Compartilhe
No Brasil, menos de 1% dos grandes proprietários detém quase 50% das terras. Na outra ponta, mais de 70% dos pequenos proprietários, agricultores familiares e camponeses possuem em torno de 24% das terras. A informação já é antiga, mas a novidade é que aumenta a cada ano a concentração de terras por estrangeiros, em especial por empresas do setor financeiro.
Isso é o que aponta o professor da Universidade de Brasília campus Planaltina, Sérgio Sauer. Apostando na mesma análise, a ActionAid divulgou no último Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro) o Relatório Situação da Terra, sobre países da América Latina, África e Ásia. Segundo a ONG, o aumento da compra de terras por estrangeiros leva à insegurança alimentar da população local, que vê sua produção agrícola ser destinada à exportação
Para compreender a estrangeirização das terras e suas consequências, a Radioagência NP entrevistou o professor Sérgio Sauer, que também é relator do Direito Humano a Terra, Território e Alimentação da Plataforma Dhesca. Para ele, o monopólio da terra desencadeia um processo que chega até a mesa dos brasileiros, com risco de aumento da inflação e de encarecimento dos alimentos e produtos da cesta básica.
Radioagência NP: O Brasil é marcado por ser um país com alto índice de concentração de terras, qual a situação desse quadro ao longo do tempo?
Sérgio Sauer: A concentração das terras no Brasil – ou seja, poucos têm muita terra – é um processo histórico que remonta ao período colonial e, depois, mais recentemente, a partir da Revolução Verde no Brasil, nos anos 1960, que aprofundou esse processo de concentração. Agora nos anos mais recentes, a gente começou a perceber – alguns dizem que não é um fenômeno novo, mas ele é novo no sentido que se aprofunda – um investimento de empresas do setor financeiro, empresas do agronegócio e mesmo pessoas físicas do exterior, especialmente do [hemisfério] norte e de alguns países da Ásia, comprando terras especialmente na África e também na América Latina, em particular no Brasil.
Radioagência NP: Como explicar esse fenômeno mais recente da concentração de terras?
SS: Uma coisa que é importante deixar claro é que a grande imprensa e os jornais, praticamente, semanalmente anunciam que empresas, inclusive empresas do setor financeiro (e isto é uma novidade) – bancos, fundos de pensão, esse setor que estava acostumado a investir mais em bolsas de valores, na especulação financeira com títulos, investimentos para rendimentos em juros, etc. – passam a investir em terra a partir de 2008. Nós entendemos isso como parte de um contexto mais global, primeiro daquela crise norte-americana do setor imobiliário, que se estendeu para os bancos e de uma crise mais ampla, em nível mundial. Então, começou a sair recursos de alguns setores que eram chamados de capital de risco e vir para, por exemplo, aquisição de terras, que talvez é menos lucrativo do ponto de vista imediato, mas é mais seguro.
Radioagência NP: E o que justifica esse aumento na compra de terras?
SS: Como há um aumento da população, nós já chegamos a 7 bilhões de habitantes, e há um aumento do poder aquisitivo de alguns países, como a China, então a tendência é de ter uma demanda maior de alimentos. Só que, isso são dados do Banco Mundial, esses investimentos, especialmente na África, estão vinculados não à produção de alimentos, apesar de esse ser o discurso, mas à produção das chamadas commodities agrícolas: grãos, como soja para alimentação animal (ração) ou para produção de biocombustíveis, biodiesel, etanol da cana. E uma segunda vertente, agora mais recente, é a especulação, a busca e a demanda por minérios, os chamados recursos naturais – especialmente na África ainda –, minério de ferro, madeira, água. Um terceiro aspecto é que parte significativa desses investimentos são especulativos, ou seja, há investimentos no setor, compra de terras e tal, sem que haja perspectiva de produção, só para reserva de valor. Compra-se uma grande área e espera os preços subirem para revender e, com isso, ganhar dinheiro só nessa compra e venda, que a gente chama de especulação imobiliária.
Radioagência NP: Quais as consequências desse processo para a sociedade?
SS: A primeira delas é de que esses investimentos estrangeiros vêm na mesma direção da concentração da propriedade da terra. Se antes eram poucos brasileiros que concentravam muitas terras; agora são esses mesmos poucos brasileiros e algumas empresas ou pessoas físicas estrangeiras adquirindo grandes quantidades. Associado a isso, há uma tendência nesses investimentos de concentrar e monopolizar a produção, é na compra dos produtos da terra. Então, é um segundo problema que impacta, por exemplo, sobre preços: se tem um grande monopólio, essas empresas põem o preço que elas quiserem nos produtos, porque elas controlam os produtos. Em terceiro lugar, e aí é importante dizer que no ano passado, em 2011, um dos motivos pelos quais o Brasil ficou novamente ameaçado com a inflação acima do que tinha sido estabelecido, era por causo do aumento do preço dos alimentos, da cesta básica. E uma quarta, é o seguinte, como há uma demanda por terra de camponeses sem terra, de comunidades quilombolas que não têm seus territórios demarcados, de povos indígenas que ficam constantemente com ameaças sobre seus territórios; uma quarta consequência para a sociedade é que aumentou a demanda por terras, aumentou a concentração, tende a aumentar os conflitos pelo acesso à terra e pelos direitos territoriais.
Mais sobre o assunto
Limite de compra de terras por estrangeiros passa por revisão na Câmara
Debate de compra de terras por estrangeiros é para encobrir falta da reforma agrária, aponta professor da USP