as pessoas não sabem receber a mídia com a devida crítica”. Também Odete Cruz, da ABPITV – Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão, reivindicou o tema conteúdo. “A ABPI vem trabalhando a questão do conteúdo, muito importante; internet é outra plataforma de distribuição, não só entretenimento, deve ter conteúdos educativos e informativos”.
Os empresários estão ainda de olho nos 9 bilhões do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, criado em 2000 com o objetivo de desenvolver a inclusão digital em regime público. O FUST é disputado pelas operadoras desde sua instituição, as teles prometem sempre universalizar o serviço se receberem este dinheiro. Mas, se elas não fizeram isso nem cobrando alto? Nós todos sabemos como está inacessível a telefonia e a internet em muitos lugares do Brasil. E se formos pensar na qualidade então… quem pode pagar hoje, mesmo nos grandes centros, por uma banda larga larga e de qualidade? Com o “pacote de bondades” assinado pelo Governo, as empresas poderão colocar o serviço apenas onde é mais lucrativo, expande-se em quantidade sem cuidar da qualidade.
Como diz João Brant, do Intervozes, “a idéia de um pacote popular, que poderia ser o início, a base de um plano, tornou-se o próprio plano”. A Telebrás deveria ter papel estratégico, mas aqui o governo não quer que o Estado atue nesse serviço essencial, não está vendo a internet como direito de cidadania. Brant acha que o fórum ajuda inclusive a visibilizar o CGI.br, e defende a publicação no site de teses sobre quaisquer das temáticas e que possam ser colocadas por qualquer participante. Para Pedro Markun, da Transparência Hacker, o fórum deve ser para os internautas em primeiro lugar. “Sou internauta, e estamos absolutamente preocupados com liberdade e privacidade na rede. O internauta está completamente ‘desempoderado’ nessa discussão. Não somos 3º setor, somos uma comunidade de internautas, o processo deve ser construído coletivamente na rede”.