Diferente de grande parte dos jornalistas de redação, a repórter Natalia Viana faz da sua carreira uma empreitada independente, sem o interesse de “vestir a camisa” de nenhuma empresa jornalística, embora ainda há quem a chame de “A Natalia daCaros Amigos”. Se for preciso, Natalia aceita receber um salário até 10 vezes menor – como já fez -, tudo para alimentar a sua maior paixão e ser fiel ao que a motivou pela carreira jornalística: a produção de grandes reportagens investigativas.
Devido ao seu histórico e perfil profissional, Natalia aceitou colaborar recentemente para um projeto internacional, conhecido mundialmente pelo histórico vazamento de informações. Como define a repórter brasileira, “o
Wikileaks chegou até mim”. Na entrevista abaixo, Natalia Viana fala sobre as carências da mídia brasileira, a legitimidade jornalística do Wikileaks e sobre o seu interesse de fundar um núcleo investigativo de repórteres no Brasil.
1) É seguro se lançar no mercado como um jornalista independente?
Seguro não é, eu acho que a pessoa que escolher este lado terá que penar bastante, mas eu acho que estamos numa época que nos permite isso. Cada vez mais há repórteres e jornalistas (independentes), só que os repórteres e jornalistas da indústria de revistas e jornais ainda têm um pouco mais de resistência a isso. Por quê? A pessoa tem que ser a Natalia de tal, como as pessoas ainda me chamam de “A Natalia da Caros Amigos”. Eu sou uma jornalista que eu mesma me pauto, vou atrás de histórias, o que não significa que eu deixe de seguir princípios éticos.
2) O que te levou a atuar de forma independente, ao invés de integrar uma redação?
Quando eu saí da faculdade, comecei a trabalhar no site Terra. Eu ficava escrevendo e reescrevendo releases o dia inteiro, aquilo não era nada do que eu esperava do jornalismo. Foi quando eu soube que estava saindo um estagiário da Caros Amigos e fui conversar com Sérgio de Souza (falecido fundador da revista). Ele disse que se eu quisesse, poderia trabalhar lá, mas ganhando 10 vezes menos do que recebia. Então, resolvi ir porque prefiro fazer uma coisa que faz sentido ganhando pouco.
3) E como tem sido desde então?
Desde que fui parar na Caros Amigos, com 21 anos, eu vivo de propor e fazer pautas. No começo eu fazia pautas vendáveis para Claudia, Capricho, Vejinha. Depois de um tempo na Caros Amigos, consegui voltar para o lado que mais gosto: direitos humanos, questões políticas, econômicas e movimentos sociais. Hoje em dia eu consigo trabalhar só com estes temas, o que é o grande sonho da maioria dos jornalistas: fazer reportagens grandes e aprofundadas sobre um tema que se interesse.
4)Há uma carência da grande mídia em abordar temas sociais?
Sim, acho que tem pouca cobertura de questões sociais e direitos humanos. No Brasil, por exemplo, tem um jornalismo investigativo muito bom com relação ao poder público, mas fraco na investigação sobre o que fazem as empresas.
5) O interesse público do jornalismo é o que te move a trabalhar em projetos como o Wikileaks?
Sim, o interesse público é o principal, mas na verdade falta saber justamente o que é interesse público. No Brasil, isso fica limitado à corrupção governamental. As ONG’s, a própria organização civil e os movimentos sociais devem ser monitorados. Onde tem coisa errada tem que ser mostrado.
6) Certa vez o editor da The New Yorker disse que o Wikileaks não é jornalismo por não contextualizar as informações. O que você acha dessa afirmação?
Essas pessoas fazem jornalismo há muito tempo e fazem muito bem. Mas não é porque este é um modelo novo que não seja jornalismo, assim como uma nova tendência na arquitetura e as pessoas mais tradicionais dizerem que não é arquitetura. O Wikileaks funciona dentro dos parâmetros do jornalismo, mas de uma maneira nova. Eu acho normal que falem “Ah, isso não é jornalismo”, mas não adianta ficar negando que não existe, é uma tendência que não vai acabar.
7) E o governo americano tem pressionado o jornal The New York Times por ser parceiro do Wikileaks?
Eu não posso dizer o que aconteceu lá dentro, mas é muito claro que o The New York Times sente a pressão, ele é o único veículo dos EUA com acesso ao material e que está publicando. Antes do lançamento dos documentos, o NYT teve uma reunião com o governo americano para dizer sobre o que tratavam os documentos do Wikileaks.
8) Como os outros veículos brasileiros de imprensa reagiram ao fato de O Globo e Folha de S. Paulo receberem os documentos com exclusividade?
Sinceramente, recebi e-mails de muitos veículos, isso é super compreensível, e recebi também e-mails agressivos e grossos, o que não é tão compreensível, mas tudo isso faz parte de uma estratégia do Wikileaks, nada aleatório. Como o Assange deixou bem claro, a estratégia do Wikileaks é ter a presença mais forte no Brasil, por isso a colaboração com os maiores jornais.
9) Como você avalia a cobertura da mídia brasileira sobre o Wikileaks?
Achei que a repercussão dos documentos no Brasil foi muito boa, a mídia brasileira está cobrindo super bem, dando destaque e muitos dos veículos do Brasil estão sendo muito mais progressistas do que a mídia americana. Os documentos estão sendo lidos, relidos e trelidos por três veículos –Wikileaks, O Globo e Folha – quer dizer, um grande interesse por estes documentos. Eles estão saindo aos poucos, sendo disponibilizados e um monte de gente está prestando muita atenção neles, uma estratégia que está dando muito certo.
10) O que você projeta para sua carreira quando sua colaboração para o Wikileaks se encerrar?
Eu penso bastante na questão de que é necessário um instituto de investigação independente no Brasil, acho que tem espaço. Estou conversando com algumas pessoas sobre talvez fundar um núcleo com um grupo de repórteres que façam reportagens de forma independente. E aí precisa avaliar se o mercado brasileiro se interessa por este tipo de projeto, mas conversando com pessoas da grande imprensa, eles têm muita vontade de que seja feito este tipo de jornalismo. Em vários países do mundo, os jornais possuem um núcleo de investigação dentro da equipe, aqui no Brasil há muito pouco.