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A principal autoridade da Universidade de São Paulo (USP), o reitor João Grandino Rodas, não é figura bem-vinda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo (SP). Na última quinta-feira (29), professores, estudantes e funcionários deram o título de persona non grata a Rodas, o primeiro professor da história da instituição a ganhar a nomeação.
O título foi concedido por unanimidade, durante uma reunião da Congregação, instância máxima de deliberação da Faculdade. A proposta, apresentada pelo professor Sérgio Salomão Shecaira, expressou o ponto máximo dos conflitos entre a comunidade acadêmica e o reitor, que já se acumulavam desde a gestão de Rodas como diretor da Faculdade de Direito, entre 2007 a 2009. Segundo os manifestantes, atitudes autoritárias dele motivaram a entrega do título.
“Esse desfecho inevitavelmente iria acontecer por causa de todo o histórico de autoritarismo de Rodas como diretor da Faculdade e reitor da USP. É uma reação à altura para responder a forma com que ele tratou a instituição”, diz Aníbal Cavali, representante dos funcionários na Congregação da Faculdade de Direito e diretor do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP).
O estopim que levou a formação da “Comuna de São Francisco”, conforme relatou o jornalista conservador articulista da revista “Veja” Reinaldo Azevedo, foram as críticas do reitor à gestão de seu sucessor na Faculdade, o diretor Antonio Magalhães Gomes Filho. Em edição especial do dia 20 de setembro, o boletim USP Destaques, órgão de imprensa oficial da reitoria, pontuou questões consideradas como problemas na administração da Faculdade que atravancaram o projeto de “modernização” iniciado por Rodas no prédio.
O boletim ressaltou que a faculdade “sente a perda de dois anos e compreendeu a involução e a situação precária de sua infraestrutura”. Disse ainda que contraria a lei e a moralidade administrativa “descontinuar projetos da gestão anterior, em curso, por implicar desperdício de dinheiro público”.
Apesar de o reitor afirmar que não atribuía a situação à atual gestão, Gomes Filho se sentiu pessoalmente atacado, impulsionando a ação conjunta na Congregação. Para Aníbal, apesar de a unidade de ação entre professores, funcionários e estudantes não ser muito comum, a surpresa mesmo se deu pelo fato das decisões terem sido tiradas de forma unânime, o que deixa claro a indisposição da comunidade com o reitor.
Ministério Público deve investigar Rodas
Além de persona non grata, a Congregação também decidiu de forma unânime que irá encaminhar ao Ministério Público um documento com denúncias que colocam em cheque a lisura da administração de Rodas como reitor e como ex-diretor da Faculdade de Direito.
Um dos pontos que, segundo estudantes, funcionários e professores “merecem investigação” é o uso de verba pública para a produção de boletins com críticas pessoais do reitor à Faculdade. Querem ainda que o MP investigue decisões polêmicas tomadas por Rodas enquanto era diretor como a nomeação de salas de aulas por meio de contratos com a iniciativa privada e a transferência da biblioteca do prédio principal para um prédio anexo na Rua Senador Feijó.
Outro item que deve ser investigado é a transferência para o gabinete da Reitoria de dois tapetes orientais doados pela Fundação Arcadas à direção da Faculdade.
“Esses pontos, a nosso ver, caracterizam improbidade administrativa do reitor. Vamos levar isso ao Ministério Público para que o órgão apure”, explica Aníbal.
Pelo menos 500 manifestantes saíram em ato pela Faculdade depois que a Congregação tirou suas decisões. Durante o ato, professores, funcionários e estudantes decidiram que, por conta das atitudes totalitárias de Rodas, a Congregação poderá conceder o título de persona non grata também para os ex-diretores da Faculdade de Direito, Luiz Antonio da Gama e Silva, diretor da instituição entre 1959 a 1962 e redator do Ato Institucional número 5 da ditadura civil-militar, e Alfredo Buzaid, diretor entre 1967 a 1969 e Ministro da Justiça durante o governo Emílio Garrastazu Médici.
