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Por Marco Antonio Araujo
Eu me encontrei por acaso com Marcelo Tas semanas após a badalada estreia do CQC, há uns três anos. Na despedida, brinquei: diante do sucesso, cuidado para não entrar em pânico. Ele não gostou da piada.
Talvez porque ele fosse o alvo da brincadeira, talvez por não gostar da ironia alheia. Tanto faz, é a mesma coisa. O fato é que o trocadilho era bom. E se mostrou muito pertinente.
Logo de cara, não me deixei levar pelo entusiasmo dos que viam no programa da Band um exemplo de juventude e inteligência a serviço do humor e do jornalismo.
Primeiro, porque nem as duas primeiras nem os dois últimos costumam se misturar. Segundo, porque nada disso prospera na TV. Foi questão de tempo para que a máscara caísse.
Não a máscara de palhaço, porque esse nobre papel a notória vaidade dos integrantes do programa jamais permitiria assumir. Eles não estão lá para divertir ninguém, mas para se divertirem. Custe o que custar.
Parafraseando Ferreira Gullar, o humorismo não foi feito para humilhar ninguém. Eu, particularmente, não vejo graça em pessoas serem expostas ao ridículo. Fico indignado, apenas.
E o CQC repete esse truque à exaustão. É sempre a mesma piada, com os mesmos personagens, semana após semana. Um porre, portanto. Há quem viva bêbado, e os que gostem de se sentir assim, bem sei. Ainda mais se as vítimas dessa embriaguez forem pessoas poderosas. Já que políticos nos ferram tanto, eles que se ferrem também. Poderia até ser, mas não é o caso.
Seria, se esses paladinos do humor brasileiro realmente enfrentassem os corruptos, os demagogos e os canalhas. Mas não. Tirando raríssimas exceções, quem vai para o cadafalso são insignificantes figuras do terceiro escalão das mazelas deste país.
Funcionários públicos de carreira, prefeitos de cidadezinhas, assessores e aspones, sub-celebridades que merecem mais piedade que desprezo. É essa a fauna que alimenta o apetite do programa em parecer inovador e corajoso.
Lamento, mas acho que o humorismo que eles fazem é covarde. E o jornalismo é de tocaia. Induções a erro, armadilhas. Caçadores de cabeça, quase mercenários.
Sintomática é a profusão de merchandisings. Todos muito bem feitos, criativos, dinâmicos. Diria até que é o que há de mais ousado. Talvez saibam fazer dinheiro mais do que provocar risadas.
Ok, normal. Hoje em dia, todo mundo quer ganhar uns trocados. Milhões de trocados, de preferência. Ainda mais tirando uma da cara dos outros.
A edição, não há dúvidas, é o que dá sustentação ao programa. Moderna, ágil, esperta. Aqueles narizes de Pinóquio, as bochechas vermelhas, as marteladas na cabeça, quase sempre são esses efeitos gráficos que nos levam a esboçar algum sorriso.
Mas esses recursos de pastelão são também essencialmente desonestos. O entrevistado não tem como se defender. Pode estar falando algo digno, mas que sucumbirá a uma torta na cara. E as piadas, convenhamos, são tristes. Alguns exemplos:
“Será que o Lula, como pai solteiro do PAC, vai molhar a chupetinha numa pinga pra relaxar a criança?”
“É aqui a reunião da máfia? “, perguntam a um parlamentar, na porta da festa de aniversário de José Dirceu, que “deu o primeiro pedaço de seu bolo de aniversário a Belzebu.”
“Cid Moreira é um dinossauro vivo da TV brasileira.”
“Ronaldo Ésper incendeia a rosca”.
Ao vivo, o jogador santista Paulo Henrique Ganso não confirma sua ida ao Corinthians antes da transferência para a Europa. Um dos moços da bancada diz, soberano:
“É como se falassem para o príncipe William: Tudo bem, você pode casar com a gostosa da Kate, mas primeiro tem que dormir seis meses com a Regina Casé”. Não é hilariante chamar uma mulher de feia?
Numa festa, o “repórter” fica esculachando anônimos alcoolizados. Quando chega a Andrea Beltrão, lambe a atriz como se fosse um fã. Diante do ator Paulo Cesar Pereio, fica miudinho. Quanta rebeldia, né?
Não é justo esquecer as pérolas que Danilo Gentili e Rafinha Bastos desovaram em seus respectivos twitteres. São perversidades antológicas:
“Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que chegaram perto de um metrô, foram parar em Auschwitz”.
“Aê, órfãos! Dia triste hoje, heim?”, em pleno Dia das Mães.
Sem comentários. Eu não consigo rir de nenhuma dessas maldades. Para mim, isso tudo simplesmente não é engraçado. É mau gosto, grosseria, apelação ou deselegância. Apenas.
Não é o caso de fazer patrulha contra esse anedotário chinfrim. Se alguém quer sintonizar na deles, bom proveito. Deve haver quem goste, com certeza.
Mas já deu tempo de colocar algumas coisas em seus devidos lugares. O CQC é um programa reacionário, despolitizante, preconceituoso, repleto de piadinhas infantis.
Não por acaso, deu voz ao extremismo de Jair Bolsonaro, quando foi distorcida uma de suas respostas. Conseguiu insultar até Renan Calheiros (ao compará-lo canhestramente a Fernandinho Beira-Mar). Aposta na incivilidade. Criou monstrinhos que saem por aí fazendo molecagens.
Não é verdade que se pode fazer humor a qualquer preço, custe o que custar. O próprio lema já é de dar calafrios. E não é nem um pouco engraçado.