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Mulheres brancas, de maior renda e escolaridade são as que mais fazem mamografia no Brasil. Essa é uma das principais conclusões de um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ligada à Fundação Oswaldo Cruz, a partir da análise dos dados de nove regiões metropolitanas da edição 2008 da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE.
Embora seja possível afirmar que as desigualdades sociais, em especial a renda, aumentam ou diminuem as chances de uma mulher fazer o exame, que é a principal maneira de diagnosticar o câncer de mama com precocidade, elevando assim as chances de cura, há ressalvas. “Apesar dos indícios de associação do quadro com as diferenças socioeconômicas das regiões metropolitanas, pode ser que tal ligação exista também na oferta e na gestão dos serviços de saúde em cada uma delas”, destaca a pesquisadora Rejane Sobrino Pinheiro, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das autoras do trabalho.
Segundo Rejane, não é de hoje que se sabe que a escolaridade e a renda são determinantes para o acesso a qualquer serviço no Brasil e no mundo. Em relação à cor/raça, há menor número de estudos e não há consenso. Mas o estudo dela e suas colegas é pioneiro ao constatar como os indicadores sociais tradicionais se comportam em diferentes locais dentro do Brasil, como se fossem vários “Brasis”. “Em algumas regiões metropolitanas, a prevalência de mamografia é muito desigual em função da renda familiar per capita. Em outras, é maior segundo a escolaridade. Ou seja, os indicadores não sugerem exatamente a mesma coisa. Em cada região metropolitana as barreiras à mamografia podem ser diferentes”, afirma.
Para Rejane, o Brasil não padece da oferta de mamógrafos. Embora o Sistema Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) tenha divulgado recentemente que na região Norte existam apenas 86 mamógrafos, dos quais 44 em instituições públicas; no Nordeste, 98 públicos para 351 existentes na região; 284 públicos dentro dos 687 da região Sudeste; 38 para os 286 do Sul e 52 para os 125 no Centro-Oeste, os números indicam cerca de 48 aparelhos por milhão de mulheres – valor semelhante ao de países desenvolvidos, como Nova Zelândia (46), Japão (49) e Alemanha (51).
Mesmo em países de grande extensão, como Canadá (40) e Austrália (63), os valores não estão tão distantes. As diferenças, segundo ela, não parecem dever-se à falta de mamógrafos. Afinal, conforme aponta, a oferta praticamente duplicou desde a implantação da política de controle do câncer de mama em 2004. Mas sim a problemas de distribuição e acesso.
“A distribuição dos equipamentos não pode ser tão dispersa, dada a densidade populacional desigual, o tamanho do território brasileiro e os desafios operacionais”, diz. “As etapas de instalação, operação, manutenção e interpretação do exame necessitam de especialistas, como físicos, técnicos qualificados, engenheiros, médicos especialistas, que também não estão distribuídos igualmente pelo país”, destaca.
Para ela, mais do que instalar novos equipamentos em lugares remotos, é necessário garantir condições para o deslocamento das mulheres, dos mamógrafos, ou de ambos, e ainda incentivar a leitura e interpretação dos exames de modo centralizado, com uso das opções abertas pela telemedicina. “Não seria inventar a roda, uma vez que isso já acontece em outros países, como Austrália, Estados Unidos, Reino Unido. E mesmo no Brasil há notícias de experiências desse tipo”, observa Rejane.
Conforme explica, os aspectos ligados ao deslocamento são importantes quando o país inteiro é considerado. Mas, nas regiões metropolitanas, essa questão não é tão relevante. Outros componentes do acesso seriam barreiras mais importantes, como filas, encaminhamentos e preços. Nem todos os exames são realizados no âmbito do SUS e há que se investigar o número de exames por mamógrafo, tanto dos financiados pelo SUS, quanto dos privados. A operação dos equipamentos pode estar aquém da sua capacidade instalada.
Vale destacar ainda outros aspectos da oferta, como a substituição dos equipamentos obsoletos ou fora de operação, a eficiência do serviço e a dificuldade de acesso da mulher ao exame, causada tanto por barreiras à porta de entrada no serviço de saúde — não conseguir atendimento médico –, quanto à continuidade do atendimento,ou se o profissional não indica o exame.
Mas há avanços. A política nacional e ações governamentais entre 2003 e 2008 vem produzindo resultados positivos,como a ampliação do acesso à mamografia e redução das desigualdades sociais, demonstradas em estudo anterior, também com dados da PNAD. “Para avançar nessas questões, iniciamos uma nova etapa de investigação, abordando a produção e a produtividade dos mamógrafos, segundo fonte de financiamento, público e privado, sua distribuição espacial e a cobertura da população-alvo à luz das recomendações da política do Ministério da Saúde, que segue os critérios internacionais, e dos parâmetros alternativos sugeridos pela Sociedade Brasileira de Mastologia, para identificar indícios de demanda reprimida ou de uso excessivo do exame”, explica a pesquisadora.
A democratização da mamografia é encorajadora quando se consideram coberturas de
rastreamento mamográfico, hoje acima de 70%, o que confere redução da mortalidade de 20% a 30% de mulheres de 50 anos ou mais nos países desenvolvidos. No entanto, é fundamental estruturar a rede de cuidados de saúde que permita a ampliação da oferta de mamografias com qualidade, dos procedimentos de diagnóstico e de tratamento para todas as mulheres que necessitam de acompanhamento. “Dessa forma poderemos acreditar que estamos, de fato, caminhando para a diminuição real das desigualdades em saúde no país.”