“O que está sendo colocado é que Rodas está no mesmo patamar que Alfredo Buzaid e Gama e Silva. A idéia é ficar bem clara a caracterização do reitor como uma pessoa autoritária, que não propõe diálogo, mas impõe o que quiser”, conclui Anibal.
Histórico de autoritarismo
Decisões tomadas sem consulta à comunidade renderam a João Grandino Rodas a fama de autoritário entre professores, funcionários e estudantes. Na Faculdade de Direito da USP, a decisão mais polêmica foi a transferência das bibliotecas departamentais para um prédio anexo à instituição, na Rua Senador Feijó, que não possuía condições ideais para acondicionar os livros. O fato rendeu uma ação do Ministério Público Federal.
Conforme explica Danilo Cruz, diretor do Centro Acadêmico de direito da USP, XI de Agosto, no prédio anexo há problemas com parte hidráulica, elétrica e até mesmo com a mecânica dos elevadores.
Em maio de 2010, depois que um vazamento de água colocou em risco a preservação dos livros da maior biblioteca na área jurídica da América Latina, uma movimentação dos estudantes parou a Faculdade por três dias, exigindo os volumes de volta. “Parte dos livros retornaram ao prédio, mas outros ainda ficaram no anexo. Tanto é que hoje existem 10 mil volumes ainda encaixotados, que não podem ser usados”, explica Danilo.
Outra decisão do reitor que causou revolta foi nomear duas salas de aula com os nomes do advogado Pinheiro Neto e do banqueiro Pedro Conde, financiadores da reforma das mesmas pelo custo de R$ 900 mil cada. As salas da instituição, tradicionalmente, recebem os nomes de antigos professores, no entanto, a nomeação do advogado e do banqueiro pareceu marketing pessoal para os estudantes, que exigiram a retirada das placas.
Tanto a transferência da biblioteca quanto a nomeação das salas foram medidas tomadas por Rodas no último dia de sua gestão em 2009, sem consulta às demais instâncias burocráticas da própria Faculdade. “Essas ações faziam parte do projeto de ‘modernização’ de Rodas, que é, na verdade, um projeto privatizante porque efetiva o financiamento privado na Universidade pública, fora a ausência de democracia”, denuncia Danilo.
Segundo o estudante, ainda existiram atritos recentes com o reitor que ameaçou demitir funcionários da instituição e instaurar novamente a cátedra vitalícia. Outro conflito foi a tentativa de Rodar de emperrar a transferência do Museu de Arte Contemporânea da USP para o antigo prédio do Detran, no Ibirapuera, por causa de divergências com o projeto “Clube das Arcadas”, um complexo esportivo-cultural do Centro Acadêmico XI de Agosto, que será instalado em um terreno vizinho.
“Nenhuma das atitudes que ele tomou, levou em conta a opinião de grande parte da comunidade acadêmica. Esse título de persona non grata é um protesto contra isso. Com certeza se o reitor aparecer na Faculdade isso vai gerar muita manifestação, não vai ser uma relação amigável”, ressalta Danilo.
Mais autoritarismo
João Grandino Rodas também é conhecido por ter autorizado a entrada da Polícia Militar no campus Butantã em 9 de junho de 2009, quando fazia parte do Conselho Universitário, para reprimir uma manifestação de funcionários e estudantes. Além de alguns presos, muitos estudantes ficaram feridos em razão dos disparos das balas de borracha.
Em 2007, ele já havia chamado a tropa de choque da Polícia Militar para acabar com uma ocupação simbólica da Faculdade de Direito, organizada por movimentos sociais.
Nas eleições para a substituição da ex-reitora Suely Vilela, no final de 2009, Rodas conquistou o segundo lugar, mas foi escolhido para dirigir a Universidade após uma intervenção do governador, José Serra (PSDB). Para estudantes e funcionários, a nomeação foi uma tentativa do governador de controlar de forma mais dura as movimentações no campus Butantã em São Paulo, depois da ocupação do prédio da Reitoria em 2007.