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Em termos de crescimento, um dos setores que mais tem se destacado no Brasil é certamente o da construção civil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o incremento no 1º semestre deste ano foi de 15,7% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Em julho de 2010, a somatória de trabalhadores formais na construção civil foi recorde, de acordo com pesquisa mensal do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O levantamento registrou 2,7 milhões de pessoas no setor. Em 2010, são mais de 314 mil novos postos. O índice é 12,79% maior que a quantidade de empregos dos sete primeiros meses de 2009. Os dados acumulados dos últimos 12 meses mostram um aumento de 16,67%.
O crescimento também é expressivo em São Paulo, estado mais rico do país. Os formalizados da construção chegaram a 742 mil. Houve, nos 12 meses, 78,7 mil contratações – 11,86% a mais que o período anterior.
Os vistosos números seguem acompanhados, contudo, de outros dados preocupantes relacionados à garantia de trabalho decente. Aspectos como acidentes (e subnotificações), intensificação, terceirização e informalidade ainda ameaçam a dignidade plena dos trabalhadores do setor.
Com base na observação de 58 mil situações de riscos em cinco grandes obras espalhadas pelo país, uma consultoria privada identificou 12,3 mil (22%) situações de desvios dos padrões recomendados quanto ao risco de quedas de pessoas e materiais, especialmente para trabalhos em altura.
Dados disponibilizados pelo Ministério da Previdência Social (MPS) fornecem um quadro mais amplo. Por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível notar que os acidentes de trabalho na construção civil cresceram 69,3%entre 2006 e 2008. O número de óbitos aumentou 25% no mesmo período e os acidentes que causaram incapacidade permanente subiram 37%. Impressiona ainda mais o salto de acidentes que causaram afastamento de empregados por mais de 15 dias de 2006 a 2008: 122%.
Riscos e problemas
Para o diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), Luiz Queiroz, a preferência dos jovens por outros setores é um indício relevante. “Um jovem hoje prefere ir para outros setores e não para construção civil, pois os riscos da profissão não têm uma compensação financeira”, coloca. “É muito menos desgastante trabalhar com telemarketing e o salário é o mesmo”.
Na avaliação de Luiz, a precarização está ligada à expansão acelerada do setor. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo (Sintracon), João Rodrigues, destaca outro fator relacionado ao problema: a intensificação do trabalho no canteiro de obras. “Falta mão de obra qualificada, aumenta-se, então, a carga horária e/ou a exigência por prazos. Desse jeito, o cansaço facilita a ocorrência de acidentes”.
“O ritmo muito intenso traz novos problemas para a saúde do trabalhador como LER [Lesão por Esforço Repetitivo], Dort [Distúrbios Osteo-musculares Relacionados ao Trabalho] e hérnia. Alguns chegam a trabalhar de segunda a segunda. Isso aumenta o risco”, adiciona Luiz, da Conticom, condeferação ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT).
A expansão da setor expõe outro aspecto negativo: a falta de treinamento. A Norma Regulamentar (NR) 18, que rege as condições e meio ambiente de trabalho na indústria da construção, obriga as empresas a fornecer treinamento. Na prática, contudo, as instruções muitas vezes não são dadas adequadamente. “As grandes empresas costumam fazer algum treinamento protocolar. O sindicato preferiria palestras específicas. O trabalho feito pelo carpinteiro é diferente do que é feito pelo pedreiro”, coloca João, do Sintracon, organização sindical filiada à Força Sindical.
Além disso, o problema da informalidade continua sendo uma realidade na construção civil. Balanços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sublinham que os empregos informais chegam a ultrapassar 50% nas regiões metropolitanas. Em São Paulo, 61,5% de trabalhadores do setor não tinham carteira assinada em 2008, seja trabalhando por conta própria ou como assalariados sem vínculo formal.
