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Aos 102 anos – completaria 103 em abril –, morreu dona Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, viúva do escritor Guimarães Rosa. Ela sofria de mal de Alzheimer. Com mãe alemã e pai brasileiro, paranaense, foi criada em São Paulo. Casou, desquitou-se e foi morar na Alemanha, ainda nos anos 1930, com o filho Eduardo, então com 5 anos. Arrumou emprego no consulado brasileiro em Hamburgo. O vice-cônsul era Guimarães Rosa, que depois seria chamado por ela de “Joãozinho”. Casaram no México e voltaram ao Brasil em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial.
E foi nesse período que dona Aracy se acostumou a auxiliar judeus. Por isso, é a única brasileira citada no Museu do Holocausto. Mas ela ajudava, na verdade, todo tipo de perseguidos. Um dos acolhidos por ela, após o Ato Institucional 5 (AI-5), foi o compositor Geraldo Vandré. Procurado pelo governo militar, ele se escondeu durante quase um mês no apartamento de dona Aracy, em Copacabana, no Rio de Janeiro.
“Era até gozado porque a vista do apartamento era para o Forte de Copacabana”, contou anos atrás Eduardo Tess, filho de dona Aracy. “Eu me lembro que ali, com as cortinas abaixadas, a gente chegava a ver, pertíssimo mesmo, os soldados fazendo guarda”, acrescentou o jornalista Arthur Poerner.
A ela, agradecido, Vandré dedicaria um poema escrito já no exílio, em livro lançado no Chile, em 1973, e até hoje inédito no Brasil:
A graça já se fez, amiga,
E não vai se perder.
Só falta que eu bendiga
e vou me preparar para cumprir
a missão de agradecer
além do verso e da palavra.
Para tanto a poesia
tem muito que crescer.
O tempo eu não digo
porque me engano e vou desmerecer.
Garantido é que hoje sigo
mais seguro e mais forte
porque vais comigo
e mais posso fazer.
Porém além do verso e da palavra
Tem de ser
E ainda não sei quando
Irei bendizer
Da graça que foi tanta
De te conhecer
O mineiro de Cordisburgo João Guimarães Rosa morreu em 19 de novembro de 1967, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Foi ele que disse que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. E que “aprender a viver é que é o viver mesmo”.