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Cerca de 500 pessoas participaram neste sábado (1º) de um ato contra o projeto do governo do Rio de Janeiro que prevê a concessão do Maracanã à iniciativa privada. Mesmo com a ausência de algumas celebridades que dão apoio ao movimento – como o cantor e escritor Chico Buarque e o nadador Cesar Cielo, entre outros –, o ato atraiu a participação de ativistas do Comitê Popular da Copa e de moradores que gritaram palavras de ordem contra a privatização do estádio. Demolições previstas no projeto de reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014, como as do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático Julio Delamare, do Museu do Índio e da Escola Municipal Friedenreich, também foram alvo dos protestos dos manifestantes.
Entre os manifestantes, um grupo de 15 indígenas chamou a atenção ao fazer uma roda e entoar cânticos em protesto contra a derrubada do prédio do antigo Museu do Índio, construído há 150 anos e onde há seis anos foi instalada a Aldeia Maracanã, espécie de embaixada informal para os indígenas de diversas etnias que chegam ao Rio de Janeiro. Líder da aldeia, o cacique Carlos Tukano diz que os índios estão “muito preocupados com a incerteza” sobre o futuro: “Até agora não tivemos nenhuma posição do governo, não fomos procurados nem para dizerem em que dia vão demolir”, disse.
A situação dos habitantes da Aldeia Maracanã tende a piorar, já que no dia 13 de novembro foram derrubadas duas liminares que os favoreciam. Uma delas exigia a permanência dos povos indígenas dentro do prédio do antigo Museu do Índio, e a outra impedia a demolição do prédio. As liminares haviam sido concedidas a pedido da Defensoria Pública da União, e sua derrubada deixa o caminho livre para que os índios sejam desalojados e o prédio demolido.
O governador Sérgio Cabral fixou em 20 de dezembro a data-limite para que seja deflagrado o processo de licitação para demolição do prédio: “O governador disse que não tem nada contra os índios, mas não nos deu nenhuma solução ou orientação. Nós precisamos do espaço, que é um referencial para os povos indígenas, não só os que estão aqui, mas em nível nacional. Esse espaço para nós é tão importante quanto os royalties do petróleo são importantes para ele”, diz Tukano.
O cacique lembra que o governo estadual comprou por R$ 60 milhões o prédio do Museu do Índio – que pertencia à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) – “apenas 15 dias após o fim da Rio+20”, evento durante o qual Cabral havia feito manifestações de apoio aos povos indígenas. Ele se queixa da luta desigual: “Nós não temos recursos em nível jurídico para tentarmos nos defender particularmente. Estão rasgando a Constituição para negar nossos direitos. Se a demolição de fato acontecer, vai ser uma grande perda. Vai se apagar a história cultural dos povos indígenas mais uma vez, depois de 512 anos”, diz.
Valor histórico
Tukano diz que “em vez de se falar em demolir, deveriam valorizar o Museu do Índio para a Copa”. Sua justificativa é o valor histórico do prédio: “Não é apenas um prédio, o fato é que ele carrega a memória dos povos indígenas. Lá foi criada em 1910 pelo Marechal Rondon a primeira instituição do governo federal para tratar dos interesses dos povos indígenas. Foi lá também que em 1953 o Darcy Ribeiro fundou o primeiro museu da América do Sul sobre os povos indígenas. É um local histórico”, diz.
O raciocínio de Carlos Tukano parece perfeito, mas a alta consideração pelo local não é compartilhada pelo cacique da política fluminense. “O prédio fica em uma área de mobilidade do projeto de preparação do Maracanã para a Copa e vai ser demolido. A Fifa exige um alto grau de mobilidade para a circulação de pessoas no entorno do estádio. O prédio não tem valor histórico”, diz Sérgio Cabral.
Além de utilizar como justificativa a relevância histórica do Museu do Índio e a importância social da Aldeia Maracanã, a tentativa de defesa da preservação do espaço feita pela Defensoria Pública da União se baseou em um parecer do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro (Crea-RJ) que afirma não ter o edifício sofrido qualquer abalo estrutural que justifique sua demolição. Uma inspeção realizada em setembro por técnicos da entidade afirmou ainda que a estrutura do edifício está apta para ser restaurada e que sua localização não atrapalha a mobilidade para quem chega ou sai do Maracanã.
Resistência
Atualmente, segundo o cacique, vivem na Aldeia Maracanã 23 índios das etnias Pataxó, Apurinã, Tukano, Guarani e Guajajara. A área total do terreno é de 1,6 mil metros quadrados, mas o péssimo estado da parte interna do edifício, assim como a falta de telhado em boa parte dele, obrigou seus habitantes a construírem pequenas casas com forro de estuque (mistura de água, gesso e cola). No quintal, os índios plantam legumes e verduras para consumo próprio, mas ainda convivem com problemas básicos como a falta de água e de energia elétrica.
Os indígenas da Aldeia Maracanã mantêm em atividade um centro cultural que realiza aos primeiros sábados de cada mês um festival de gastronomia, música, rituais e artes indígenas. O evento atrai muita gente, mas não foi realizado hoje por conta da mobilização contra a privatização do Maracanã. A hora é de os índios saírem de sua casa para pedir ajuda e conquistar apoios. “Pretendemos fazer uma mobilização ainda maior do que a que fizemos até agora. As pessoas estão simpatizando com nossa causa, com a causa dos povos indígenas. Vamos resistindo até onde for necessário”, diz Carlos Tukano.
Autoritarismo
Durante o ato, o coordenador do Comitê Popular da Copa, Marcelo Edmundo, afirmou que a tendência é que o movimento contra a privatização do Maracanã ganhe força nos próximos meses. “Questionamos esse processo de reformulação do Complexo do Maracanã, com suas remoções e demolições. Mais do que um estádio, o Maracanã é um símbolo da cidade, junto com os aparelhos do seu entorno. O governo quer mudar a cara do Maracanã sem consultar a população”, disse. O objetivo do movimento agora é tentar agendar uma conversa com Sérgio Cabral: “Nossa expectativa é a de conseguir marcar uma reunião com o governador para que nossas reivindicações sejam ouvidas”, diz Edmundo.
Para Afonso Celso, que é diretor do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro), a população fluminense assiste a um filme repetido. “Esse projeto vai entregar um patrimônio público para a iniciativa privada. Já havia sido gasto muito dinheiro público com a realização do Pan de 2007, e agora se vai gastar novamente”, diz.
A demolição da Escola Friedenreich, considerada a quarta melhor do Rio pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), merece duras críticas do sindicalista. “A decisão em relação à demolição da escola repete uma coisa que esse governo sempre faz, que é agir independentemente do que pensa a população que está usufruindo daquele bem. Como você tira uma escola de seu lugar, sem antes apontar para onde ela vai e quais são as necessidades daquelas pessoas? É autoritária a forma como se quer privatizar um bem público e é autoritária a forma como se quer remover uma escola. Esse autoritarismo é que faz com que a indignação e a onda de protestos cresçam cada vez mais”.