Compartilhe
CPI tem objetivo de apurar os motivos dos incêndios; alguns ocorreram em áreas de interesse de especulação imobiliária (Foto: Danilo Ramos)
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos incêndios em favelas, instalada em 11 de abril, não ganha atenção dos partidos ligados à prefeitura de São Paulo nem da oposição. Das cinco audiências marcadas, apenas as duas primeiras ocorreram, porque as demais não atingiram a presença mínima de quatro vereadores, todos da base aliada. Na outra ponta, o PT teria direito a duas vagas e abriu mão de ambas, de acordo com a Secretaria das CPIs, da Câmara Municipal de São Paulo.
A próxima audiência está marcada para depois do recesso parlamentar, em 8 de agosto, exatamente quando termina o prazo de investigação da CPI, de 120 dias. Segundo a Secretaria, é possível prorrogar o prazo por igual período, porém, todos os processos devem ser encerrados até o final deste ano, devido ao fim dos mandatos dos vereadores.
“Caso, em função de tempo, não seja possível se chegar a um parecer, solicitaremos prorrogação do prazo”, afirmou o presidente da comissão, vereador Ricardo Teixeira (PV), por e-mail. A reportagem tentou contato por telefone e não obteve sucesso.
A CPI é composta pelos vereadores Souza Santos (PSD), Edir Sales (PSD), Aníbal de Freitas (PSDB), Toninho Paiva (PR) e Ushitaro Kamia (PSD), todos da base aliada da prefeitura de São Paulo, liderada pelo Democratas (DEM).
A escolha dos partidos que comporiam a comissão atendeu a proporção de representatividade na Câmara. Nessa lógica, o PT teria direito a duas vagas, porém abriu mão de ambas. A recusa deve-se a uma decisão do partido de não participar de nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito até que seja instalada a CPI do Hospital Sorocabana, para investigar irregularidades na gestão do órgão, fechado há mais de um ano.
De acordo com a assessoria de imprensa do partido, o PT reconhece que a falta de membros da oposição na CPI pode representar uma perda para as investigações, mas avalia que o posicionamento foi uma questão de prioridade da bancada. A Rede Brasil Atual tentou contato com vereadores, mas também não obteve sucesso.
Uma das vagas do PT foi transferida para o PCdoB, que indicou o vereador Jamil Murad. “Meu nome foi inscrito sem me questionarem a respeito. Infelizmente tive de desistir por não ter disponibilidade de tempo, pois participo de três comissões e sou líder da bancada”, disse. O outro vereador do partido por São Paulo, Netinho de Paula, era pré-candidato a prefeito na época e não pode assumir a vaga devido à agenda da campanha.
Entrega atrasada
Nas duas primeiras reuniões da comissão, realizadas em 11 de abril e 10 de maio, os participantes convocaram o coordenador da Defesa Civil de São Paulo, Coronel Jair Paca de Lima, para depor sobre as ocorrências. Ele, porém, não compareceu na data prevista, de acordo com a Secretaria das CPIs.
Os vereadores decidiram também solicitar documentos oficiais sobre as ocorrências para órgãos responsáveis, entre eles a Secretaria de Assistência Social, a Secretaria das Subprefeituras, a Secretaria de Segurança Urbana, a Polícia Civil do Estado de São Paulo e o Corpo de Bombeiros.
O prazo para entrega terminou na última quarta-feira (4), porém a Secretaria das CPIS informou que, até as 14h30 daquele dia, não havia recebido nenhum documento e que algumas instituições entraram com pedido de ampliação do prazo, alegando demora na tramitação interna.
Baixa presença
As audiências canceladas estavam marcadas para 30 de maio, 13 de junho e 27 de junho, porém não ocorreram por não atingirem a presença mínima de quatro vereadores.
As reuniões eram marcadas entre as 12h e as 14h. Questionada sobre o fato de o horário coincidir com o período de almoço dos vereadores, a Secretaria das CPIs afirmou que não havia disponibilidade de salas em outro momento. A Comissão não chegou a nomear o relator, nem o vice.
Incêndios
A Comissão tem o objetivo de apurar os reais motivos dos incêndios, uma vez que alguns ocorreram em áreas de interesse de especulação imobiliária. “Se analisarmos os incêndios percebemos que pouco espaço de tempo o número aumentou exageradamente e o espaçamento entre um e outro é muito pequeno. A idéia de CPI é pedir todo o histórico dos incêndios para os bombeiros e Defesa Civil para ver quais as verdadeiras causas destas tragédias neste setor da sociedade”, afirmou Ricardo Teixeira, em seu blog.
Há quatro anos, incêndios em favelas têm sido recorrentes, somando mais de 530 ocorrências, de acordo com o Corpo de Bombeiros de São Paulo. Em 2008 foram registradas 130 ocorrências, em 2009; 122, em 2010; 91 , e 189 em 2011.
Só em agosto de 2010 houve ocorrências no Parque Jabaquara, no Recanto dos Humildes (Perus), no Jardim Rodolfo Pirani (zona Leste) e em Tiquatira (Penha). Em 2011, os incêndios foram na Favela Jaguaré e Favela do Moinho (Centro). Em 2012, na Favela do Leão (Jaguaré), Paraisópolis, Favela do Corujão (Vila Guilherme).
O líder comunitário Manoel Otaviano da Silva, da favela de Heliópolis, que registrou um incêndio em 2008, conta que o motivo oficial alegado para as ocorrências é o grande número de “gatos e gambiarras para conseguir luz”. “Mas sempre ficam dúvidas. Para nós é muito importante esclarecer os fatos”, disse.
Para a advogada popular Celeste Maria Gama, a composição da CPI é duvidosa. “Mesmo que tivessem representantes da oposição seriam apenas duas vagas. Fora isso, a comissão não previu espaço para representantes da comunidade”, afirma a jurista, que trabalha com questões de moradia no Escritório Modelo da PUC-SP.
“Não temos certeza se a CPI foi criada com o propósito de fazer uma apuração de fato ou se surge para dar uma resposta para o poder municipal e para a opinião pública”, avalia. “Enquanto isso, ficamos sem investigações para os casos. Há acusações que os incêndios teriam propósito de limpeza social ou especulação imobiliária dos terrenos, mas não temos provas. Caberia à CPI apurar.”