“A informalidade é muito grande. Tem empregador que chega a reter a carteira de trabalho e só registra em caso de acidente, para evitar um problema maior”, acusa Luiz. A informalidade, completa ele, também está ligada às terceirizações e quarterizações, que precarizam a saúde e segurança do trabalho. Houve até casos recentes de trabalho escravo no setor.
Fiscalização e propostas
Desde 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) coordena o Programa Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Construção Civil, que tem como objetivo intensificar a atuação preventiva no setor, para tentar evitar a ocorrência de mais problemas na construção civil.
A procuradora do trabalho Cinthia Passari Von Ammon, que coordena uma das atuações regionais do programa na região de Ribeirão Preto (SP) explica que o primeiro passo é explicar às empresas a importância do cumprimento das normas de segurança. Nesta fase, o MPT notifica quais obrigações devem ser cumpridas e estabelece 60 dias para adequação.
Um dado específico da região e que chamou a atenção da procuradora do trabalho foi a migração de cortadores de cana-de-açúcar para a construção civil. Com a mecanização de boa parte dos canaviais, parte dos trabalhadores ficou sem trabalho. “O problema principal é a transferência de trabalhadores da área rural que migraram de outros estados. Eles acabam se sujeitando a trabalhar em situação pior do que a dos próprios cortadores”.
O dirigente sindical Luiz, da Conticom, prega, além da fiscalização, mudanças maiores no setor. “Quando for pensada uma obra, tem que ser pensado qual o tipo, a característica, e quais os riscos existentes, desde a planta até a entrega. Tem que ter planejamento por parte das empresas”, recomenda. “As empresas só reclamam que falta qualificação. Mas falta salário e o trabalho é muito desgastante. Não é só qualificar”.
Na avaliação de Haruo Ishikawa, vice-presidente das Relações Capital-Trabalho do SindusCon-SP, a associação da construção civil com riscos para o trabalhador faz parte de um “estigma”. As condições de saúde e segurança do trabalho, garante, têm melhorado nos últimos anos. “Há 10 anos, transporte e construção civil eram os campeões absolutos de acidentes de trabalho. Hoje, não ocupamos mais essa posição”, argumenta.
Ele reconhece que a informalidade ainda se alastra por aproximadamente metade de todo o setor, mas enfatiza que a indústria formal tem buscado avanços em termos da qualidade do emprego. A proporção maior de registros de acidentes está vinculada ao aumento de formalizações, avalia Haruo. Foram mais de 1,1 milhão de novos empregos a partir de 2000. “Desde 2006, estamos passando pelo período com mais contratações”.
Os acidentes na construção civil têm conexão também com a mudança nos padrões de avaliação de acidentes do INSS, na análise de Damásio Aquino, pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Em 2007, a adoção do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), que define a classificação dos problemas de saúde passíveis de concessão de benefícios, inseriu algumas doenças ocupacionais (LER, Dort, etc) dentro das categorias de acidentes . “Até 2006, a curva dos acidentes de trabalho era descendente, a partir da mudança do NTEP em 2007, esses números passaram a aumentar”.
Sobre a intensificação do trabalho nos canteiros, Haruo, do SindusCon-SP, diverge da posição apresentada pelos sindicatos. Ele declara que as empresas vêm respeitando as convenções coletivas de trabalho (CTCs) e as exigências estão dentro dos padrões normais. O representante patronal adiciona ainda que os empregadores investem em treinamento e cita inclusive uma parceria firmada com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) que pretende atender 60 mil trabalhadores do setor.
A absorção da mão de obra de ex-cortadores de cana pelo setor tem de fato ocorrido, confirma Haruo. Segundo ele, os acordos dos últimos cinco anos garantiram aumentos reais do piso salarial dos empregados da construção acima da inflação, além de melhorias em termos de alimentação e outros benefícios. Dados do Dieese mostra, entretanto, que o rendimento médio do trabalhador do setor caiu entre 1998 e 2008. Em São Paulo, por exemplo, a queda foi de 21,4%, já corrigida a inflação do período.